domingo, 23 de junho de 2013

É abuso demais – Ferreira Gullar

Não sou a favor de vandalismo, mas entendo que as pessoas tenham ido para as ruas protestar contra o aumento das tarifas de transporte coletivo. Não têm que quebrar casas comerciais, agências bancárias, nem muito menos vidraças de igrejas e instituições culturais.

É burrice e põe a opinião pública contra os manifestantes. É baderna, coisa de quem não sabe o que está fazendo. Mas não há dúvida de que o interesse público há muito foi posto de lado.

De São Paulo não posso falar, pois não conheço bem a situação real de lá. Ouço dizer que é péssima; que, nos ônibus, nas horas críticas, não cabem as pessoas, e que levam horas para chegar ao destino, seja para o local de trabalho, seja na volta para casa.

No Rio não é muito diferente. Se na hora de ir para o trabalho é aquele sufoco, já altas horas da noite, quando o número de passageiros é mínimo, os ônibus desaparecem.

As empresas de transporte coletivo não estão nem aí para a população, para servir aos cidadãos. Seu único interesse é ganhar dinheiro, e o povo que se dane. Todo mundo sabe que, se no ponto só estiverem idosos -que não pagam passagem-, os ônibus não param, passam direto. E fazem isso porque o patrão manda e, se não fizerem, sofrem represálias.

E o metrô aqui do Rio? Nunca vi igual. Sei que é caríssimo -dizem que é o mais caro do planeta- e serve pessimamente aos cidadãos. No mundo, não há nenhum que se lhe compare.

Tenho carro, gosto de dirigir, mas raramente saio com ele, mesmo porque, se vou ao centro da cidade, não há onde estacionar e, quando há, é por um preço que mais vale tomar um táxi e pagar a corrida; sai mais em conta.

Sucede, porém, que uma vez ou outra, se vou para certos lugares, pego o metrô. Idoso não paga, não entra na fila para comprar passagem. Como sou idoso e há uma estação de metrô bem perto de minha casa, me valho dele, melhor dizendo, me valia. Sim, porque não o faço mais. Nunca vi metrô igual. E olhe que viajei nos metrôs de Nova York, Paris, Roma, Berlim, Buenos Aires e Moscou. Ruim como o nosso, ao que eu saiba, não existe outro. Mas isso não é de hoje.

O trem do metrô para no meio do caminho a cada viagem. Nas poucas vezes em que andei nele aconteceu isso. E veja que, como disse, raramente o faço. Mas Maria, minha empregada, que mora perto da Pavuna, anda nele todos os dias e já muitas vezes teve que completar a viagem a pé, caminhando pelos trilhos.

Em que metrô do mundo acontece isso?

E não fica só nisso. Outro dia, como necessitava ir a Ipanema, num local próximo à praça General Osório, decidi tomar o metrô. Como não sou habituado a usá-lo, não sabia que a estação daquela praça estava desativada. Só soube quando, já em viagem, uma voz deu essa informação, e mais: deveríamos todos descer na estação seguinte, para fazer um transbordo.

Como assim, me perguntei, por que não vamos até a estação Corte do Cantagalo, uma antes da General Osório? Seria o lógico, mas não é: descemos na estação Siqueira Campos, passamos para a outra plataforma -por onde trafegam os trens em direção contrária- e lá ficamos esperando não se sabia o quê.

Bem, depois de muito, veio uma composição vazia, parou, ficou um tempo fechada, abriram-se as portas e nós entramos para irmos até a estação Corte do Cantagalo.

Lá, descemos todos, e aqueles que iam para a General Osório pegariam um ônibus que os levaria até lá. Começou a chover e o ônibus não chegava nunca, tomei um táxi e me safei daquele inferno. Aliás, se no inferno houver metrô, deve ser administrado pela mesma empresa que administra o do Rio de Janeiro.

Ultimamente, ando desapontado com a passividade do povo brasileiro diante desse e de tantos outros abusos, mas as manifestações destas últimas semanas parecem indicar que ele acordou. É o que espero.

Fonte: Ilustrada / Folha de S. Paulo

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