domingo, 4 de agosto de 2013

Em defesa do legado chavista, Lula defende que América Latina seja o ‘farol de uma nova esquerda’

Ele também disse que as manifestações são algo ‘extraordinário’, mas pegaram tanto a esquerda quanto a direita de surpresa

Tatiana Farah

SÃO PAULO — O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta sexta-feira que as manifestações de rua no país são algo “extraordinário”, mas pegaram tanto a esquerda quanto a direita de surpresa. Na abertura do 19º encontro do Foro de São Paulo, que congrega entidades e partidos de esquerda da América Latina, Lula defendeu que o continente seja o “farol de uma nova esquerda”, com maior entendimento dos novos movimentos sociais e domínio de instrumentos de comunicação como a internet. Antes, a presidente Dilma Rousseff mandou mensagem por vídeo. Ela ressaltou a importância da integração de governos esquerdistas.

— Pelo fato de a esquerda estar enfraquecida na maioria dos países do mundo, a América Latina pode, neste momento, ser o grande farol para a nova esquerda que queremos criar para o mundo. A esquerda europeia perdeu o discurso porque ficou muito semelhante ao discurso da direita — disse o ex-presidente Lula.

Para Lula, sem oxigenação, a esquerda “vai definhando” e tem como desafio conquistar a juventude:

— Nós não podemos mais continuar funcionando na forma de organização tradicional que nós tínhamos. Esses movimentos que aconteceram aqui no Brasil pegaram de surpresa todos os partidos de esquerda, todos os partidos de direita, pegaram de surpresa todo o movimento sindical e todo o movimento social — disse ele, que completou: — Nós, na verdade, estamos ficando velhos.

Lula defendeu que os movimentos e partidos de esquerda tenham maior domínio das ferramentas de comunicação como forma de se contrapor à mídia convencional:

— Nós não podemos apenas ficar chorando o problema da mídia conservadora em cada país. Ela é conservadora no Brasil, na Venezuela, na Colômbia, na Argentina, no Uruguai, em El Salvador. E nós não podemos ficar apenas reclamando que os nossos adversários utilizam a mídia conservadora. Agora com a internet, do jeito que funciona, temos a chance pela primeira vez de criar um instrumento de comunicação entre nós e não ficar devendo favor a ninguém em lugar nenhum do mundo.

Legado do chavismo é defendido

Cinco meses depois da morte do presidente da Venezuela Hugo Chávez, o Foro de São Paulo foi marcado pela defesa do legado do venezuelano. Os presidentes do PT e PCdoB, Rui Falcão e Renato Rabelo, elogiaram Chávez; e Lula afirmou que o ex-presidente “vai fazer muita falta”. Ele se disse preocupado com o processo de integração da América Latina depois da morte de Chávez:

— Eu espero que o (Nicolás) Maduro cumpra exatamente o papel que Chávez iria fazer para a integração.

Para Lula, tanto na Venezuela quanto no Paraguai, Argentina, El Salvador, Uruguai, Guatemala e Honduras, “uma grande parte da elite” não aceitou os governos de esquerda.

— Como não aceitam o Lula no Brasil, ou a Dilma no Brasil — disse Lula, creditando ao Foro de São Paulo a vitórias dos partidos de esquerda na América Latina: — Os companheiros cubanos nos ensinaram que o exercício da tolerância entre nós, a convivência pacífica da diversidade, de vários setores de esquerda, era a única possibilidade que permitia que tivéssemos avanço aqui neste continente.

Lula afirmou que os partidos devem tomar cuidado ao chegar ao poder:

— Aqui no Brasil, nós sabemos também que um partido de esquerda que chega ao poder precisa tomar cuidado para não cometer os erros que já foram cometidos. Só tem uma coisa que garante a um partido como o meu: não perder a sua relação com o povo.

O ex-presidente disse que o governo e os partidos de esquerda não devem encarar os críticos como inimigos.

— Às vezes a gente encontra um companheiro xingando a gente na rua e a gente acha que é inimigo. A gente se esquece de que nas últimas eleições ele votou na gente. Seria melhor perguntar para ele: por que agora você está bravo comigo? Por que você está protestando? Se a gente não fizer assim, não interessa chegar ao governo. Estou convencido de que nós poderemos ter um novo governo de esquerda. Respeitando cada país. Mas, sinceramente, nós temos condições de apresentar as coisas novas.

Para o ex-presidente, a maioria das reivindicações das manifestações das ruas já foi feita pelos próprios petistas, pelo PCdoB, pela UJS e pelos sindicatos.

No começo do discurso, usando palavras em espanhol e português, Lula ironizou o governo americano, alvo das denúncias sobre espionagem internacional feitas pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden.

— Estou preocupado. Tenho que hablar poquito e de espacio porque si no o Departamento de Estado americano está gravando ou está filmando. E isso não é uma coisa boa porque tenho que tomar cuidado — disse Lula, arrancando risadas da plateia.

Dilma manda mensagem

Em mensagem por vídeo aos participantes no evento, a presidente Dilma Rousseff (PT) afirmou que os governos de esquerda do continente "não se refugiam em um nacionalismo estreito" e buscam a integração regional. A presidente falou ainda dos protestos que desde junho têm tomado as ruas do país.

— Meu governo e meu partido entenderam rapidamente o recado das ruas — disse Dilma, que completou: — Não pediram a volta ao passado, pediram sim o avanço para um futuro de mais direitos, mais conquistas sociais.

Dilma afirmou que os partidos e dirigentes de entidades e governos de esquerda da América Latina chegaram ao Brasil para o Foro "em um momento em que o país viveu e ainda vive mobilizações sociais de importância".

— (O atual contexto) demanda mudanças que contribuam para dar maior representatividade e credibilidade a governos e partidos — disse a presidente.

O encontro reúne dirigentes dos governos da Venezuela, Bolívia, Equador, El Salvador, entre outros. Na cerimônia oficial de abertura na noite desta sexta-feira, a figura de destaque é o ex-presidente Lula, que foi saudado aos brados de "Lula, guerreiro do povo brasileiro".

Dilma citou o ex-presidente dizendo que os governos petistas se comprometem com o desenvolvimento do continente e que o mesmo compromisso seria visto nos governos de esquerda.

— Todos os condutores das grandes transformações em nossa região chegaram aos nossos países por meios absolutamente livres, democráticos e com ampla participação popular. Nossos governos democráticos e populares têm sido firmes igualmente na defesa da soberania nacional. Mas não se refugiaram em um nacionalismo estreito. Ao contrário, impulsionaram como nunca a integração continental — disse Dilma.

Para domingo, no encerramento do Foro de São Paulo, o principal convidado é o presidente boliviano Evo Morales. O encontro conta ainda com a presença do irmão do ex-presidente venezuelano Hugo Chaves, Adam Chaves, e do vice-presidente salvadorenho, Salvador Sánchez Cerén que concorrerá à sucessão do presidente Maurício Funes.

Fonte O Globo

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