domingo, 1 de dezembro de 2013

Toxinas políticas - Tereza Cruvinel

Um falso discurso, que une os muito céticos, os muito jovens e os muito cínicos, diz que o Brasil já foi bem melhor em tudo, especialmente na política

Teremos uma eleição geral dentro de alguns meses, mas nunca foi tão forte o sentimento de rejeição à política e o negativismo em relação ao próprio país. Há políticos de diferentes partidos na prisão ou prestes a serem presos, novos escândalos em pauta, desacertos no parlamento e uma pesada troca de acusações entre as duas legendas mais importantes, mas todos esses fatos, improváveis em outros tempos, podem ser lidos como sinais de vitalidade de uma democracia em construção. Essa leitura mais generosa, entretanto, só pode ser feita pela comparação entre o que já fomos e o que estamos nos tornando.

Na política, os indivíduos, assim como os partidos, com suas falhas ou virtudes, têm seu protagonismo. Mas é o sistema, essencialmente, que cria as condições para a ação política e para os desvãos. As mazelas são muitas, é verdade, mas uma avaliação honesta dirá que, há bem pouco tempo, elas eram maiores e piores. Neste momento em que o Congresso brasileiro dá um passo importante para a transparência da representação, aprovando o voto aberto em cassações e apreciações de vetos, algo bem distinto se passa no vizinho Paraguai. O Senado local negou licença para que um senador fosse processado por improbidade. A sociedade reagiu com uma forte campanha contra os 23 senadores que votaram pela negação. Estão sendo escorraçados e até barrados em locais públicos.

Alguém se lembra de que até há bem pouco tempo os parlamentares brasileiros estavam protegidos pela imunidade, e só poderiam ser processados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por crimes comuns, mediante licença da respectiva Casa? Se uma emenda acabando com a imunidade não tivesse sido aprovada entre 2001 e 2002 (patrocinada por Aécio Neves quando presidente da Câmara), dificilmente teria havido o julgamento da Ação Penal 470. Mas os avanços, esquecemos.

Há um discurso, que une os muito céticos e pessimistas, os muito jovens e também os muitos cínicos, segundo o qual o Brasil já foi bem melhor. O advogado de defesa de José Genoino, Luiz Fernando Pacheco, está denunciando duas impropriedades nas avaliações médicas do petista, na política e em tudo mais. A degeneração seria algo recente, para alguns coincidente com a chegada do PT ao Planalto.

Dos três grupos, só os muito jovens merecem alguma indulgência. Nasceram na democracia, não sabem quanto ela custou. Mas poderiam ter aprendido mais nos livros de história sobre o país de hoje e o de ontem. Pois, antes da refundação democrática de 1985-1988, o que tivemos? Uma colônia que, ao se tornar independente, tornou-se uma monarquia centralista, depois derrubada por um golpe militar, sem participação do povo, que gerou uma República carcomida, hoje chamada Velha. Nela, as oligarquias sugavam o Estado e o controlavam pelo voto de cabresto. Getulio liderou uma revolução modernizante, mas entendeu que só como ditador daria jeito no Brasil. Houve um suspiro democrático a partir da Constituinte de 1946, logo apagado pela ditadura que durou 21 anos. Então, República e democracia dignas do nome são coisas bem recentes. Não havia o país idílico que agora teria piorado.

Isso posto, muito falta mesmo por fazer. Os costumes na vida pública são péssimos, a Justiça é seletiva, o sistema político grita por reformas, os partidos são em sua maioria inconsistentes. Aí está o Ministério Público tentando punir os que trocaram de partido ao arrepio da norma. A educação deficiente e a desinformação limitam o exercício da cidadania a uma minoria mais ativa e exigente. Aí estão os jovens, alguns com recurso à violência, cobrando mais atenção do Estado. Há alguns anos, a corrupção vem sendo posta como o grande mal, e esse sentimento cristalizou-se nas manifestações de junho, contra a política, os partidos e os políticos. Mas não haveria a corrupção se não existissem também as empresas e os indivíduos corruptores fora do Estado. Logo, é alimentada pela cultura e pelo sistema político-econômico. Hoje é mais percebida porque há plena liberdade de imprensa e instituições mais eficientes.

A mesma marcha, lenta porém progressiva, ocorre na economia e no social. Já se foram os tempos da extrema dependência e da dívida externa que parecia impagável. Já é passado a hiperinflação tenebrosa, o que justifica os receios do descontrole, mas não o cassandrismo agourento. A vergonhosa sociedade escravocrata foi substituída por uma falsa sociedade de homens livres, com taxas de desigualdade gritantes. As políticas de transferência de renda produziram resultados, não podem ser eternas mas ainda serão necessárias por mais tempo, em qualquer governo. O passivo com os negros e índios é indiscutível, e começou a ser resgatado com ações afirmativas iniciadas no governo FHC e aprofundadas nos governos petistas. Mas, agora, as cotas começam a ser rotuladas como "medidas racialistas". O remédio seria fechar os olhos?

Mais nefasto porém é o niilismo diante da política. Em 2014, ele pode produzir uma avalanche de votos nulos ou brancos. Historicamente, a antipolítica costuma produzir soluções autoritárias, mesmo quando vestidas por um falso manto democrático.

Laudo parcial
Luiz Fernando Pacheco, advogado de José Genoino, denuncia omissão importante na divulgação do laudo expedido pela junta médica da Câmara que examinou o petista com vistas ao pedido de aposentadoria por invalidez. O resumo divulgado, de apenas 12 linhas, diz que o paciente "não é portador de cardiopatia grave". Mas o laudo completo, duas páginas, que ele divulga, afirma também que "trata-se de indivíduo sob o risco de desenvolver futuros eventos cardiovasculares e progressão da doença", considerando-se fatores como idade, proximidade entre a cüseccção sofrida e o arco da aorta, problemas de pressão e coagulação", que poderiam ser agravados pela atividade laborai. O deputado André Vargas deve cobrar explicações da Mesa na terça-feira.

Fonte: Correio Brasiliense

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