segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

OPINIÃO DO DIA – Luiz Sérgio Henriques: autor e drama

Num tempo de autoproclamado neodesenvolvimentismo, apesar da modéstia das taxas de crescimento, pode-se prever que viveremos não 50 anos em 5, como na situação original, mas pelo menos 2 anos em 1 só, com a superposição de 2013 e 2014 num período mais ou menos contínuo de diferenciação de candidaturas, apresentação de programas divergentes e, por fim, eleições presidenciais propriamente ditas.
Sendo a política, na concepção de falecido político mineiro, sagaz e conservador, uma atividade que guarda relação com o fugaz desenho das nuvens, adivinhar o que nos reserva esse tempo compacto de dois anos é tarefa que assustaria até um autor acostumado a dramatizar ambições, imaginar golpes da fortuna, coreografar danças e contradanças na alma de personagens que não são nunca autores isolados de si próprios. Afinal, como lembrava Ulysses, o patrono da moderna democracia brasileira, as circunstâncias desempenham sempre função crucial, delimitando, corrigindo, ampliando ou mesmo anulando o papel que cada personagem se atribui no correr do drama.

Luiz Sérgio Henriques, tradutor, ensaísta, um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil. É vice-presidente da Fundação Astrojildo Pereira e editor do site Gramsci e o Brasil. ‘De dramas e personagens’ , O Estado de S. Paulo, 24/2/2013.

Manchetes de alguns dos principais jornais do país

O GLOBO
Sem competitividade - Governo dará incentivos a portos públicos
Cuba abre espaço para a era pós-Castro

FOLHA DE S PAULO
Busca pelo poder dividiu a igreja, diz arcebispo
Indefinição política na Itália atinge investimento
Na Bolívia, defesa pedirá soltura de torcedores presos
Raúl Castro ficará mais 5 anos à frente de Cuba

O ESTADO DE S. PAULO
G-20 avalia barrar entrada de corruptos nos países-membros
Petrobras vai à China para evitar atrasos
Venezuela entra em clima de campanha

VALOR ECONÔMICO
Custos do frete disparam no início da safra de soja
Estados buscam solução própria para a dívida
Inflação é prioridade, diz Tombini
Índios rejeitam hidrelétricas no rio Tapajós
No mercado, os juros reais já estão em alta
Senador refugiado vira um fardo para o Brasil

BRASIL ECONÔMICO
Brasil precisa de R$ 500 bi para cobrir déficit na infraestrutura
‘A legislação dificulta nossa inovação na telefonia móvel’
Visita da OMC será perda de tempo, dizem os técnicos
Brasil firma acordo com a Nigéria na área de energia
Dólar, a incógnita para economistas

CORREIO BRAZILIENSE
TJ livra condomínio em terra da União de pagar IPTU
Chegou a hora de enfrentar o Leão
Floresta Amazônica será toda mapeada.
Por que os arapongas do SNI gostavam tanto de Ratzinger

ESTADO DE MINAS
A revanche do consumidor
Ferrovia do descaso

O TEMPO (MG)
Oscar 2013: Sem graça e sem surpresas na festa
Sucessão passa pelas centrais

GAZETA DO POVO (PR)
Oferta de vagas estimula pedidos de demissão
Em seu último Ângelus, Papa fala que ainda terá um papel na igreja e é aclamado por fiéis
“Fora Renan” tem atos em sete capitais
Raúl Castro diz que sai do poder em 2018

ZERO HORA (RS)
Alta no preço de imóveis é quase o triplo da inflação
Efeito cascata: TJ e MP propõem 15% a mais no salário

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Programa do IR liberado a partir de hoje
Atento a 2014, Eduardo expõe suas ideias
Só até o ano 2018

FHC lança Aécio em Minas

Isabella Souto

Talvez o principal cabo eleitoral do senador Aécio Neves (PSDB) na corrida pela sucessão presidencial em 2014, o ex-presidente da República e presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, desembarca hoje em Belo Horizonte para a abertura do ciclo de debates Minas Pensa o Brasil. O evento é organizado pelo diretório estadual dos tucanos e terá agenda mensal ao longo deste ano. A palestra de FHC será sobre desafios, ameaças e oportunidades do século 21.

