sexta-feira, 28 de junho de 2013

O dia depois da guerra

Destruição

Cenários desoladores nas lojas e revolta dos comerciantes. Era a situação da Avenida Antônio Carlos após as depredações e saques da véspera. As mais atingidas foram as concessionárias de veículos. Em apenas uma delas, o prejuízo é de R$4 milhões. "Já cheguei chorando e implorando para que não roubassem nem destruíssem nada", lembrou a empresária Ana Paula Freitas, que evitou a invasão de sua estamparia. Para piorar, os seguros raramente indenizam por esse tipo de incidente. Só quando há uma cobertura adicional, que encarece a apólice em até 50%.

Desespero

Buscar forças para superar a dor. Era o que restava à família de Douglas Henrique de Oliveira Souza, de 21 anos, que morreu depois de ter caído do Viaduto José Alencar, na Pampulha, durante a manifestação. Auxiliar de logística de uma empresa de Contagem, ele havia faltado ao serviço para ir ao protesto. O corpo será sepultado hoje, em Curvelo, onde o rapaz passou grande parte da vida. Das outras cinco pessoas que caíram do mesmo viaduto nas várias manifestações, quatro continuam internadas. Na quarta-feira, o total de feridos chegou a 16 e 15 já tiveram alta.

Prisões

Setenta e nove adultos e 30 adolescentes, num total de 109 detidos por depredações, roubos e outros oito crimes cometidos quarta-feira. Esse foi o balanço apresentado pela Polícia Civil. Permanecem presos 26 maiores e apreendidos 18 menores. A maioria tem antecedentes criminais. Uma força-tarefa trabalha para identificar e prender outros marginais. Segundo o delegado Anderson Alcântara, há dois grupos extremistas radicais adeptos do vandalismo, com ligações em outros estados e até países, envolvidos nas ações violentas em BH, que já estão sendo rastreados.

Depois do quebra-quebra, uma família em pedaços

Belo Horizonte ainda conta os prejuízos de uma das maiores ondas de vandalismo de sua história. As primeiras estimativas falam em milhões de reais. Mas uma família já sabe que jamais vai conseguir quantificar o que perdeu durante a manifestação de quarta-feira, que arrasou a Avenida Antônio Carlos. "A morte do meu filho não vai representar os cinco centavos de redução da passagem e os políticos vão continuar roubando. A única mudança que vai ter é na minha alma, que agora tem um vazio. Ele não mudou a história do país, mas a da nossa família." A fala carregada de dor e revolta é de Neide Caetano de Oliveira, de 43 anos, mãe de Douglas Henrique de Oliveira Souza, de 21, morto durante a manifestação na Pampulha. Douglas não pertencia a grupos políticos nem carregava bandeiras. Foi ao protesto contrariando a mãe, que havia lhe pedido para ficar em casa. "Ele queria lutar por um Brasil melhor, por saúde e educação, que é o que todos querem, mas mudou a nossa família", completa a irmã Letícia Aparecida, de 22.

Longe da baderna e das confusões, o grito de protesto de Douglas foi interrompido em um pulo dado em falso de cima do Viaduto José Alencar, que faz a ligação das avenidas Antônio Carlos e Abrahão Caram, no acesso ao Mineirão. Segundo um dos dois amigos que o acompanhavam na manifestação, Fernando Fernandes, Douglas tentou pular a mureta do viaduto para alcançar a outra pista, mas não viu o vão livre entre os dois lados. De acordo com a Polícia Civil, não haverá investigação sobre a morte, pois ainda não há indícios de crime. Outros cinco manifestantes foram pegos pela mesma armadilha nos protestos de sábado e quarta-feira. A proteção instalada pela Prefeitura de Belo Horizonte na terça-feira não evitou o risco, pois impedia o acesso apenas nas cabeceiras do elevado

A mãe assistiu a tudo pela televisão e, na hora do acidente, identificou o filho pela cor da camisa. "Vi o Douglas deitado no chão. Meu filho era muito especial na minha vida, falava que me amava todos os dias", diz Neide, em prantos. "Não sei se conseguirei superar esta dor", completa. Filho de pais separados, Douglas se mudou com a mãe, as duas irmãs e uma sobrinha, há cerca de dois anos, de Curvelo, na Região Central, para Contagem, na Região Metropolitana de BH. O pai mora em São Francisco de Paula, no Centro-Oeste do estado. Teve que ser internado com hipertensão ao saber da morte do filho.

O jovem nasceu em Oliveira, também no Centro-Oeste de Minas, mas passou grande parte da vida em Curvelo, onde será sepultado hoje, às 8h, no Cemitério Santa Rita. O velório começou ontem, às 18h. "Viemos do interior para estudar, pois lá não há muitas oportunidades. Queríamos uma vida melhor", diz a irmã. Segundo o primo Pedro Henrique Caetano, de 23, Douglas sonhava em cursar engenharia elétrica. De família simples, o jovem não voltou aos estudos e acabou se dedicando ao trabalho.

