domingo, 4 de agosto de 2013

Brasil perdoa dívida bilionária e beneficia ditadores corruptos

Presidentes de países africanos que tiveram débitos anistiados por Dilma são investigados por desvio de dinheiro público.

Responsáveis por mais da metade da dívida de R$ 1,9 bilhão de países africanos com o Brasil — 80% da qual o governo Dilma decidiu perdoar —, os ditadores de Congo-Brazzaville, Gabão, Guiné Equatorial e Sudão são investigados na Europa e nos Estados Unidos por desviarem milhões de dólares de dinheiro público para enriquecimento pessoal, revela José Casado. O perdão, que precisa de aprovação do Senado — já concedida no caso do Congo—, custará R$ 8 a cada brasileiro.

Ditadores perdoados

Brasil beneficia governantes africanos investigados por corrupção ao anistiar 80% de dívida bilionária

Cada brasileiro será obrigado a doar R$ 8 para a África. É quanto vai custar a decisão da presidente Dilma Rousseff de perdoar 80% da dívida acumulada por uma dúzia de países africanos com o Brasil.

Eles compraram R$ 1,9 bilhão em produtos e serviços no mercado nacional nas últimas três décadas. Não pagaram. Agora, os prejuízos serão socializados entre 190 milhões de brasileiros.

Juntos, têm uma população equivalente à do Brasil. A maioria sobrevive com menos de R$ 3 por dia, em regiões onde a expectativa de vida não chega a 65 anos e a mortalidade infantil é três vezes maior que nas áreas mais pobres do Nordeste brasileiro.

Quatro países concentram mais da metade dessa dívida africana com o Brasil: Congo-Brazzaville, Sudão, Gabão e Guiné Equatorial. São nações cuja riqueza em petróleo e gás contrasta com a pobreza extrema em que vive a maior parte dos seus 41 milhões de habitantes, governados por ditadores cleptocratas.

Os presidentes do Congo-Brazzaville, Sudão, Gabão e Guiné Equatorial, alguns de seus familiares e principais assessores enfrentam processos em diferentes tribunais da Europa e dos Estados Unidos. Entre as múltiplas acusações, destacam-se roubo e desvio de dinheiro público, enriquecimento ilícito, corrupção, lavagem de dinheiro e até genocídio.

Essa é a história de como eles conseguiram entrar no clube dos mais ricos do planeta.

Na tarde de quarta-feira 22 de maio, a presidente Dilma Rousseff pediu ao Senado autorização para renegociar a dívida de R$ 793,3 milhões (US$ 352,6 milhões) que o Congo-Brazzaville mantém com o Brasil desde os anos 1970. Na mensagem aos senadores, ela informou o perdão de 79% da dívida, o equivalente a R$ 630 milhões (US$ 280 milhões).

Na mesma semana, em Paris, peritos analisavam documentos apreendidos num armazém instalado na vizinhança do aeroporto de Orly, a 40 minutos da Torre Eiffel, em Paris.

O galpão pertencia à Franck Export, transportadora de mercadorias na rota França-África. Quando chegaram, os investigadores franceses exibiram um mandado expedido pelos juízes parisienses Roger Le Loire e René Grouman. Ao sair, levaram os registros contábeis da empresa.

Há quinze dias, enquanto o Senado brasileiro aprovava sem debater o milionário perdão da dívida do Congo, a polícia francesa confirmou as suspeitas: a coleção de documentos apreendidos comprova transferências de recursos do Departamento do Tesouro do Congo diretamente para o caixa da Franck Export.

Os registros contábeis contavam uma história na qual o dinheiro saía de Brazzaville por canais oficiais, fazia uma escala nas contas da transportadora privada e em seguida desaparecia, pulverizado entre dezenas de contas bancárias na França mantidas pela família do presidente congolês Denis Sassou Nguesso.

Rotina de exorbitâncias

Aos 70 anos, Nguesso é um dos mais longevos líderes africanos no poder. Nasceu pobre na tribo Mbochi, no norte do país, e inaugurou a década de 60 ganhando a vida como soldado. Graduou-se como paraquedista a serviço da França durante a sangrenta repressão à guerrilha pela independência da Argélia. Em 1968, liderou os quartéis de Brazzaville no levante que levou o Partido dos Trabalhadores ao governo do Congo. No golpe seguinte, em 1979, assumiu o comando do país. Desde então, enriqueceu.