Apontado como o pai do Plano Real – título disputado com o ex-presidente Itamar Franco, de quem foi ministro da Fazenda à época do lançamento do plano econômico, em 1994 – e da estabilização econômica do Brasil, Fernando Henrique Cardoso terá pela frente a missão de propagandear o nome do mineiro pelos quatro cantos do país. Há dois meses o ex-presidente vem defendendo publicamente a candidatura de Aécio Neves ao Palácio do Planalto.

"Acho que o senador Aécio Neves é o nome, e a meu ver, desde já, tem de assumir suas responsabilidades, não de candidato, mas de líder do partido, para ele poder começar a percorrer o Brasil", afirmou FHC, em dezembro. A estratégia é tornar o mineiro mais conhecido, especialmente no Nordeste brasileiro, onde tem força o nome do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), também presidenciável.

Outro fator para fortalecer o nome de Aécio é a sua provável eleição para o comando nacional do PSDB, em maio. A propaganda do partido na televisão será outro instrumento: o tucano vai estrelar o programa de 10 minutos a ser veiculado em maio, e ainda contará com 40 comerciais de 30 segundos cada um, veiculados entre 23 de maio e 1º de junho.

Agenda O ciclo de debates promovido pelo PSDB mineiro será realizado mensalmente em Belo Horizonte. O objetivo é discutir temas e assuntos de interesse da sociedade brasileira e contribuir para a construção de uma nova agenda nacional. Especialistas e líderes de todo o país discutirão temas como o desenvolvimento da Amazônia, perspectivas da economia, desafio da revolução educacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, urbanismo, pacto federativo, modernização das relações de trabalho e programas de transferência de renda.

Fonte: Estado de Minas

FH vira estrela na jornada de Aécio

Ex-presidente abre hoje ciclo de palestras para reafirmar campanha tucana rumo ao Planalto

Escanteado pelo PSDB nas três últimas eleições presidenciais, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vai ganhar um lugar de destaque na campanha tucana à sucessão de Dilma Rousseff. A um ano e meio das eleições, o ex-presidente se transformou no principal cabo eleitoral do senador Aécio Neves (PSDB-MG), pré-candidato à Presidência da República, em 2014.

A estreia de FH na nova função está marcada para hoje, em Belo Horizonte, onde ele abre um ciclo de palestras encomendadas pelo PSDB mineiro para reafirmar a candidatura de Aécio. Desde dezembro do ano passado Fernando Henrique defende, publicamente, a candidatura do mineiro ao Planalto.

O roteiro de FH para "apresentar" o senador tucano como candidato continua em março, desta vez em São Paulo, também em evento do partido.

– Não tem uma programação a longo prazo. Mas tem alguns eventos marcados com a presença do Fernando Henrique. Afinal, o presidente é uma referência e é bem recebido aonde vai – diz Aécio.

O PSDB passou a reconhecer publicamente o legado de FH em junho de 2011, quando o ex-presidente completou 80 anos. Na ocasião, a presidente Dilma Rousseff enviou carta ao tucano em que reconhecia sua "contribuição decisiva" para o desenvolvimento do país, quebrando um paradigma de ataques imposto pelo PT a FH. Antes, candidatos tucanos à Presidência, José Serra, em 2002 e 2010, e Geraldo Alckmin, em 2006, nunca citaram o governo de FH nas respectivas campanhas.

Em 2006, por exemplo, Alckmin, atual governador de São Paulo, não defendeu as privatizações da Era FH. Na época, o PT carimbou o PSDB de "privativista". Passados sete anos, os tucanos reconhecem o erro e prometem recuperar o que chamam de "herança bendita" dos oito anos de governo de FH (1995 a 2002).

