segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Vestais dissolutas - Paulo Brossard

Quando fundado o PT, seus integrantes eram, em regra, sindicalistas e alguns intelectuais. Por esta razão, ou por outra, o nascente partido tinha a pretensão de ser melhor que os demais. Proclamavam-se superiores. Eram os puros, enquanto os outros seriam os ímpios, ou de segunda categoria.

Cedo, porém, ficou demonstrado que a nova agremiação haveria de revelar-se possuidora de mazelas, quiçá superiores às atribuídas aos outros partidos; com efeito, chegados ao poder não hesitariam em abrir um capítulo novo no elenco das ilicitudes, o mensalão foi o maior, pelo menos o mais chocante por seu ineditismo e ostensividade; não foi o único, formou um rosário. Um dos mais conhecidos relacionou-se quando da eleição a governador de São Paulo, do atual ministro da Educação. Ficaram famosos os fatos que tiveram como cenário o Hotel Ibis, em São Paulo, local onde agente petista compraria um dossiê que comprometeria o adversário, ao preço de R$ 1,7 milhão, dinheiro de contado. Se bem me lembro, o dossiê não passava de um agregado de coisas ineptas a ponto de o virtual adquirente desinteressar-se da suposta preciosidade e de evadir-se para não se encontrar com a Polícia Federal, deixando mesmo no hotel a soma de R$ 1,7 milhão durante algum tempo. Menciono o caso por ter se tornado público o episódio para demonstrar o proteiforme procedimento instaurado. Diante da repercussão, nada menos que o presidente Luiz Inácio tentou diminuir a importância da ocorrência chamando os compradores, seus correligionários, de aloprados, vocábulo que, se não mentem os dicionários, significa endoidados, malucos, estúpidos.

Agora veio a público que, numa investigação sobre contas no Exterior, o Ministério da Justiça consultou o Legal Department Cayman Islands Government, aparecendo nada mais nada menos que o nome de José Dirceu de Oliveira e Silva. Por esta, ou aquela razão, o Ministério da Justiça, que requerera esclarecimentos, parece ter sepultado a incômoda revelação e o fato não teve a menor consequência, quer dizer, são fatos, e fatos de suma gravidade, e os serviços oficiais da alçada de um ministério de alta responsabilidade e conceito teriam arquivado documento que lhe foi dirigido em resposta a inquirição sua. Tais fatos são bastantes para demonstrar a deterioração das normas da nossa administração, sob o governo que pretendia ser um padrão de excelência. Diante deles, poderia o Ministério da Justiça arquivá-los, conservando sem divulgação e sem consequências o fato gravíssimo, sem converter-se em corresponsável nem incidir em prevaricação?

Agora, outro fato arrasador vem de ocorrer, envolvendo o coração do governo. Acaba de ser publicado livro, com base em copiosas revelações de Romeu Tuma Junior, ex-secretário nacional da Justiça do Ministério. Alega-se que Tuma Junior foi exonerado em razão de ilegalidades cometidas ou coisa parecida, mas quanto tempo decorreu desde a demissão? Não foi bastante para apurar a responsabilidade do demitido, suposta a veracidade das imputações que lhe foram feitas? A verdade, porém, é que nada, absolutamente nada, nenhuma iniciativa tomou a administração de apurar fatos ditos graves como lhe cabia.

Publicado em livro e divulgado nacionalmente, não se viu nem ouviu uma palavra do governo a respeito. Essa omissão não importa em cumplicidade e esta em corresponsabilidade; as revelações atingem mortalmente a alta administração do país.

Enfim, parece que em matéria de "traficâncias" as vestais revelaram-se insuperáveis.

*Jurista, ministro aposentado do STF

Fonte: Zero Hora (RS)

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