sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Mensalão - Opiniões de cientistas políticos: decisão consolida avanços democráticos

Gabriel Manzano

As decisões do Supremo Tribunal Federal que tornaram definitiva a sentença de prisão para condenados do mensalão, adotadas na quarta-feira, valem menos pelo número de penas ou sua duração, e mais pela natureza política e ineditismo do gesto.

E a conclusão a que chegaram cientistas políticos ouvidos pelo Estado, para os quais a sessão da Corte foi um passo a mais à frente da democracia brasileira - que encorpa, devagar e sempre, há mais de 20 anos.

"O Supremo simplesmente disse um basta", resumiu o professor David Fleischer, da Universidade de Brasília. "Como ele já disse "basta" em junho quando mandou prender o deputado Natan Donadon." O grande legado das decisões do STF, adverte Fleischer, "é que a imunidade parlamentar, antes traduzida em foro privilegiado, já não equivale a impunidade".

O sociólogo Luiz Werneck Vianna, da PUC-Rio, comemora a "direção positiva" da decisão, mas adverte que ela "chega quando o tufão já está passando" - uma referência às "jornadas de junho", quando o País foi às ruas protestar, entre outras coisas, contra a corrupção. Vianna acha difícil "dizer se haverá menos corrupção a partir disso". Mas entende que a Constituição de 1988 "tem servido como um torniquete", na tarefa de "tirar esse espaço dos vícios políticos" da vida brasileira.

Um terceiro estudioso da vida política nacional, Fernando Abrucio, da Escola de Administração da FGV-SP, destaca a "ação independente" que marcou os debates do Supremo desde agosto de 2012. Ele comemora "um processo contínuo", já de 20 anos de democratização, que leva a um País em que os indivíduos serão cada vez mais iguais perante a lei, independente dos cargos e lugares que ocupem na sociedade.

Abrucio afirma que, muitas vezes, se trata o tema da corrupção "como se o Brasil fosse o maior nessa área, o que não é verdade quando se olham os indicadores internacionais". Aí corrupção aparece mais, adverte, "porque hoje há mais alarmes de incêndio". E, agora, mais punição. Essa é, segundo ele, uma fórmula decisiva: "Se juntarmos os alarmes e a punição, cadavek mais os indivíduos serão mais iguais perante a lei".

Depoimentos
Luiz Werneck Vianna: professor de Sociologia e Política da PUC-Rio

Direção positiva, mas atrasada
A decisão do Supremo aponta para uma direção positiva, mas ela foi tardia. Chega em um momento em que o tufão já está passando. Refiro-me às jornadas de junho e os passos subsequentes - aqueles episódios tiram muito o impacto dessa decisão. Se ela tivesse precedido as manifestações, o significado seria maior.

Não quero dizer com isso que não tenha impacto. Certamente tem: é poder valorizar as instituições republicanas, defendê-las.

Esse ponto é forte, ele fica. Se haverá menos corrupção a partir disso, é difícil dizer. O fato é que os instrumentos criados pela Carta de 88 pouco a pouco têm servido como um torniquete no sentido de tirar esse espaço dos vícios da nossa República, da coisa pública entre nós. Sem dúvida ; esses torniquetes estão operando. Mas a questão de fundo, entre outras, é se a capilaridade desse processo vai funcionar e se a sociedade vai se beneficiar dessas mudanças.

David Fleischer: professor emérito da Universidade de Brasília

Supremo deu um basta
O que o Supremo fez na quarta-feira foi dar, simplesmente, um basta. "Basta, não queremos mais protelação, adiamento." O mesmo tipo de decisão que tomou em junho quando deu outro "basta" aos advogados de Natan Donadon, ao emitir uma ordem de prisão para o deputado.

O grande legado da sessão do STF é que a imunidade parlamentar, traduzida em foro privilegiado, já não equivale mais a impunidade. Para os políticos corruptos acabou.

Mas a decisão abre campo para novas questões. O Supremo vai ter disposição para processar os mais de 200 deputados corruptos, enquadrados como fichas-sujas? E quanto ao Congresso: ele vai anular o foro privilegiado? Acabar com o voto secreto?

Outra questão é saber o que a Justiça Eleitoral vai fazer no ano que vem com esses fichas-sujas - se vão ser impedidos de ser candidatos. Desafio em que lhe caberá mostrar se tem disposição para ser rigorosa.

Fernando Abrucio: cientista político da Administração / FGV-SP

Um Brasil "republicanizado"
Convém destacar, de início, a ação independente que teve o Supremo durante todo o episódio. É talvez o fato mais importante - até por terem sido boa parte dos ministros indicada por Lula e Dilma.

Mas entendo que isso não é um processo isolado. Nos últimos 20 anos, tivemos um processo de democratização do Estado brasileiro que significa, no fundo, que vai se buscar que todos sejam julgados igualmente perante a lei. Um processo que já teve o julgamento do impeachment de um presidente, cassação de parlamentares, a criação da Controladoria-Geral da União, o episódio agora em São Paulo, onde também se criou uma controladoria.

Olhando o quadro por inteiro, e não só uma fotografia, vemos esse processo caminhando - a republicanização do Estado brasileiro, a ponto de, no fundo, essa decisão cristalizar que todos devem ser iguais perante a lei, independente do cargo que tenham.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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