Campanha deve ganhar fôlego a partir de maio

Responsável pela organização do ciclo de palestras "Minas Pensa o Brasil", que terá FH como protagonista, o deputado Marcus Pestana (MG), presidente do PSDB mineiro, observa que o ex-presidente não vai participar do dia a dia da campanha de Aécio.

– Ele é um bom cabo eleitoral e vai se envolver na medida certa na campanha. Fernando Henrique é o melhor intérprete do Brasil contemporâneo – argumenta o tucano.

Pelo cronograma em gestação, a campanha de Aécio vai ganhar fôlego a partir da convenção do PSDB, em maio, quando deverá ser eleito para presidir a legenda. O pontapé inicial da campanha ocorrerá entre os dias 23 de maio e 1.º de junho, quando serão exibidos 40 comerciais, de 30 segundos cada, com propaganda tucana. Aécio também será a estrela do programa de 10 minutos que vai ao ar em maio.

De olho em 2014

Pelo menos quatro nomes já atuam nos bastidores para eleição presidencial:
- Dilma Rousseff, presidente
- Aécio Neves, senador
- Eduardo Campos, governador de Pernambuco
- Marina Silva, ex-senadora

Fonte: Zero Hora (RS)

O embate Lula x FHC na campanha

SÃO PAULO - Após se enfrentarem nas eleições de 1994 e 1998, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso voltarão a protagonizar a disputa pelo comando do País. Serão os padrinhos dos candidatos do PT, Dilma Rousseff, e do PSDB, Aécio Neves, em 2014.

Nesse período de duas décadas, Lula não deixou o palanque. A novidade, agora, é o resgate de FHC pelos tucanos. Aécio assumiu o discurso de defesa da gestão do fundador do PSDB, algo que os dois últimos candidatos do partido - José Serra e Geraldo Alckmin - não fizeram abertamente nas campanhas de 2002, 2006 e 2010, vencidas pelos petistas. FHC, apresentado como "o pai do Plano Real" e da estabilização econômica brasileira, vai correr o País para promover o senador mineiro num momento delicado para o governo petista, de baixo crescimento do PIB - algo que pode se tornar um dos principais percalços da campanha à reeleição de Dilma.

Já Lula será o principal articulador político da campanha de Dilma com um discurso de comparação com o governo tucano, inclusive no que se refere a desempenho econômico, apresentando números favoráveis à gestão petista no Planalto. Vai voltar a explorar, inclusive, a rejeição a medidas como as privatizações. A atuação dos dois ex-presidentes reforça a polarização entre PT e PSDB, que marca as disputas pelo Palácio do Planalto desde 1994.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Sucessão passa pelas centrais

Repasses da União crescem 146% em quatro anos, e, em Minas, centro de apoio recebe investimento

Polarização nacional deve resultar em "guerra sindical" até outubro de 2014

Guilherme Reis

A relação entre os principais partidos brasileiros e as centrais sindicais é de simbiose. PSDB e PT garantem às entidades sustentação financeira. E a "atenção" com o movimento trabalhista nacional garante trunfos, em forma de militância, para a provável polarização no pleito presidencial de 2014, encabeçada pelo senador Aécio Neves e pela presidente Dilma Rousseff.

Em 2008, por decisão do então presidente Lula, as centrais sindicais passaram a receber 10% das receitas originárias do recolhimento do imposto sindical. Desde então, Dilma não só manteve os repasses, como mais do que dobrou os valores destinados às instituições. Há cinco anos, o aporte foi de R$ 65 milhões. Em 2011, chegou a R$ 124 milhões e, em 2012, alcançou, aproximadamente, R$ 160 milhões.

