quarta-feira, 19 de junho de 2013

Manifestações desnorteiam a velha política

A explosão de sucessivos protestos nas cidades brasileiras deixa prefeitos, governadores e autoridades federais perplexos diante de um Brasil até então desconhecido e com o qual ainda não se sabe como lidar. Depois de declarar que o governo está ouvindo as vozes da rua, a presidente Dilma foi se encontrar com Lula e com o prefeito Fernando Haddad, em São Paulo, para avaliar o prejuízo eleitoral dos acontecimentos. Temendo a reação popular, seis outros prefeitos se apressaram em anunciar a redução das tarifas. As passeatas se estenderam a cidades do interior e a oito países.

Protesto na capital paulista reúne mais de 50 mil.

Pela primeira vez, Haddad admite redução da tarifa.

Saiba quais são as principais reivindicações das ruas.

São Paulo

A manifestação nas avenidas da cidade começou pacífica, mas um grupo tentou invadir a prefeitura e deu início à violência: carros foram queimados e lojas, saqueadas.

Rio de Janeiro

O centro de São Gonçalo, perto da capital, foi tomado por 5 mil pessoas.

Houve atos em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, no Ceará e no Acre.

Pressionados, prefeitos cedem

Chefes do Executivo municipal que passaram os últimos dias agindo de maneira isolada para responder aos protestos nas ruas decidiram se unir. Eles vêm hoje a Brasília para discutir com senadores um projeto para desonerar o diesel, o que pode ajudar na redução do preço das tarifas de ônibus. O presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), José Fortunati (PDT), de Porto Alegre, e o vice-presidente do grupo, Fernando Haddad (PT), de São Paulo, participarão de audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

O governo federal afirmou ontem que apoia outras duas propostas em tramitação no Congresso. Uma delas reduz a incidência de PIS/Cofins no transporte coletivo (leia ao lado), e a outra desonera a folha de pagamento do metrô de São Paulo. De maneira isolada, seis cidades resolveram se antecipar e anunciaram reduções das passagens: Recife, João Pessoa, Cuiabá, Porto Alegre, Pelotas (RS) e Blumenau (SC). Em Brasília, o secretário de Transportes, José Valter, assegurou que as tarifas não serão reajustas até 2014 (leia mais na página 25).

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, provável candidato do PSB à Presidência no ano que vem, declarou que a decisão de diminuir a tarifa de ônibus não tem relação com os protestos ocorridos na noite de segunda-feira na capital pernambucana. "Foi uma decisão unilateral do governo e das prefeituras reunidas aqui hoje (ontem)," disse.

O prefeito de Porto Alegre, o pedetista José Fortunati, também aproveitou a brecha de desonerações em diversos projetos que tramitam nos planos federais e municipais para anunciar a redução das passagens em R$ 0,05. "Assim que o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre as nossas propostas, prometo que repassarei os descontos para as tarifas."

Em São Paulo, Haddad se reuniu ontem pela primeira vez com representantes do Movimento Passe Livre, que organiza as passeatas nas ruas da capital paulista. O encontro ocorreu durante reunião extraordinária do Conselho da Cidade. Diante dos manifestantes, ele se comprometeu a examinar a planilha de custos de transporte do município para "refletir no que eu poderia cortar de serviços para viabilizar a redução da tarifa". Ele, no entanto, não revogou o aumento que elevou a tarifa para R$ 3,20.

Ante os protestos, no entanto, o prefeito petista está disposto a negociar. "Temos caminho (para a redução), mas isso passa pela desoneração dos tributos federais e estaduais que incidem sobre o transporte público, como por exemplo o ICMS sobre o diesel, que já seria responsável por R$ 0,07 dos R$ 0,20 do aumento", disse.

Confusão

Os valores, no entanto, são motivo de discórdia, e tanto o governo federal quanto os estaduais têm se desencontrado. Segundo a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, com as desonerações federais, São Paulo poderia reduzir a tarifa em R$ 0,23.

A informação, no entanto, foi contestada pelo prefeito. Haddad disse que o desconto já havia sido aplicado, caso contrário a tarifa seria de R$ 3,47. Logo depois, Gleisi retificou o dado e afirmou que "não é possível calcular em quanto as prefeituras podem reduzir o preço das passagens a partir das medidas federais".

"Temos caminho (para a redução), mas isso passa pela desoneração dos tributos federais e estaduais que incidem sobre o transporte público" Fernando Haddad (PT), prefeito de São Paulo
Recuo dos governantes

Ao menos seis cidades anunciaram a redução do valor das passagens cobradas no transporte público:

Município Redução tarifária

Recife R$ 0,10
João Pessoa R$ 0,10
Cuiabá R$ 0,10
Porto Alegre R$ 0,05*
Pelotas (RS) R$ 0,15
Blumenau (SC) R$ 0,12

*O valor oficial da tarifa é R$ 3,05, mas uma liminar judicial fixou a tarifa em R$ 2,85. A ideia inicial é reduzir para R$ 2,80

As redes nos protestos

O uso das redes sociais na orquestração de protestos, Brasil afora, não se explica apenas pela facilidade de comunicação e de compartilhamentos. Assim como a ausência de lideranças claramente instituídas, o recurso também tem raiz em uma crise de representatividade e na tentativa de se estabelecer canais de comunicação, divulgação e articulação menos hierarquizados e mais horizontais.

