domingo, 22 de dezembro de 2013

Brasil tem pior serviço público entre 30 países

Cidadãos dizem ser um inferno precisar do Estado com carga tributária das mais altas do mundo

Reinaldo Freire, 39 anos, teve um terço da perna direita amputada. Quase três horas depois de sair de casa, ele chegou à agência do INSS da Asa Sul. Dias antes, já havia peregrinado pelo posto de Luziânia, onde mora, e do Gama, para onde mandaram que fosse. Em nenhum desses três lugares, souberam resolver o problema dele: uma simples inscrição no programa de reabilitação profissional. O drama de Reinaldo ilustra bem a via-crúcis dos brasileiros quando, de alguma forma, precisam recorrer a serviços públicos. O Estado que trata tão mal seus cidadãos quando é requisitado se revela voraz e eficientíssimo na hora de cobrar impostos. Pesquisa mostra que, apesar de figurar entre os 30 países que mais arrecadam tributos, o Brasil é o que, em troca, oferece os piores serviços à população.

Depender do Estado é como ir ao inferno

Perto das 9h de uma terça-feira, quase três horas após sair de casa, Reinaldo Freire da Silva, 39 anos, chegou à agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) da Asa Sul, em Brasília, se equilibrando em uma muleta. Dias antes, já havia peregrinado pelo posto de Luziânia, onde mora, e do Gama, para onde mandaram que ele fosse. Em lugar algum, o Estado soube resolver o problema: uma simples inscrição no programa de reabilitação profissional por conta da amputação de um terço da perna direita.

O drama de Reinaldo ilustra o de milhares de brasileiros quando precisam dos serviços públicos. Por mais de um mês, o Correio visitou órgãos como o INSS, a Receita Federal, a Junta Comercial, o Departamento de Trânsito, além de hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS). Burocracia excessiva, conflito de informações, gestão capenga e má vontade de funcionários despreparados ajudam a compor o leque da ineficiência diária do Estado.

Cada brasileiro, incluindo Reinaldo, terá pago ao fim de 2013 uma média de R$ 8.202 em impostos — o equivalente a 12 salários mínimos —, totalizando R$ 1,62 trilhão. O país não para de bater recordes de arrecadação. Em contrapartida, amarga o pior retorno dos tributos entre as 30 nações com a maior carga tributária (veja arte), conforme estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). É essa disparidade que potencializa a indignação externada nas manifestações que tomaram as ruas em junho deste ano, mas que de nada adiantaram para reverter a precariedade de serviços tão caros.

Descrença
Cansado do lenga-lenga do INSS, Reinaldo diz que só algo divino pode confortá-lo. "A gente vive num mundo injusto, é assim mesmo", comenta ele, em um tom de conformismo facilmente encontrado nas salas de espera dos órgãos públicos. "Já sabia que ia ser difícil. Todos sempre falam que o INSS é complicado. Isso deixa a gente traumatizado. A pessoa tem que vir preparada psicologicamente", completa, ao sair da agência da 502 Sul com uma sacola de documentos em mãos.

Aos 9 anos, Reinaldo foi atropelado por um trator, no interior do Piauí. O pai, com quem ele não tem mais contato, era quem dirigia a máquina. A mãe morreu de câncer um ano depois. De pé inchado e nunca bem tratado, o piauiense mudou-se para Brasília. Tocou a vida como cobrador de ônibus, auxiliar de padeiro e como mais fosse possível. Em outubro deste ano, desempregado, entregou-se à ordem médica e submeteu-se à cirurgia que o fará conviver com a muleta até a colocação de prótese.

Jogo de empurra
Casado e pai de seis filhos, Reinaldo não vê a hora de voltar a trabalhar. Por enquanto, vive à espera do programa de reabilitação profissional, sem o qual pode perder o auxílio que tem garantido o sustento da casa. Na central de atendimento do INSS, o beneficiário foi orientado a ir ao posto de Luziânia, onde a funcionária o despachou para o Gama, alertando que o fizesse logo, sob o risco de parar de receber o dinheiro do Estado. "Ela botou medo em mim, fez quase uma ameaça", lembra.

No Gama, a perita do INSS o destratou. Disse que não atenderia ninguém de Luziânia e que nada tinha a ver com a orientação recebida por ele no município do Entorno goiano. Reinaldo, então, retornou ao posto inicial e lá o enviaram para a Asa Sul. "A falta de informação deixa a gente zonzo. Chego humildemente e só encontro grosseria", desabafa ele, que deveria estar de "repouso absoluto", sobretudo após duas recentes quedas no banheiro.

Com vermelhidão no local da cirurgia, de tanto perambular sem poder, Reinaldo gastou uma manhã inteira para, no destino final, ouvir de uma funcionária que voltasse a procurar o INSS em maio de 2014 e que, até lá, ficasse despreocupado. "Não entendi nada. Mas vou confiar, né? O que mais eu posso fazer?", pergunta ele, tentando disfarçar a angústia, ao chegar em casa duas horas após deixar a agência.

Burocracia e descaso
Reabilitação profissional é um serviço prestado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a segurados, dependentes e deficientes sem vínculo com o órgão. Consiste em um programa com atividades multiprofissionais para preparar a pessoa para voltar a trabalhar. Em resposta ao Correio sobre o caso de Reinaldo, o INSS informa que ele ainda precisa ser avaliado na agência da 502 Sul. Enquanto esse processo não for feito, o benefício do piauiense está garantido, sendo estendido após uma eventual validação do programa. O INSS esclarece, ainda, que o segurado tem direito a pedir, na agência de Luziânia, ajuda de custo para suprir as despesas com deslocamento até a unidade que presta o serviço almejado. Reinaldo nunca foi informado de nada disso.

Fonte: Correio Braziliense

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