Havia seis meses que era funcionário da Usifast, empresa de logística em Contagem. Lá, trabalhava como auxiliar de logística e ajudava a colocar as mercadorias nos caminhões. Pegava serviço às 6h da manhã, mas, na quarta-feira, faltou ao expediente para ir à manifestação. Desde a semana passada estava entusiasmado com os movimentos de protesto e, no perfil do Facebook, chegou a convocar os amigos para irem para a rua. Compareceu à manifestação de sábado e chegou a postar fotos dos protestos de quarta, pouco antes do acidente. Ontem, a morte virou assunto nas redes sociais, onde muitos lamentaram a tragédia.

"Ele morreu lutando, mas não sei se valeu a pena. Fatalidade ou não, morreu por aquilo que acreditava. Era uma pessoa cheia de planos, aventureiro, bonito", lamenta a irmã Letícia. Para o primo, fica a imagem de um jovem que tentou fazer a diferença. "Ele tinha uma luz própria e não esperava ninguém fazer nada por ele. Ia sempre atrás. No sábado, chegou a me falar que a manifestação tinha a nossa cara e que ele iria participar, porque, desse jeito, faria a diferença", conta.

Confronto em dia de jogo

Pela segunda vez, desde o início da Copa das Confederações, o entorno da Arena Castelão, em Fortaleza, transformou-se em palco de confronto entre a polícia e manifestantes que protestavam contra os gastos elevados na construção dos estádios. Cinco policiais militares e pelo menos 20 pessoas que participavam do movimento ficaram feridas. PMs utilizaram spray de pimenta, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral. A Polícia Militar do Ceará informou ter feito 92 prisões. Cinco mil pessoas participaram da mobilização.

Integrantes do movimento disseram que, durante o protesto, guardas municipais, responsáveis pela proteção do patrimônio público, teriam usado, pela primeira vez, o chamado canhão sônico. A arma não letal provoca um ruído muito forte que causa náuseas, desorientação e dores pelo corpo. O equipamento foi bastante utilizado nos Estados Unidos em 2012, durante protestos contra encontro do G-20 (grupo dos 20 países mais ricos) que ocorria no país. No fim da tarde, a Guarda Municipal comunicou por meio de nota que a arma não foi acionada. "Oficialmente, a Guarda Municipal de Fortaleza não dispõe de canhão de som. Nunca compramos esse material", informou.

Os confrontos foram travados na Avenida Dedé Brasil, uma das principais vias de acesso à Arena Castelão, que ontem foi palco da eliminação da Itália, nos pênaltis, pela Espanha. O ato teve início às 11h. A PM montou três barreiras até o acesso principal do Castelão. Por volta das 12h30, os manifestante chegaram ao primeiro bloqueio. O clima ficou tenso às 14h. Manifestantes queimaram pneus num trecho da Avenida Dedé Brasil. A polícia utilizou balas de borracha e bombas de efeito moral para dispersar o grupo. Pelo menos cinco ônibus que levavam torcedores para a Arena Castelão foram interceptados. Um dos veículos acabou sendo destruído. Mais cedo, pessoas que protestavam incendiaram um carro de reportagem que fazia a cobertura do ato. Ao todo, três carros da imprensa foram destruídos. A situação foi controlada no fim da tarde.

Salvador Uma passeata com cerca de 2 mil pessoas, convocada pelo Movimento Passe Livre, cobrou a redução do preço das passagens no transporte público da capital baiana. Em coro, os manifestantes gritavam, em frente à Prefeitura de Salvador: "Só em Salvador a tarifa não caiu".

No Rio Grande do Sul, o governador Tarso Genro (PT) anunciou ontem que instituirá o passe livre estudantil no transporte intermunicipal em 1º de agosto. Os alunos atendidos pela medida serão os que residem em uma cidade e estudam em outra, no ensino médio ou na universidade. Estudos preliminares apontam que o impacto será de R$ 10 milhões por ano, e a estimativa é de que sejam concedidos 200 mil passes por mês.

No Rio de Janeiro, 5 mil pessoas foram às ruas, no fim da tarde de ontem, para pedir melhorias no serviço de transporte público e a libertação de manifestantes presos em protestos anteriores. Houve registro de pequenos tumultos entre os próprios manifestantes, mas o ato foi pacífico. Também foram registradas manifestações pacíficas ontem em Florianópolis, São Paulo, Maceió, Porto Alegre, Recife, Goiânia e Santa Maria (RS).

Enquanto isso...

...ministro não vê pobres nos protestos

O ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, Marcelo Neri, disse ontem que "não é a mulher negra de favelas da periferia" que está nas ruas protestando. Para ele, a forte queda da desigualdade na última década, que beneficiou os mais pobres do país, está provocando uma reação de parte da sociedade. "O pessoal do lado belga da Belíndia talvez tenha razões para não estar satisfeito", afirmou. Em palestra, o ministro apresentou dados sobre a queda da desigualdade no período que coincide com os governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. "A renda dos 10% mais pobres cresceu 550% mais rápido do que a dos 10% mais ricos. Não tenho o perfil dos manifestantes, mas talvez não sejam os mais pobres da sociedade, que foram os beneficiários da última década", disse ele, que acumula o cargo com a Presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Fonte: Estado de Minas

Nenhum comentário:

Postar um comentário