sábado, 21 de dezembro de 2013

A desinflação interrompida - Claudia Safatle

Governo crê no controle de preços e duvida dos juros

A taxa média anual de inflação do início do regime de metas, em 1999, para cá é de 6,63%. Foi de 8,77% no último mandato de FHC, caiu para 5,78% nos oito anos de Lula e subiu para 6,01% nos três anos do governo de Dilma Rousseff. Os cálculos consideraram variação de 5,7% para o IPCA deste ano. O IPCA-15 de 0,75%, divulgado ontem, porém, colocou em risco o compromisso do BC de entregar, este ano, um índice menor do que os 5,84% de 2012 e renovou dúvidas sobre a proximidade do fim do processo de elevação dos juros.

Ao longo desses anos, em apenas três o IPCA ficou abaixo da meta de 4,5%: 2006 (3,14%), 2007 (4,46%) e 2009 (4,31%). Cada período teve suas crises ou choques de oferta que dificultaram a convergência da inflação para a meta. O início do regime, em junho de 1999, foi precedido de forte crise cambial em uma economia ainda em condições precárias e abalada por uma sequência de crises externas. O último ano de FHC foi marcado por turbulências derivadas de temores eleitorais. Em 2008 e 2009, Lula viu a pior crise financeira mundial pós-29 e Dilma pegou o repique dessa crise em 2011/12, além de um choque de preços dos alimentos em 2012.

Não desprezível foi, também, o papel da valorização da taxa de câmbio para a política anti-inflacionária desde o Plano Real.

Sob uma perspectiva histórica, houve sucesso inegável no combate à inflação. Entre 1986 e 1994, a taxa média anual era de 842,5%. De 1995 a 2003, caiu para 9,1% e de lá para cá, para 5,5%. Sob a ótica das escolhas das políticas governamentais, o trabalho poderia ter sido melhor.

A desinflação avançou de forma razoável até 2006, com um tropeço aqui, outro acolá. Havia, inclusive, a esperança de reduzir a taxa para 3,25% em 2003 traduzida em metas que são estabelecidas todos os anos para dois anos à frente. Há nove anos, porém, a meta está estável em 4,5%.

Quando todo o mercado, em 2006, projetava a redução da meta de inflação para 4% para 2008, o Conselho Monetário Nacional (CMN), presidido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, manteve-a em 4,5%. Perdeu-se, ali, uma chance de ouro de prosseguir na desinflação. O processo foi interrompido.

Nunca mais ouviu-se falar em redução da meta até que, no início deste mês, em café da manhã com empresários em São Paulo, o ministro da Fazenda disse, pela primeira vez desde que assumiu em março de 2006, que "nos próximos dez anos, é possivel que o centro da meta inflacionária, atualmente de 4,5%, seja reduzido para 4%, desde que haja uma redução do grau de indexação da economia, que ainda possui um elevado grau de inércia inflacionária, e incrementos de produtividade".

Sempre há uma explicação para a inflação alta no Brasil e é pouca a vontade política de concluir a estabilização que começou há 20 anos. Isso exigiria um esforço fiscal mais prolongado e juros para segurar a demanda. Supondo que combater a inflação compromete o crescimento, os últimos governos se acomodaram em uma meta frouxa, que, com a margem de tolerância, pode variar entre 2,5% e 6,5%.

Mais recentemente o teto de 6,5% passou a ser meta. A presidente, em novembro, escreveu no Twitter que "o país manterá, pelo décimo ano consecutivo, a inflação abaixo da meta de 6,5% anuais". Há um pressuposto, formulado por alguns economistas do governo, de que o brasileiro tolera bem uma taxa de inflação de 6% ao ano.

Para uma economia saudável e crescimento sustentável é fundamental ter uma inflação baixa e controlada, onde o movimento de elevação dos preços em geral não compromete o planejamento das empresas e das famílias, não é fator de corrosão dos salários nem um elemento de incerteza que deprime os investimentos. Esse é o caminho para se chegar a uma taxa "neutra", que aqui nem é parte da discussão.

Ao fim do terceiro ano do governo Dilma Rousseff a inflação ainda ocupa o centro das preocupações. Resgatou-se, na área econômica, uma forma anacrônica de represá-la: o controle de preços. Os preços administrados (energia, derivados de petróleo, tarifas de ônibus) tiveram aumento este ano de pouco mais de 1% enquanto que os livres subiram sete vezes mais. Desses, os preços dos serviços continuam em ritmo galopante pressionados pelo pleno emprego.

A prática do controle prosseguirá no ano eleitoral de 2014. Esta semana a Aneel adiou para 2015 o início da bandeira tarifária, que seria usada como mecanismo de reajuste das contas de luz. No meio oficial acredita-se mais em controle de preços do que na eficácia da política monetária para conter a inflação.

Só recentemente o governo passou a atribuir alguma importância, também, a questões de valor intangível, como expectativas, confiança, credibilidade. As duras circunstâncias enfrentadas este ano, das manifestações populares de protesto ao baixo crescimento econômico e a descrença e mau humor dos investidores externos e internos, teriam forçado essa compreensão.

As expectativas para os próximos quatro anos, coletadas pelo Focus, continuam desancoradas. O mercado estima inflação média de 5,6% até 2017 e crescimento médio de 2,6%.

Por todas as razões - e a inflação sempre pune mais os mais pobres - os governos deveriam ter mais ambição no combate à inflação. Embora Mantega tenha condicionado a redução da meta num prazo longínquo a progressos na desindexação da economia, o mais provável é que seja exatamente o contrário: só será possível desindexar a economia quando a inflação for baixa o suficiente para permitir que os contratos possam ser livremente negociados e não automaticamente atrelados a algum índice.

Fonte: Valor Econômico

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