terça-feira, 16 de julho de 2013

30 dias depois...

Tudo começou para valer com um protesto contra o aumento nas passagens de ônibus em São Paulo. Mas logo o Brasil inteiro veria que não era apenas pelos R$ 0,20. As manifestações se multiplicaram país afora. Mais de um milhão de brasileiros saíram às ruas para cobrar escolas, hospitais e transporte público padrão Fifa e exigir ética na política. Desnorteados, Executivo e Legislativo se apressaram em enterrar emenda que impedia o Ministério Público de investigá-los, votaram lei que transforma a corrupção em crime hediondo, prometeram até uma constituinte exclusiva para se repensar o sistema eleitoral... Passado um mês, e aparentemente esfriado o ânimo das ruas, pouco ou nada fizeram desde então

Um mês e a Esplanada adormecida

Um mês após os protestos terem se alastrado pelas ruas do país, com o ato durante a abertura da Copa das Confederações, em Brasília, em 15 de junho, quando os manifestantes criticaram os gastos excessivos com a construção de estádios, a administração pública pouco mudou desde então. Surpreendida pela mobilização popular e sem entender a motivação inicialmente, a presidente Dilma Rousseff apressou-se em lançar medidas formuladas de última hora. Por causa do improviso, o pacote para atender a demanda das ruas esbarrou em entraves, que vão desde o descompasso com o ritmo da máquina burocrática à falta de debate com as partes envolvidas, além do esvaziamento de algumas propostas legislativas. A própria cobrança em relação aos investimentos bilioná-rios para a realização de torneios esportivos ficou sem resposta.

O Programa Mais Médicos, para estender o atendimento às regiões mais carentes, lançado por meio de medida provisória na semana passada, já vinha sendo gestado pelo Executivo desde 2009, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentava cobranças de melhoria nos serviços públicos. No entanto, foi engavetado na época. Com os protestos, o governo sacou o projeto da manga, alinhavou algumas medidas e o colocou na praça, sem debatê-lo com representantes das partes envolvidas, incluindo as universidades. Por enquanto, está sob uma saraivada de críticas e, no Congresso, recebeu cerca de 200 emendas de parlamentares.

No Congresso, o ânimo para atender as massas já não é o mesmo. Após o temor gerado no auge dos protestos, que resultou na aprovação de alguns temas em comissões e na rejeição de outros projetos após pressão popular—como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que retirava poderes de investigação do Ministério Público, e o projeto da cura gay —, os parlamentares relaxaram. Salvo casos pontuais, o povo não vai mais às ruas com a frequência do mês passado. Com isso, algumas propostas estratégicas sofreram um refugo.

Uma delas é o fim do sigilo em todas as votações , no Congresso. Embora tenha passado pelas comissões do Senado, a PEC ainda não chegou ao plenário. Depois, ainda precisa tramitar na Câmara, onde há outra propostas em tramitação. O fim da aposentadoria compulsória de juizes e de magistrados como pena administrativa esbarrou no lobby da categoria e foi praticamente abandonado.

Para o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, o Legislativo consegue atender mais rapidamente o anseio das ruas ao aprovar ou rejeitar uma proposta que a população quer. Já o Executivo federal não tem a mesma facilidade. O governo Dilma, disse o especialista, enfrenta o dilema de dar respostas no curtíssimo prazo, temendo o impacto das manifestações nas eleições de 2014. Noronha destacou, porém, que parte das exigências da população requer medidas que demandam tempo. "A melhoria na qualidade do transporte público e da saúde não se fez da noite para o dia, além de depender também dos entes estaduais e municipais", pontuou. "O problema é que a solução para essas demandas já deveria estar na agenda do governo há mais tempo", acrescentou.,

"O Executivo vinha entregando aquilo que imaginava que a população queria. É mais fácil e conveniente dar o que consegue entregar", avalia o cientista político. Um exemplo é o crédito mais barato para o consumo, com a participação dos bancos públicos. O quadro muda quando a população cobra outros serviços. "De repente, o governo, que não estava preparado, coloca toda a estrutura para pensar em alternativas imediatas", afirmou Noronha. Com isso, medidas de improviso e sem maturação são lançadas.

