sábado, 16 de novembro de 2013

Antonio Gramsci no tempo presente

Presidente da Fundação Instituto Gramsci, Giuseppe Vacca defende a atualidade das ideias do pensador italiano e diz que um novo reformismo, na Europa, precisa ter um caráter supranacional

Por Leonardo Cazes

Presidente da Fundação Instituto Gramsci, responsável por guardar os manuscritos do pensador italiano e que comanda a publicação das suas obras completas, Giuseppe Vacca defende que os conceitos estratégicos do filósofo permanecem atuais para entender a atual conjuntura mundial, como sua interpretação da história mundial. No Brasil para participar de eventos na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), onde participa de debate na terça-feira, às 10h, e na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Vacca concedeu entrevista ao GLOBO por e-mail, da Itália, antes de partir para um tour pela América Latina. Entre seus livros publicados no Brasil estão “Por um novo reformismo”, de 2009, e a biografia intelectual “Vida e pensamento de Antonio Gramsci 1926-1937”, lançada no ano passado, ambas em uma parceria entre a editora Contraponto e a Fundação Astrojildo Pereira.

Como o pensamento de Gramsci nos ajuda a compreender e transformar o mundo atual, radicalmente diferente daquele em que o próprio pensador viveu?

A originalidade do pensamento de Gramsci está ligada a alguns conceitos estratégicos que, embora originados da interpretação da história mundial das primeiras décadas do século XX, são muito eficazes para interpretar os processos históricos de nosso tempo. Por exemplo, Gramsci interpretou a grande crise de 1929-1932 como um fenômeno histórico gerado pelo conflito entre o cosmopolitismo da economia e o nacionalismo da política, estabelecendo sua origem na Primeira Guerra Mundial e afirmando que essa contradição fora a causa da própria guerra. Penso que esta conceituação seja válida hoje para analisar os acontecimentos mundiais: comumente se fala de crise econômica e se pensa na economia e na finança. Acredito, ao contrário, que se trata de um conflito econômico mundial: uma guerra que se combate com as moedas e a finança.

Em sua biografia de Gramsci, o senhor adota uma perspectiva específica, concentrando-se nos anos compreendidos entre 1926-1937. Por que razão eliminou o “jovem Gramsci”?

Para a compreensão do pensamento de Gramsci, é indispensável reconstruir sua vida momento a momento. Sobre o período 1914-1926, existem ótimos livros, o último dos quais, obra do estudioso italiano Leonardo Rapone, está para sair no Brasil pela editora Contraponto (“O jovem Gramsci. Cinco anos que parecem séculos, 1914-1919”]. Sobre o período entre 1926 e 1937, os anos transcorridos no cárcere durante os quais Gramsci escreveu os Cadernos, uma biografia histórica nunca fora escrita, até porque faltavam os documentos para poder reconstruí-la. Senti quase o dever de escrevê-la.

Na Europa, os partidos socialistas que estavam no poder na eclosão da crise de 2008 sofreram duras derrotas, como Zapatero, na Espanha. Outros, que chegaram ao poder depois, como François Hollande na França, não fazem uma ruptura com as políticas conservadoras de seus antecessores. A esquerda europeia está em crise?

Sim, na Europa há uma crise séria da esquerda porque não consegue dar a si mesma uma configuração supranacional indispensável para condicionar as políticas da União Europeia e as políticas nacionais, que, na realidade, são políticas europeias. Já as dificuldades da esquerda italiana não dependem do” berlusconismo”, politicamente em crise há mais de três anos, mas derivam das mesmas dificuldades das outras esquerdas europeias e, sobretudo, das incoerências de um sistema político que a esquerda também contribuiu para construir depois de 1989. São processos que já duram vinte anos, muito peculiares à Itália.

O senhor escreveu um livro, “Por um novo reformismo” (Contraponto). Quais são as bases deste “novo reformismo”, hoje? Que grupos ou partidos representam este projeto?

O livro que cita nasceu de uma longa reflexão centrada na Itália para repensar as experiências do reformismo nacional em perspectiva europeia. Para nós, europeus, o traço distintivo do novo reformismo é sua dimensão supranacional: uma novidade qualitativa, pois tem como ponto de referência menos o “espaço” europeu do que a união política do velho continente. Isso implica mudanças fundamentais de mentalidade e um salto de paradigma na construção dos sujeitos. Na Itália, o partido que melhor corresponde a este projeto é o Partido Democrático. Mas meu país foi atingido por uma crise gravíssima do sistema político e do Estado, e é difícil prever se o Partido Democrático poderá se consolidar ou fracassar.

A Europa está atravessando uma grave crise econômica e social. A resposta de quase todos os governos foi o corte de direitos dos trabalhadores e políticas de austeridade. Grupos de extrema-direita estão crescendo em alguns países. Como o projeto do “novo reformismo” poderia intervir neste contexto?

As políticas de austeridade são ditadas a cada país europeu pelas instituições da União Europeia com base numa construção da supranacionalidade que, depois da criação da moeda única, foi bloqueada. É forçoso recordar que isso ocorreu quando os países que aderiram à moeda única eram predominantemente governados por partidos social-democratas ou por coalizões de centro-esquerda. A criação do euro, dissociada da efetivação da integração econômica e da soberania política da UE, impediu que a Europa se tornasse o segundo pulmão da economia mundial, ao lado dos Estados Unidos, e deu origem a um dualismo antagônico entre o euro e o dólar que, a meu ver, é a causa verdadeira da crise americana e da estagnação europeia. Do ponto de vista do “novo reformismo”, o problema é chegar o mais rapidamente possível a um “novo Bretton Woods” global, isto é, a uma negociação entre os principais países protagonistas da economia mundial da qual possa nascer um sistema monetário e uma divisão internacional do trabalho regulados consensualmente.

A América Latina é cenário das principais experiências de governo de esquerda na última década. O senhor acredita que existem na América Latina possibilidades para experimentar um “novo reformismo”?

Não conheço bastante a América Latina para responder apropriadamente a sua pergunta. Pelo que conseguimos compreender a partir da Itália, diria que a experiência reformista mais significativa do continente ibero-americano é aquela em curso no Brasil há cerca de vinte anos.

Fonte Prosa & Verso / O Globo

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