sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A mobilidade urbana não pode esperar mais - Washigton Novaes

Serão extremamente úteis para o País, qualquer que seja o desfecho, as conclusões do atual debate que se trava em toda parte sobre mobilidade urbana, a partir das recentes manifestações de rua, assim como da criação de faixas exclusivas para ônibus na cidade de São Paulo. A discussão adequada do problema, a adoção de políticas principalmente nas regiões metropolitanas, poderá talvez evitar ou reduzir custos imensos e hoje progressivos.

Um dos estudos recentes, do professor André Franco Montoro Filho, da USP, ex-secretário de Planejamento de São Paulo e ex-presidente do BNDES, afirma que o valor monetário de 12,5% da jornada de trabalho perdidos com uma hora nos congestionamentos de trânsito (além de uma hora, que seria "normal") chega a R$ 62,5 bilhões anuais. E cada trabalhador, assim como cada condutor de veículos particulares, pagaria por esse "pedágio invisível" R$ 20 por dia (Folha de S.Paulo, 4/8). Não surpreende, assim, que a questão da mobilidade tenha ocupado a segunda posição no total de reivindicações nas 3g audiências públicas para discussão do plano de metas da atual administração da cidade de São Paulo (Estado, 27/6) -uma exigência da Lei Orgânica do Município.

Em editorial (Unia aposta duvidosa, 9/8, A3), este jornal já apontou a insuficiência das novas estratégias se limitadas à criação de faixas exclusivas para ônibus - embora aumentem a velocidade destes. Principalmente porque não há reordenação de linhas, faltam coletivos em muitos lugares, sobram em outros. E a reordenação enfrenta a oposição das empresas concessionárias de ônibus, que têm alta rentabilidade nos formatos atuais. Pode-se acrescentar ainda que não há uma política nesse setor que englobe toda a área metropolitana. Tudo pode ter efeito apenas momentâneo -basta ver que as restrições que tiraram das ruas milhares de ônibus fretados e caminhões, assim como a implantação de novas pistas na Marginal do Tietê, "já perderam o efeito".

A necessidade de políticas mais abrangentes fica à mostra quando se veem números sobre grandes cidades brasileiras e sua influência no planejamento urbano - em geral, problemática. No Rio de Janeiro, o recente mapeamento das redes subterrâneas feito pela prefeitura carioca estimou haver 10.200 quilômetros de redes de esgotos no subsolo - "equivalentes à distância entre Brasil e Alemanha" - e 19 mil quilômetros de rede de cabos elétricos. Em São Paulo, a fiação elétrica chega perto de 40 mil quilômetros e só 3 mil são enterrados nos 17 mil quilômetros de ruas. Há mais de 30 afluentes sepultados sob o asfalto só nas imediações do Rio Tietê. As redes de drenagem também se estendem por milhares de quilômetros, embora ainda insuficientes, dadas as suas estreitas dimensões — e, entupidas, contribuem decisivamente para inundações.

Que planejamento se fará para a mobilidade, em que tudo isso interfere - e sabendo ainda que mais de 1 milhão de pessoas "entram e saem da capital diariamente"? E de onde virão os recursos? Estudo da ONU calcula que a "transição para cidades sustentáveis" no mundo não ficará abaixo de US$ 40 trilhões até 2030 (Rádio ONU, 7/5). Quanto será em São Paulo?

Seria, entretanto, muito proveitoso reconfigurar essas infraestruturas urbanas numa cidade como São Paulo, onde só a perda de água nas redes subterrâneas de distribuição, por furos e vazamentos, não está muito abaixo de 40% do total, que é a média brasileira - calcule-se o prejuízo financeiro e o custo para os cidadãos. E pouco se avança em obras abaixo do solo no País (São Paulo ainda vai à frente).

Os recursos para investimentos em mobilidade urbana mínguam, em lugar de crescerem. Obras que estavam previstas para até 2014, na Copado Mundo, foram retiradas da lista das prioritárias (O Globo, 25/6). Em um ano reduziram-se em R$ 2,5 bilhões. E não se consegue "abrir a caixa-preta dos custos do transporte público, revisar contratos, promover de forma transparente o debate público sobre regras dos contratos de concessão" (blog da professora e urbanista Raquel Rolnik, relatora da ONU para o "direito à moradia adequada", 24/6).

E a questão não é só de mobilidade ou econômica, pode ser de saúde também. Estudo de cardiologistas do Hospital do Coração de São Paulo alerta (9/8) que "a tensão gerada por fatores do cotidiano como trânsito, violência e excesso de trabalho" - todos relacionados com a mobilidade - "causa aumento da pressão arterial e a liberação de hormônios que podem comprometer seriamente a saúde cardíaca (...), o estado de tensão e alerta contínuo pode levar à liberação de altos níveis de hormônios, que geram instabilidade no organismo e podem provocar espasmos na artéria coronária que irriga o coração, além de lesionar células cardíacas, conhecidas como miócitos, por causa do aumento dos radicais livres". O cortisol e a adrenalina podem aumentar os batimentos cardíacos e elevar a pressão arterial. Pessoas já predispostas "podem sofrer infartos e até vir a óbito".

A questão vai chegando a níveis tais que o prefeito de São Paulo já diz que "o usuário terá que repensar o uso do carro" (Folha de S.Paulo, 8/8). Para ele, "não é simples mudar uma cultura - se fosse, alguém já teria feito". Mas terá de fazer. E aceitar - como já foi discutido tantas vezes neste espaço - prioridades para o transporte público, sobre o transporte individual. E isso pode traduzir-se também em zonas de pedágio urbano, investimentos maciços e prioritários em metrô e trens urbanos, etc.

Teremos, todos, de mudar nossos hábitos e visões. E trabalhar com otimismo em novas direções urbanas, principalmente os administradores públicos. Como disse o filósofo G. K. Chesterton (Doze tiposy Editora Topbooks, 1993, coordenação de Ivan Junqueira), "o homem que goza de popularidade deve ser otimista a respeito de tudo, ainda que seja apenas otimista em relação ao pessimismo".

Todos temos de mudar nossos hábitos e, com otimismo, trabalhar em novas direções urbanas.

Jornalista

Fonte: O Estado de S. Paulo

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