Ele lembra ainda que, ao mesmo tempo que propõe mudanças envolvendo setores que não foram consultados, o Executivo não sinaliza o corte de gastos na própria carne, como a redução do número de ministérios e de cargos comissionados. Daí, a percepção de que quase nada está sendo feito de forma efetiva.

Um conjunto de medidas para profissionalizar a administração pública, simplificando procedimentos burocráticos e melhorando a qualidade dos serviços que o governo presta à população, foi proposto pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento em 2009, na era Lula. Uma delas previa a substituição de cargos comissionados de livre provimento, como os de Direção e Assessoramento Superior (DAS), por servidores efetivos, escolhidos mediante processo interno de seleção. Entretanto, a maioria das medidas não andou desde então. "As demandas de agora foram diagnosticadas lá atrás, mas pouco se fez nessa área", disse um técnico do governo que pediu anonimato

Na contramão da transparência eleitoral

Projeto que será votado nos próximos dias acaba com a necessidade de candidatos apresentarem plano de governo e afrouxa até mesmo os critérios da Lei da Ficha Limpa

Prevista para ser votada ainda esta semana, a chamada minirreforma eleitoral que está na pauta da Câmara, se aprovada, afetará diretamente as escolhas dos eleitores a partir de 2014. Mas não da maneira que a população tem reivindicado nas ruas. Em vez de aumentar o rigor para coibir a candidatura de políticos com o currículo questionável, as mudanças afrouxam ainda mais as regras para aqueles que almejam um cargo eletivo. Entre os cerca de 20 pontos incluídos no texto, está, por exemplo, um item que acaba com a exigência de os candidatos a prefeito, a governador e a presidente da República apresentárein propostas para um possível mandato.

Mesmo obrigatórios atualmente, os planos de governo já não eram levados a sério por quem pleiteava um cargo majoritário, como revelou o Correio em setembro do ano passado. No lugar de disciplinar a apresentação do documento, os parlamentares estão prestes a acabar com o único comprovante eleitoral que serve para indicará população o que o candidato poderá fazer pela cidade, pelo estado ou pelo país.

Em setembro de 2010, às vésperas das eleições municipais, o Correio revelou planos de governo de candidatos a prefeito com textos mal escritos ou com conteúdo genérico. Havia casos de políticos de cidades e partidos diferentes com programas idênticos, e planos eram vendidos pela internet por até R$ 5 mil. Como a Justiça Eleitoral exige o documento, mas não estabelece um padrão, os programas são desprezados nas campanhas e surgem em formatos que beiram o absurdo. No projeto de lei apelidado de minirreforma elêjfcoral, que pode ser votado hoje ou amanhã na Câmara, o plano será oficialmente descartado das obrigações dos candidatos.

Todas as propostas foram apreciadas por um grupo de trabalho destinado a analisar especificamente o tema na Câmara. O texto permite que os candidatos deixem de prestar contas de despesas consideradas pessoais nas campanhas, como alimentação, hospedagem e transporte, além de doações em dinheiro entre os candidatos, partidos ou comitês financeiros que vierem do uso comum de sedes e de materiais de propaganda eleitoral. Os concorrentes a cargos eletivos aindterão uma brecha na Lei da Ficha Limpa — se forem impugnados pela primeira instância da Justiça Eleitoral, mas recorrerem, conseguirão levar a candidatura adiante até que a decisão transite em julgado. Hoje, a primeira decisão já tem efeito suspensivo.

"Aperfeiçoamento"

Maiores beneficiados pelas mudanças, os políticos tentam votar o texto sem alarde, abafando seus verdadeiros efeitos. “Não afrouxamos, a ideia é aperfeiçoamento. São coisas simples, que vão facilitar o processo eleitoral, ajudar a fiscalização e tornar mais transparente o procedimento eleitoral”, minimizou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). “São apenas coisas neutras, que não prejudicam ninguém nem dão vantagem para A ou B. É apenas uma tentativa de clarificar a legislação existente para não dar margem a dúvida nenhuma”, argumentou o vice-líder do PMDB, Marcelo Castro (PI).

O coordenador do grupo que elaborou o projeto de minirrefor-mal eleitoral, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), foi o escolhido por Henrique Alves para comandar também o colegiado que vai elaborar uma proposta mais ampla de mudança. O colegiado terá 90 dias para finalizar um texto a ser votado no Congresso e, depois, submetido a referendo

Fonte: Correio Braziliense

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