Em 2010, Aécio, que era governador de Minas Gerais, firmou uma parceria com a Força Sindical para a criação do Centro de Solidariedade e Apoio ao Trabalhador (CSAT). O convênio foi mantido na gestão de Antonio Anastasia até o fim do ano passado. A iniciativa recebeu aportes de R$ 8,3 milhões.

Em São Paulo, outro importante reduto tucano, a Força Sindical também obteve repasses do governo de Geraldo Alckmin (PSDB). Os sindicalistas angariaram, por exemplo, em 2012, R$ 100 mil para promover o Momento Itália-Brasil na capital paulista.

O deputado federal e presidente do PSDB de Minas, Marcus Pestana, admite que o sindicalismo no país é uma bandeira que não pode ser deixada de lado para as pretensões de qualquer projeto de governo. "Claro que a presença dos sindicatos nos partidos é relevante. Eles alcançaram um nível elevado de representação. Queremos continuar fortalecendo o setor com nossas políticas", reconheceu.

Pestana explica que a aproximação do PSDB com o movimento começou com a chegada de Aécio ao governo de Minas. "O Aécio sempre se preocupou com a representação dos trabalhadores. Desde seu primeiro mandato, ele chamou os principais sindicatos para conversar e participar das decisões do governo".

O deputado federal petista Miguel Corrêa ressalta que sua legenda vai continuar lutando ao lado dos trabalhadores. "O sindicalismo está na raiz do PT. Nós não vamos abandonar essa bandeira. É muito importante que o governo federal siga atendendo às demandas das categorias", observou.

Análise. O cientista político Rudá Ricci acredita que todas as disputas sindicais já estão evidenciando o embate entre o PSDB e o PT. Na visão dele, até a eleição para o Planalto, no próximo ano, acontecerá uma "guerra sindical". "Tudo está atrelado a 2014. Os partidos perceberam a força dos sindicatos e estão cada vez mais presentes nas entidades. Nós próximos anos, nós vamos presenciar uma verdadeira guerra sindical", prevê.

O pesquisador observa ainda que, se o PSDB for derrotado na disputa nacional, o partido "será forçado a fazer uma modernização em sua estrutura, o que deverá abrir mais espaço para sindicalistas na legenda".

Pedetista assume pasta e promete diálogo e ouvidoria

Além da fundação do PSDB Sindical, em 2011, o governo de Minas tenta seduzir o movimento trabalhista no Estado, com a nomeação do deputado federal Zé Silva (PDT) para comandar a Secretaria de Trabalho e Emprego.

A manutenção de um quadro pedetista à frente da pasta é estratégica para que o PSDB estreite os laços com as centrais. A legenda de Zé Silva também tem relação histórica com a luta dos trabalhadores no Brasil.

Em seu discurso de posse, no começo do mês, o secretário evidenciou que os movimentos sindicais terão espaço de diálogo com o governo. "Uma prioridade é a necessidade de modernização das relações trabalhistas, buscando uma maior participação dos movimentos
sociais e da ação sindical nesse processo", prometeu.

Zé Silva garante que sempre teve um relacionamento "muito bom com os trabalhadores e que isso continuará durante sua gestão". O secretário afirma ainda que vai criar uma espécie de ouvidoria sindical dentro da pasta. "Nós queremos fortalecer o sindicalismo e, para isso, vamos criar um canal direto com eles na secretaria".

O deputado também ressalta que a vai tratar as centrais sindicais da mesma maneira, independente dos partidos que as estejam apoiando. "Não vamos fazer da secretaria um centro de representação partidária. De forma nenhuma pode haver um choque de interesses entre pessoas que tem a mesma de luta por direitos".

Braço do PSD envolveu a UGT

Não é só o PSDB que tenta atrair lideranças trabalhistas. O PSD também criou seu braço sindical. O presidente nacional do partido, criado em 2011, Gilberto Kassab, não perdeu tempo e criou o núcleo sindical da legenda juntamente com o nascimento da sigla. O PSD se aproximou da União Geral dos Trabalhadores (UGT), que é a terceira maior central do país.

