domingo, 25 de agosto de 2013

Mais médicos: ousadia e risco - Tereza Cruvinel

Neste domingo, 244 médicos estrangeiros já terão chegado ao Brasil, além dos 400 primeiros dos 4 mil cubanos que desembarcam no país. Se o programa der certo, a presidente Dilma ganhará uma marca social para seu governo. O Bolsa Família, mesmo ampliado por ela com o Brasil Carinhoso, é legado de Lula. Ela já havia comprado uma briga feia com os médicos brasileiros e, ao optar pelo contingente maior de cubanos, ampliou as críticas, que deixaram de ser apenas corporativas e até ganharam verniz ideológico. Nas redes sociais, eles já são chamados de "escravos de jaleco" e proliferam impropérios, como o de que tudo é pretexto para o Brasil repassar dinheiro a Cuba. Dilma certamente calculou o risco de sua ousadia: se tudo der certo, ganhará a simpatia das populações "sem médico", apesar do desgaste causado pelo alarido dos adversários.

Todos os riscos teriam sido pesados lá atrás, mas a presidente resolveu pagar ver, abraçando a proposta do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. A falta de médicos é um fato. Nas periferias e nas cidades do interior, por falta deles alguns padecem e outros morrem. Existindo a demanda, a vontade do governo de enfrentar o problema e com candidatos interessados, não será difícil fazer com que o programa dê certo. Isso acontecerá se, dentro de pouco tempo, todos os médicos estrangeiros estiverem treinados e instalados, familiarizados com a língua e com a região, praticando a medicina básica a que milhares de brasileiros não têm acesso pela ausência de médicos no local.

O desinteresse dos profissionais brasileiros pela oferta do governo, de R$ 10 mil mensais mais ajuda de custo, para se instalar nas regiões descobertas, bem como o reduzido número de inscritos de outras nacionalidades, levou o governo a desengavetar o acordo com Opas para a vinda dos cubanos. Conhecidos pela qualificação e pela experiência em atuar no estrangeiro, eles se tornaram alvo de diferentes ataques. Uma certa direita rediviva aproveitou para espumar. A corporação médica, que inicialmente apostou no fracasso do programa, radicalizou ao ponto de o presidente do sindicato da categoria em Minas, João Batista Gomes Soares, ter dito uma frase que fere a ética médica: "Vou orientar meus médicos a não socorrerem erros de colegas cubanos". Quis dizer negar socorro a pacientes atendidos incorretamente por médicos estrangeiro, o que seria um crime. Mas o que incomoda a muita gente, e até mesmo a luminares do PT, como o senador e ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT-PE), é o fato de que os médicos cubanos não receberão toda a remuneração paga pelo Brasil, ficando a maior parcela para o governo de Cuba, que os emprega. "Isso, de fato, me incomoda muito, mas, pelo que sei, contra essa sistemática não havia o que fazer", diz o senador. Mesmo que o pequeno adicional que sobrará para eles signifique muito, diante dos baixos salários na ilha, é mesmo difícil desculpar essa "mais valia". Esse incômodo, também, teria sido considerado por Dilma, que ousou e arriscou. Se for bom para a população e ela também ganhar com isso, fez-se o jogo.

As contas tucanas
Há quem diga, no PSDB, que Aécio Neves nada ganhará segurando no partido um José Serra ressentido se derrotado em prévias para a escolha do candidato a presidente. No circulo mais próximo de Aécio, entretanto, a avaliação é outra e recomenda o esforço para evitar que Serra deixe o ninho. O deputado Marcus Pestana, presidente do PSDB mineiro, entre louvores à trajetória do ex-governador de São Paulo, recorda que o partido, hoje, tem no eleitorado nacional um núcleo duro de aproximadamente 25%, contra 35% do PT. "A eleição será decidida pelos outros 40%", diz ele. Serra ainda é uma referência forte para esse segmento, que se dividiria se ele saísse candidato por outra legenda, dificultando a chegada ao segundo turno.

Aécio reiterou ser a favor de prévias, mas o tema não está em pauta. Não será debatido antes de dezembro. "Seria uma temeridade tratarmos disso agora, quando a sociedade manda toda a classe política pensar menos na eleição e trabalhar mais para resolver os problemas." Ademais, prévias são um instrumento democrático, mas devem ser examinadas segundo as circunstâncias, diz Pestana, recordando a disputa entre Barack Obama e Hillary Clinton nas primárias para escolher o candidato do Partido Democrata. Por conta das sequelas, o líder então mais influente no partido, Bill Clinton, só entrou na campanha de Obama na reta final.

Se as prévias ficarem para depois, Serra terá que decidir, no início de outubro, se fica ou se sai do partido, correndo todos os riscos.

Internet ameaçada
Relator do projeto do Marco Civil da Internet, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ) já apresentou seu parecer há meses. Até aqui, havia sempre uma urgência que impedia a votação. Agora, com a pauta desobstruída, não há mais desculpa. Mas as empresas de telecomunicações (e seus aliados no Congresso) têm mil e um motivos para evitar a votação.

O texto de Molon, se aprovado, proibiria o negócio que elas planejam, e que acabaria com a internet plena, essa que temos hoje, pela qual pagamos um taxa de provedor e temos acesso a todo o conteúdo da rede. O novo modelo é semelhante ao adotado pelas operadoras de tevê por assinatura e hoje não é regulado. Em tal sistema de venda retalhada, o consumidor pagaria uma taxa para ter acesso básico. Se quiser ter acesso às redes sociais, por exemplo, pagaria algo mais. Para acessar conteúdos de vídeo, como Youtube e Netflix , outra sobretaxa. Bom para as teles, ruim para o consumidor, péssimo para a democracia digital.

Fonte: Correio Braziliense

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