quarta-feira, 26 de junho de 2013

O efeito das ruas

PEC 37 cai na Câmara ao som do Hino Nacional

Estudantes cantam na derrubada da proposta de redução dos poderes do MP. O Senado pode até suspender recesso para votar outros projetos

Após críticas, Planalto desiste de Constituinte

Convocação de uma assembleia para a reforma política é descartada pelo governo.Presidente, agora, quer ouvir entidades e o Congresso
Manifestações devem parar o centro de Brasília

Ativistas esperam 55 mil em atos que começam pela manhã na Esplanada. Ameaça de greve de rodoviários faz muitas escolas suspenderem aulas

Câmara enterra a PEC 37

Protestos nas ruas fazem deputados rejeitarem a proposta que limitaria os poderes de investigação do Ministério Público

Leandro Kleber

Pressionados pelas manifestações que tem levado milhares de pessoas às ruas do país diariamente há mais de duas semanas, os deputados enterraram ontem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37/2011, que limitava os poderes de investigação do Ministério Público (MP). A matéria era alvo de críticas dos protestos contra a corrupção e a impunidade. O assunto vinha sendo tratado no Legislativo, nos últimos meses, em meio a uma batalha entre delegados, que queriam ampliar o poder de investigação das corporações policiais, e os promotores e procuradores, que batizaram a proposta de PEC da Impunidade.

Foram 430 votos contra, nove a favor — Abelardo Lupion (DEM-PR), Mendonça Prado (DEM-SE), Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG), Valdemar Costa Neto (PR-SP), Eliene Lima (PSD-MT), João Lyra (PSD-AL), João Campos (PSDB-GO), Sérgio Guerra (PSDB-PE) e Lourival Mendes (PTdoB-MA) — e duas abstenções, depois de quase duas horas de votação. Ao fim, os integrantes do MP que lotavam a galeria da Câmara ao lado de estudantes cantaram o Hino Nacional. Os parlamentares deverão apreciar, nos próximos meses, propostas que regulamentam a investigação criminal no país sem impedir que o MP promova apurações de forma independente.

Apresentada pelo delegado e deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA) em junho de 2011, a PEC 37 foi aprovada por um colegiado especial e pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ser rejeitada em plenário. Pelo texto, as investigações deveriam ser realizadas “privativamente” pelas polícias Federal e Civil. Coube a Mendes fazer uma defesa isolada da matéria, sob vaias dos integrantes do Ministério Público que lotavam a galeria do plenário.

“Queria esclarecer, de uma vez por todas, que não é a PEC da Impunidade, como foi rotulada. A proposta determina o direito do cidadão e garante o Estado democrático de direito”, afirmou, durante a votação, da tribuna. Segundo Mendes, o objetivo da matéria era não permitir que as investigações do MP, “que não têm ordenamento para tal”, sigam para a Justiça por contestações sob a alegação de inconstitucionalidade.

O líder do PSol, deputado Ivan Valente (SP), lembrou que muitos deputados mudaram de lado desde que a matéria foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e, especialmente, após a pressão popular. “Assisti à reunião na CCJ e a maioria dos colegas era a favor da PEC 37. A maioria desse plenário é a favor da PEC”, bradou da tribuna, antes de os presentes na galeria gritarem “rejeita”, para que os parlamentares enterrassem a proposta. “Foi o povo nas ruas que tirou a cera dos ouvidos e a cegueira dos políticos”, resumiu Domingos Dutra (PT-MA).

“Agenda positiva”

A medida está no pacote de votações apresentado ontem pelos líderes partidários na Câmara em resposta aos protestos que ocorrem por todo o país. A chamada “agenda positiva” incluiu, além da apreciação da PEC 37, a votação dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPE), crédito extraordinário para a destinação de recursos aos municípios atingidos pela seca e royalties do petróleo para a educação (leia ao lado).

Antes da apreciação da PEC 37, durante a votação da medida provisória que libera crédito extraordinário para pastas da Esplanada, os deputados rejeitaram a liberação de R$ 43 milhões para o Ministério das Comunicações por meio de um destaque apresentado pelo PPS. A verba seria destinada à contratação de serviços de tecnologia da informação e telecomunicações, como transmissão de vídeo e transporte de dados durante a Copa das Confederações e a Copa do Mundo 2014.

Os parlamentares da oposição argumentaram que as manifestações populares nas ruas cobram das autoridades explicações sobre os gastos de dinheiro público nas obras dos dois eventos. O Brasil se comprometeu com a Fifa a disponibilizar infraestrutura digital quando se candidatou a sediar os jogos.

Cunha e Valério condenados

O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o operador do esquema do mensalão, o empresário Marcos Valério, e outros seis envolvidos no escândalo foram condenados ontem na Justiça Federal no Distrito Federal por improbidade administrativa. Na decisão, a juíza Lana Lígia Galati, da 9ª Vara, determinou a suspensão dos direitos políticos de Cunha por 10 anos. Ele ainda terá de ressarcir o governo em R$ 50 mil. Valério terá de pagar R$ 150 mil à administração federal, com juros e correção monetária, e ficará impedido de receber incentivos e fazer contratos com o poder público por uma década.