O presidente da entidade sindical, Ricardo Patah, inclusive, é filiado ao PSD. Criada em 2007, UGT já conta, atualmente, com mais de 1.500 sindicatos filiados.

Em Minas Gerais, a União Geral dos Trabalhadores também possui laços estreitos com a legenda. O presidente da central no Estado é o deputado federal Ademir Camilo (PSD). O parlamentar tomou posse na entidade em 2011. A cerimônia contou com a presença do ex-prefeito de São Paulo.

A iniciativa de Kassab é parecida com a do PSDB: filiar-se a uma representação social numerosa. A diferença é que a nova legenda apoia o PT na esfera federal, o que garante a seus caciques a possibilidade conquistar apoio de outras centrais sindicais.

Fonte: O Tempo (MG)

Desafio de ideias

Candidatos ao Planalto em 2014 encontram dificuldade em apresentar propostas novas para o futuro da economia. Por enquanto, tucanos e petistas só trocam acusações

Paulo de Tarso Lyra

Os embates entre PT e PSDB na última semana mostraram que os prováveis rivais na eleição presidencial de 2014 duelam, até o momento, entre a “paternidade do povo” e a autoria das medidas econômicas. O PSB, aliado do governo mas que ensaia um voo solo com Eduardo Campos no ano que vem, tem dificuldades em apresentar alternativas e Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, não expôs qualquer plataforma econômica, apenas a certeza de que o desenvolvimento se dará dentro dos parâmetros da sustentabilidade.

Enquanto isso, diante da dificuldade dos futuros presidenciáveis em unir os dois conceitos (econômicos e sociais), o Produto Interno Bruto (PIB) derrete — na sexta-feira deve ser anunciado um resultado pouco melhor do que 1% — , a inflação beira os 6% e o câmbio prejudica as empresas exportadoras. Em 2010, o debate econômico e o aprofundamento das propostas para o país foi prejudicado por denúncias de espionagem de candidatos e por um segundo turno dominado pela polêmica em torno do aborto. Até o momento, o cenário segue sombrio.

Analistas esperam ainda as propostas alternativas. Os economistas já apontaram que a estratégia do PT de desonerar produtos para estimular o consumo estão saturadas devido ao alto nível de endividamento das famílias. O caminho seria uma atenção maior às obras de infraestrutura, ainda emperradas pela timidez e desconfiança da iniciativa privada quanto ao intervencionismo do governo. Já o PSDB esbarra em crescimentos baixos nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Além disso, os tucanos não conseguiram se livrar da pecha de privatistas que o PT lhes impôs nas últimas três eleições presidenciais — 2002, 2006 e 2010.

Enquanto ações concretas não são apresentadas, a batalha de palavras é a tônica da antecipação da campanha eleitoral. Na última quarta-feira, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, questionou o tucano Aécio Neves (PSDB-MG), alegando que, em meia hora de discurso, o provável candidato de oposição a 2014 não havia proferido as palavras povo, gente e pessoa. O aparte não foi descontextualizado. Lindbergh está sob a tutela do marqueteiro João Santana e sabia que o evento de celebração dos 10 anos do PT à frente do governo federal naquela noite seria “do povo, pelo povo e para o povo”.

Secretário de Organização do PT, Paulo Frateschi acusou os tucanos de apontar erros e problemas onde eles não existem. Uma das críticas de Aécio, por exemplo, foi em relação à ausência do câmbio flutuante, utilizado pela equipe econômica como uma maneira de controlar a inflação. “Todos os países regulam o câmbio em momentos de crise, por que não podemos fazer o mesmo?”, questionou Frateschi.

