domingo, 18 de agosto de 2013

Justiça e cidadania - Merval Pereira

Quando o calendário físico se choca com o calendário político, o perigo de haver um curto-circuito institucional é muito grande. Mas se, ao contrário , os dois se encontram em harmonia, aumenta a chance de avanços democráticos

É o que está para acontecer nos primeiros dias de setembro, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) pode estar decidindo sobre a aceitação dos embargos infringentes no processo do mensalão, recursos que, embora não previstos na legislação desde a Constituição de 1988, continuam registrados no regimento interno do Supremo. São esses embargos, e não os de declaração que estão no momento em julgamento , que podem reabrir o processo nos casos em que os condenados receberam quatro votos a favor .

Pelo andar da carruagem, se não houver nenhum outro desentendimento que adie os trabalhos, a análise dos embargos de declaração deve terminar na última semana deste mês. As duas primeiras sessões de setembro serão realizadas nos dias 4 e 5, justamente quando o Tribunal pode estar decidindo sobre os embargos infringentes . Às vésperas, portanto , das grandes manifestações que estão sendo convocadas em todo o país para come-morar o Dia da Independência na visão da cidadania.

A percepção da opinião pública de que há juízes no plenário do Supremo tentando encontrar um jeito de livrar os condenados da prisão em regime fechado, especialmente o ex-ministro José Dirceu, pode se confirmar, caso o STF aprove a reabertura de julgamento nos casos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Esses são crimes pelos quais foram condenados membros dos núcleos político e publicitário do esquema do mensalão.

Mesmo que um colegiado como o do STF não deva se vergar diante de pressões de qualquer natureza, apesar de, numa democracia, a voz das ruas ser a ex-pressão da vontade do cidadão, não é razoável imaginar que aqueles 11 juízes que representam o equilíbrio institucional do país não levem em conta a gravidade da decisão que tomarão, especialmente nos dias de hoje, quando a cidadania clama por Justiça e pela eficiência dos serviços públicos. Como disse o ministro Joaquim Barbosa ao tomar posse na presidência do STF , “os magistrados devem levar em conta as expectativas da sociedade em relação à Justiça” .

Para ele, o magistrado precisa considerar os valores e anseios da sociedade . “O juiz deve, sim, sopesar e ter em conta os valores da sociedade . O juiz é um produto do seu meio e do seu tempo . Nada mais ultrapassado e indesejado do que aquele juiz isolado , como se estivesse fechado em uma torre de marfim ”. Quando o ministro Lewandowski perguntou ao presidente Joaquim Barbosa “temos pressa de quê?” , no bate-boca da semana passada, o fez quase como num ato falho, pois sua atuação desde o início do julgamento denota a intenção de retardá-lo ao máximo.

E Justiça que tarda, falha, ainda segundo o ministro Joaquim Barbosa no seu discurso de posse: “O que buscamos é um Judiciário célere, efetivo e justo. De nada vale o sofisticado sistema de informação, se a Justiça falha. Necessitamos tornar efetivo o princípio constitucional da razoável duração do processo”.

Nesta retomada do julgamento, o ministro Lewandowski continua com suas longas análises, mesmo para concordar com o relator , fugindo à rapidez com que a maioria de seus pares está votando, numa clara demonstração de que não querem repetir os erros cometidos no julgamento do deputado Natan Dona-don, que levou três anos para ser condenado em definitivo.

Parece haver um entendimento entre os juízes do STF de que é preciso atuar para não permitir manobras protelatórias que retardem uma decisão final, que deveria sair idealmente ainda este ano. A reabertura do julgamento, com a redistribuição do processo, poderia sinalizar para a opinião pública que a recomposição do Tribunal foi aproveitada para mudar sua decisão, favorecendo réus poderosos.

Pelo menos um dos novos ministros, Luiz Roberto Barroso, tem marcado sua posição contrária ao rigor , que considera excessivo, das penas já aplicadas, mas não se mostra disposto a ser “juiz de videotape”, mudando o resultado de um jogo que já foi jogado. O STF retoma o julgamento do mensalão na próxima quarta-feira, mais do que nunca sob os olhos da opinião pública, que já definiu que, no bate-boca da última semana, os dois têm razão, o que prejudica o papel fundamental que a nossa Suprema Corte tem na manutenção do equilíbrio institucional do país.

Fonte: O Globo

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