"Movimentos de 2011, 2012 e, agora, de 2013 tiveram como característica o protagonismo da internet. Assim, consegue-se abalar o papel dos meios de comunicação, que deixa de ser de um para milhões, para ser de milhões para milhões", disse o pesquisador do núcleo de estudos em políticas sociais, do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade de Brasília (UnB), Marcello Barra.

Pelas redes sociais, os ativistas coordenam ações, divulgam datas das manifestações, compartilham fotos e vídeos feitos por quem participou das reivindicações, e estimulam outras pessoas a saírem às ruas. A estratégia, usada nos últimos anos, ganhou, com os atuais protestos, proporção nunca antes vista no Brasil. Um modelo que vem conquistando força e projeção a partir, principalmente, de 2011, com o protesto dos indignados, na Espanha, e com o movimento Occupy Wall Street, nos Estados Unidos.

"É uma ferramenta de comunicação, principalmente, do público jovem. Em um primeiro momento, é usada para a exposição de ideias. Em um segundo momento, de mobilização do digital para o real", disse o especialista em direito digital, Leandro Bissoli.
"Esse é um movimento sem precedentes na história do Brasil. Algo, até agora, muito pouco institucionalizado, que recorre às redes sociais como nunca no país. Há aspectos muito originais nisso, que fazem dele uma novidade muito grande", disse o professor de ciência política da PUC de São Paulo, Lúcio Flávio de Almeida.

Preocupação eleitoral em meio à crise

O governo federal ainda tenta acordar para o tamanho da nova cara do Brasil, que se espalha pelas ruas do país desde a semana passada. Mas, por enquanto, a maior preocupação é meramente eleitoral. Tão logo fez o primeiro pronunciamento oficial sobre o assunto, em cerimônia no Palácio do Planalto ontem, para a apresentação do Código de Mineração, a presidente Dilma Rousseff voou para São Paulo para se encontrar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). Além deles, participaram do encontro o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, o presidente nacional do PT, Rui Falcão e o publicitário João Santana.

Esse grupo em nada se parece com uma força-tarefa formada para discutir crises. Em vez de encontros com os ministros de Estado de setores ligados à Justiça, à Segurança Pública e aos serviços de inteligência, a reunião contou apenas com caciques petistas e o principal marqueteiro do partido atualmente. Lula já tinha reclamado a interlocutores que Haddad estava titubeante diante dos recentes confrontos ocorridos nas ruas de São Paulo. Em seu blog, o ex-ministro José Dirceu afirmou que cabia ao prefeito petista chamar os estudantes para abrir uma mesa de debate sobre a qualidade no transporte público e a militarização das polícias.

A gestão de Haddad se transformou em uma vitrine para o PT e para a reeleição da presidente Dilma. A sensação de que o pupilo de Lula fraquejou na primeira crise passa uma imagem muito ruim para o eleitorado, que escolherá, no ano que vem, o governador do estado — outro objetivo do PT — e decidirá se a presidente terá ou não direito a mais quatro anos de mandato no Planalto.

A percepção de que a situação havia passado totalmente do controle ocorreu na noite de segunda-feira, quando uma perplexa presidente assistia às imagens dos protestos que levaram quase 250 mil pessoas às ruas de 12 capitais. Ela decidiu, então, ligar para os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB); do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB); e do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT). Os dois últimos, ao lado do governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB), enfrentaram os protestos mais violentos de segunda. Anastasia, inclusive, pediu ontem que o governo federal envie a Força Nacional de Segurança ao estado.

Discurso

As conversas telefônicas que Dilma teve serviram para nortear o discurso da manhã de ontem. Até então, mesmo com a presidente tendo sido alvo de vaias durante a abertura da Copa das Confederações, no sábado, em Brasília, governo e petistas tentavam minimizar as manifestações. Ainda na segunda-feira, Dilma se limitou a declarar, por meio da ministra da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas, que as "manifestações são próprias da democracia", e que "é próprio dos jovens se manifestarem". Ontem, Dilma foi mais contundente.

A presidente disse que "as vozes da rua precisam ser ouvidas", e evidenciou a nova natureza dos manifestos das últimas semanas. "Elas ultrapassam, e ficou visível isso, os mecanismos tradicionais das instituições, dos partidos políticos, das entidades de classe e da própria mídia", afirmou. "Os que foram ontem (segunda) às ruas deram uma mensagem direta ao conjunto da sociedade, sobretudo aos governantes de todas as instâncias. Essa mensagem direta das ruas é por mais cidadania, por melhores escolas, melhores hospitais, postos de saúde e direito à participação."

Dilma ainda elogiou os movimentos e afirmou que eles fortalecem o país. "O Brasil, hoje, acordou mais forte. A grandeza das manifestações comprovam a energia da nossa democracia, a força da voz da rua e o civismo da nossa população." Ela também condenou o uso da violência. "O caráter pacífico dos atos públicos evidenciou também o correto tratamento dado pela segurança pública à livre manifestação popular. Conviveram pacificamente", ponderou. Dilma ainda disse que atos isolados de violência não retiram a legitimidade dos movimentos. "Sabemos, governo e sociedade, que toda violência é destrutiva, lamentável e só gera mais violência."

Reforço para a Copa

Quatro estados que sediam os jogos da Copa das Confederações receberão o reforço da Força Nacional de Segurança (FNS) para evitar tumultos durante as partidas de futebol. Ceará, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro receberão o efetivo da corporação. O DF também terá o reforço de homens da FNS, embora a capital federal só tenha recebido a partida inaugural do torneio. Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que o envio das tropas está previsto dentro do plano de segurança para grandes eventos.

Fonte: Correio Braziliense

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