Outra reclamação da oposição apontada por Frateschi é o baixo crescimento do PIB em 2012, que deve superar pouco os 1%. “Os Estados Unidos estão se recuperando, mas a Europa ainda está afundada na crise. Nossos parâmetros de crescimento dos próximos anos devem ser esses mesmo, 2%, 2,5%. Muito longe da recessão que afeta outros países”, defendeu o secretário de organização do PT.

Ele afirma que a oposição se esconde atrás do debate econômico — “inventando muitas vezes coisas como o risco de um racionamento de energia” — porque não consegue ter uma ligação direta com o povo e não apresentou, nos tempos em que esteve no poder, propostas ou projetos que permitissem a inclusão social dos pobres. “Nessa área não dá para concorrer com o PT, nós damos um show neles”, enalteceu Frateschi.

Adaptações

O secretário-geral do PSDB, Rodrigo de Castro, nega que o discurso de Aécio Neves na última quarta-feira — no qual apontou 13 fracassos do governo do PT, a maior parte deles na área econômica — esteja desconectado da realidade. “Claro que precisaremos fazer algumas adaptações durante a campanha eleitoral. Mas estamos diante de um desastre econômico e temos que mostrar isso à população”, justificou.

Para Castro, o PSDB não pode se concentrar apenas no debate econômico. “Quando chegar o horário eleitoral, não poderemos ficar só falando de juros, de inflação e de economia para os eleitores. Mas precisamos mostrar como isso afeta o dia a dia deles”, lembrou o tucano mineiro. Logo após o discurso de Aécio, os senadores Cássio Cunha Lima (PB) e Aloysio Nunes Ferreira (SP) saíram em defesa do correligionário. “Os petistas, mais uma vez, mostraram a sua incapacidade de ouvir”, afirmou Cássio. “Esse não foi um discurso eleitoral, esse se dará no momento certo. O discurso de Aécio foi um discurso político apropriado para o momento”, completou Aloysio Nunes Ferreira.

Um dos principais defensores da candidatura própria do PSB à presidência em 2014, o deputado federal Júlio Delgado (MG) criticou o anúncio feito pelo governo federal, na semana passada, de ampliar o valor do Bolsa Família na tentativa de erradicar os últimos resquícios da miséria extrema do Brasil. “Depois de 10 anos no governo, o êxito seria provado se o PT estivesse diminuindo os recursos do Bolsa Família, não aumentando a dependência das pessoas”, completou Delgado.

Os argumentos

Confira o discurso econômico dos partidos

O PSDB afirma que
» PT sucateou as empresas estatais
» Jogou no lixo o tripé macroeconômico — câmbio flutuante, metas de inflação e superavit primário — criado durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso
» Loteou os cargos públicos, tirando a meritocracia e a eficiência da máquina pública brasileira

O PT afirma que
» O PSDB está desconectado do povo
» Os governos de Dilma e Lula permitiram a ascensão de 40 milhões de pessoas das classes D e E para a classe C, sucedendo um governo elitista
» O PSDB pratica um discurso terrorista ao afirmar que existe risco de racionamento de energia

O PSB afirma que
» Existe insegurança por parte dos investidores
» O governo do PT provocou um afrouxamento no modelo econômico que deu certo até agora
» O PSDB não consegue planejar políticas sociais que resolvam a questão da desigualdade

Discurso desafinado

A 19 meses das eleições, os possíveis candidatos à Presidência da República não conseguiram unir as duas pontas do discurso: a economia e o social. É verdade que o mundo inteiro sofre os efeitos da crise financeira internacional. Mas também é fato que boa parte das fragilidades enfrentadas atualmente pelo Brasil decorre dos exageros cometidos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reajustando salários, desonerando setores e permitindo um afrouxamento do modelo econômico no afã de eleger como sucessora a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

O PSDB, por outro lado, é o responsável pela implantação do regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superavit primário, que tiraram o país do obscurantismo econômico e permitiram um mínimo de planejamento a longo prazo. Mas o próprio PSDB reconhece que a marca social da inclusão é inerente ao PT, com o deslocamento de 40 milhões para a classe C e outras políticas como o Prouni.

