domingo, 28 de julho de 2013

Mau humor e divisão - Tereza Cruvinel

Soubemos pelas pesquisas que o mau humor dos brasileiros continua alto. E que é ainda temerário especular sobre os efeitos eleitorais que os protestos produzirão em 2014

Pesquisas não reproduzem a realidade social, mas ainda são o melhor instrumento para conhecê-la. A edição da CNI-Ibope divulgada na semana passada revelou, afora a reprovação de todos os governantes e das respostas que deram às manifestações, que o mau humor da população continua elevadíssimo, e com isso os protestos devem continuar. Na sexta-feira, o vandalismo voltou a São Paulo e houve protestos no Rio, a poucos metros do papa. Aspecto pouco notado da pesquisa, a divisão de opiniões entre os habitantes do Sul/Sudeste e os do Nordeste e Norte/Centro-Oeste. Outro sinal preocupante vem da opinião majoritária de que há recursos para melhorar os serviços públicos, que estariam sendo mal aplicados por todos. Qualquer reforma tributária ou taxação com esse objetivo seria sumariamente rejeitada.

O mau humor começa pelo fato de que, embora apenas 9% dos entrevistados tenham participado de protestos, eles são aprovados por 89%. Isso liquida com qualquer hipótese de que tivessem lastro apenas em segmentos, como a classe média ou os jovens. Mas, apesar da indisposição geral, a clivagem regional aponta diferenças importantes, especialmente em relação à presidente. A aprovação ao modo Dilma de governar caiu de 70% para 45%, mas ela ainda alcança 58% no Nordeste (chegando a 70% no Ceará, por exemplo) e 48% no Norte/Centro-Oeste. Já no Sudeste, tem apenas 24%, bem menos que a média nacional. O mesmo racha se observa no índice dos que confiam nela, que caiu de 67% para 45%, ao passo que subiu para 50% o índice dos que não confiam. Mas enquanto no Sul (41%) e no Sudeste (37%) o índice fica abaixo da média, no Nordeste chega a 56%, e no Norte/Centro Oeste, a 51%.

Essas variações podem ter significados eleitorais importantes. Ocorreram de modo muito semelhante com o ex-presidente Lula em 2005, na crise do mensalão. Elas sugerem que Dilma pode vir a compensar a derrocada no Sul/Sudeste com votos das regiões mais contentes com as políticas governamentais. Mas continua ainda temerário examinar o quadro eleitoral que as manifestações subverteram completamente. E que a pesquisa temporã, fora da trimestralidade padrão, não abordou. Ou não divulgou.

Abraço de afogados
A aprovação da presidente (média de 31%) é ligeiramente superior à dos governadores (28%) e prefeitos (28%), à exceção de Pernambuco, como já divulgado, onde Eduardo Campos obteve 58%. Há também um padrão, sugerindo que, em cada estado, o mau humor castigou igualmente o governo federal e o estadual. Foi no Rio, por exemplo, onde o governador sofreu o maior baque na aprovação, que Dilma também caiu mais. Isso deve alterar sensivelmente, do ponto de vista eleitoral, a política de alianças entre os partidos. Dilma, sem a força de antes, não terá apoios automáticos como se desenhava antes de junho. Os governadores aliados e seus partidos, por sua vez, devem se sentir mais livres para buscar outros caminhos. No frigir dos ovos, o que cresce é a incerteza política.

Dinheiro haveria
Quando a questão é a qualidade dos serviços públicos e o financiamento deles, tudo se complica ainda mais para os que hoje governam. A paciência acabou e o povo quer melhorias urgentes em saúde, segurança e educação (nessa ordem, segundo a pesquisa); 87% acham que há dinheiro suficiente, os governantes é que o aplicariam mal; 74% acham isso do governo federal; 81% acham o mesmo do governo paulista e 87% do governo do Rio. E por isso desaprovam qualquer reforma tributária ou taxação destinada a buscar mais recursos. Ora, qualquer pessoa com um mínimo de informação sobre as contas públicas, nos diferentes níveis federativos, sabe que existem desperdícios, mas que os recursos são escassos. Principalmente na saúde, depois do fim da CPMF.

Isso posto, restará aos governantes, especialmente ao governo federal, fazer um brutal esforço fiscal, cortando gastos, para realizar investimentos, o que não ajuda a uma economia resfriada. E ações de transparência e educação para que o povo saiba mais sobre a origem, o volume e o destino do dinheiro, como ocorre em democracias vibrantes, em que o povo reivindica com melhor base informativa. Mas nada disso suprime a grande interrogação sobre os efeitos eleitorais que terá esta enchente de irritação.

Vai-se o papa
Mesmo para os não católicos, a semana de Francisco no Brasil será inesquecível. Aqui, pela primeira vez depois de tornado papa, ele falou a grandes massas, sentiu a força da Igreja e transmitiu mensagens importantes sobre o pontificado. Não tão políticas quando alguns queriam ou esperavam, mas foram suficientes para esclarecer algumas questões: ele não se alinhará à Teologia da Libertação, por meio de uma forte ação política, mas dialogará com ela na ação pastoral, aproximando a Igreja dos pobres e do espírito original do cristianismo. Uma grande mudança, que encerra também a era de punições aos que não se alinhavam automaticamente com o pensamento da cúria romana.

Fonte: Correio Braziliense

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