Cravado no coração da África Central, o Congo tem o tamanho de Goiás, renda per capita (US$ 2,7 mil) semelhante à do Paraguai e uma população de quatro milhões de pessoas, com expectativa de vida de 57 anos. É referência no mapa africano de produção de petróleo, porque detém a quarta maior produção do continente (300 mil barris/dia). Tem relevo, também, na rota dos diamantes sem certificação de origem, conhecidos como diamantes de sangue - moeda corrente no sistema de lavagem de lucros do submundo de armas e drogas.

Nguesso está no centro da política no Congo-Brazzaville há 45 anos. Deixou o governo em 1992, mas retornou meia década depois, escoltado por tanques do Exército de Angola.

Fez fortuna no poder. Os Nguesso são proprietários de 66 imóveis de luxo na França, em áreas nobres do eixo Paris-Provence-Riviera - segundo levantamentos apresentados ao Tribunal de Paris pela Sherpa, líder das organizações não governamentais francesas na denúncia judicial. Entre os destaques está uma villa de 500 metros quadrados em Vésinet, a 16 quilômetros da Torre Eiffel; um apartamento de dez ambientes na rua de La Tour e outro de 328 metros quadrados na avenida Niel.

A família presidencial não esconde o apreço pela ostentação, como demonstra Denis Christel Nguesso, herdeiro político, ministro da Defesa e diretor da estatal que comercializa o petróleo do Congo.

Os extratos de seus cartões de créditos desde 2005, anexados a processos na França e no Reino Unido, sugerem uma rotina de exorbitâncias em compras de vestuário no circuito Paris-Mônaco-Marbella-Dubai. Pelas faturas, sabe-se que o herdeiro político do Congo tem predileção por cuecas Torregiani - já gastou R$ 9,3 mil (¬ 3,1 mil) numa só visita à loja parisiense. Costuma fazer a alegria dos vendedores da rede Louis Vuitton: raramente gasta menos de R$ 60,3 mil (20,2 mil euros) em acessórios.

No país dos Nguesso, essa quantia seria suficiente, por exemplo, para adquirir 40 mil doses de vacina contra sarampo, causa de mortalidade de um terço dos congoleses recém-nascidos.

Até 15 dias atrás, persistia o mistério sobre a fonte de financiamento e a forma como o dinheiro chegava às contas dos Nguesso. Os registros de transferências diretas do Tesouro, apreendidos na Franck Export, acenderam luzes sobre a trilha de lavagem.

Mais do que fenômeno político, as repúblicas hereditárias ou dinastias republicanas da África se caracterizam como um caso de estudo judicial. A história do Gabão nos últimos 46 anos é exemplar.

Na sexta-feira 25 de maio, a presidente Dilma Rousseff estava em Adis Abeba, capital da Etiópia, quando recebeu em audiência privada Ali Bongo Odimba, presidente do Gabão. Combinaram a liquidação de uma dívida de R$ 54,1 milhões (US$ 24 milhões) com o Brasil, a partir do perdão de 15% do valor.

Quando essa dívida foi assumida, sob a forma de importações de carne enlatada, o presidente gabonês já estava designado como herdeiro político de Omar Bongo. Era porta-voz no partido único e, desde a conversão ao islamismo em 2004, refreou sua paixão pelo soul, gênero musical típico dos EUA (chegara a gravar um disco, "A Brand New Man", produzido pela equipe da estrela do gênero, o cantor James Brown).

O clã Bongo é uma das mais antigas dinastias republicanas da África: comanda o Gabão há 46 anos. Ali, 54 anos, herdou uma ditadura rica em petróleo e manganês, com população reduzida (1,5 milhão) e alguns dos melhores indicadores sociais africanos - a taxa de mortalidade infantil (49 mortes por grupo de 1.000 nascimentos) é mais que o dobro da brasileira. Herdou, também, uma das maiores fortunas do planeta, que ajudou o pai a construir impondo aos negócios do Estado os interesses da família.

Um exemplo: na investigação sobre a origem da fortuna da família Bongo, o Senado dos EUA encontrou transferências de até R$ 292,5 milhões (US$ 130 milhões) do Tesouro do Gabão para contas privadas no Citibank em Nova York.

Intimado, o banco argumentou ser rotineira a reserva de 8,5% do orçamento gabonês para gastos da família presidencial. Incrédulos, senadores americanos convocaram especialistas do FMI e do Banco Mundial para explicar como isso poderia ser feito dentro dos padrões orçamentários internacionais. A resposta foi: impossível.

Fonte: O Globo

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