Planalto está perdido, avaliam deputados

Parlamentares afirmam que o fato de o governo ter anunciado e desistido da ideia de convocar uma Constituinte exclusiva demonstra que o Executivo não sabe qual rumo tomar

O recuo do governo sobre a criação de uma Constituinte exclusiva com o objetivo de fazer a reforma política não colocou um ponto final nas críticas vindas do Congresso Nacional — muitas delas feitas pela própria base aliada. Os líderes da oposição também aproveitaram a desistência palaciana para atacar o Executivo, que, na avaliação de alguns parlamentares, está perdido. “De segunda-feira para hoje (ontem) , caiu a ficha da presidente. Ela viu que estava propondo uma inconstitucionalidade. Isso demonstra que houve má-fé ou desconhecimento sobre o assunto por parte do governo”, afirmou o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO).

Mesmo após o Planalto desistir da ideia, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), demonstrou desconforto com a possibilidade anunciada pela presidente Dilma Rousseff na segunda-feira. “Esta Casa não quer reforma política via Constituinte específica, até porque isso tardaria mais ainda (o processo)”, disse.

André Moura (PSC-SE), líder de outra sigla governista, acredita que, ao anunciar uma proposta e desistir em menos de 24 horas, o governo não sabe que rumo tomar. Ele ainda classificou de inconstitucional a proposta feita pela presidente de convocar plebiscito para formar uma Constituinte específica para tratar da reforma política. Na avaliação do parlamentar, “a presidente Dilma se precipitou quando anunciou o plebiscito”.

Sobre o pacto com cinco eixos anunciado pela presidente para melhorar as políticas públicas e atender, de certa forma, os anseios dos manifestantes nas ruas, Moura lembrou que há propostas no Legislativo que poderiam resolver os problemas apontados pela população. Ele citou como exemplo o projeto que determina a aplicação de 10% do PIB na educação, aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado em maio. “Além disso, na área de saúde, bastava tirar o veto da Emenda 29, que determina 10% da receita da União à saúde”, afirmou.

Conversas

A falta de diálogo entre o Executivo e o Legislativo também foi destacada como ponto negativo na relação entre a presidente e os parlamentares. O líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque (RS), ressaltou que o Planalto poderia ter conversado com os deputados e senadores e até com o Supremo Tribunal Federal (STF) antes de ter tomado a iniciativa de anunciar o plebiscito. “No Brasil, não existe convocar uma miniConstituinte. Apesar disso, a presidente agiu de boa-fé e provocou um debate importante (sobre a reforma política). Mas ela tinha que ter um pouquinho de paciência para receber a gente e discutir a questão”, afirmou. Albuquerque ainda tem esperanças em ser chamado para dialogar. “Está na hora de chamar os líderes do Congresso.”

Em meio às críticas, coube aos petistas defender a gestão Dilma Rousseff. O líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), por exemplo, afirmou que a ideia do plebiscito é “extraordinária”, mesmo com o recuo do Planalto. De acordo com o parlamentar, só o fato de a presidente ter proposto o debate à sociedade já é “ótimo”. “Foi de bom tom”, disse.

"Governo nas cordas"

A oposição no Senado também criticou ontem a desistência da presidente Dilma Rousseff em relação à formação de uma constituinte para tratar da reforma política. “O que mostra, na verdade, repito, é um governo nas cordas, que não sabe mais o que fazer”, disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG), pré-candidato à Presidência da República em 2014. Aécio disse ainda que a presidente deveria ter comunicado a proposta da constituinte específica aos presidentes do Senado e da Câmara antes de anunciá-la aos governadores e prefeitos na segunda-feira.

Aécio anunciou que os partidos da oposição também têm uma agenda de propostas. “Divido em três aspectos. O primeiro é o da transparência e do combate à corrupção, o segundo é o novo pacto federativo e, por fim, medidas efetivas no campo da ética e da democracia”, disse.

Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), falou sobre a proposta como se já tivesse sido completamente descartada, mas destacou que a iniciativa seria viável. “Havia, sim, a possibilidade de ser feita pela constituinte. Como todos sabem, é competência do Congresso, mas a iniciativa pode ser da presidente da República.”

O senador Cyro Miranda (PSDB-GO) disse que, com a constituinte, a presidente Dilma queria “atropelar” o Supremo e o Congresso. “Sob o pretexto de um plebiscito popular, quer virar uma heroína nacional e joga tudo em um momento em que perde substancial apoio popular.” Para o senador Agripino Maia (DEM-RN), a proposta de Dilma estava fadada ao fracasso, já que ministros do Supremo Tribunal Federal já manifestaram que a constituinte específica seria inconstitucional. (AA e LK)

Fonte: Correio Braziliense

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