E o PSB? Está ao lado do governo desde 2003 e, a rigor, quase sempre marchou ao lado do PT. Agora que prepara o desembarque, estuda qual o melhor momento para a saída. Se for com a economia em frangalhos, pode ser acusado de traição. Se ajudar na recuperação do país ao longo de 2013, terá pavimentado o caminho da reeleição de Dilma.

Por fim, Marina Silva e o novo partido terão uma longa batalha até outubro para se concretizarem perante o TSE. Até o momento, Marina tem a marca do desenvolvimento sustentável — sem apontar caminhos para tal — e da ética. Em 2010, quando as grandes questões do país não foram discutidas, essas duas bandeiras bastaram. Será que serão suficientes em 2014?

Fonte: Correio Braziliense

Atento a 2014, Eduardo expõe suas ideias

Governador participa no Recife de debate Diálogos Capitais, promovido por revista de circulação nacional.

Eduardo na agenda de debates para 2014

Junto com Jaques Wagner (PT-BA), governador fala hoje para empresários em seminário da Carta Capital. Cid Gomes, do PSB do Ceará, cancelou participação

Depois de realizar o seminário Juntos por Pernambuco, no qual falou para os prefeitos pernambucanos em Gravatá, o governador Eduardo Campos (PSB) discursa hoje para empresários que atuam no Nordeste no ciclo de debates Diálogos Capitais, promovido pela revista Carta Capital, no Mar Hotel, em Boa Viagem. O socialista tem utilizado eventos do gênero para projetar o seu discurso nacional, principalmente em defesa de um novo Pacto Federativo. Hoje, ele fará a abertura do encontro, que tem como tema Nordeste: As Dores do Crescimento.

O governador Jaques Wagner (PT-BA) também é convidado. Um dos membros do PT que já chegaram a sugerir Campos na vice da presidente Dilma Roussef em 2014, Wagner se encontra a portas fechadas com o governador por volta das 18h, logo após a sua palestra. Também convidado, o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), cancelou a vinda ao Recife e mandará um representante. Segundo informação da assessoria do encontro, o motivo foi uma audiência em Brasília, marcada de última hora.

Cid vem tendo uma posição contrária à candidatura presidencial de Eduardo em 2014. Defende que o PSB apoie a campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) e deixa o projeto nacional para outra oportunidade. Já Eduardo, mesmo não assinalando de público, abertamente, que é candidato, tem ocupado grande espaço na mídia com esse projeto. Reportagem da revista Veja desta semana, inclusive, traz uma declaração atribuída a ele, segundo fonte ouvida pela revista, que não deixa dúvida desse projeto: "Não só sou candidato, como corro o risco de ganhar", teria dito o governador e presidente nacional do PSB.

Outro presidenciável também começa a semana participando de debate, só que em Belo Horizonte: é o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o senador discursará para a militância tucana no evento Minas Pensa o Brasil, que deve estabelecer a nova agenda nacional dos tucanos. Esse também é um evento estratégico para fortalecer o nome de Aécio como principal aposta da oposição para 2014.

Fonte Jornal do Commercio (PE)

Cúpula do PSB entra em rota de colisão com Walfrido

Caio Junqueira

BRASÍLIA - O PSB cogita intervir no diretório do partido em Minas Gerais, Estado crucial para o projeto nacional do governador de Pernambuco e presidente nacional da legenda, Eduardo Campos.

Antigos amigos, o presidente estadual da sigla, Walfrido dos Mares Guia, e o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), não se relacionam desde a reeleição deste, em 2012. O motivo é que Walfrido articulou até o último instante uma coligação do PSB com o PT, mas Lacerda acabou por se aliar ao PSDB.

Em razão disso, Walfrido sequer participou da campanha. Quando entrou, foi para patrocinar jantar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o adversário de Lacerda, Patrus Ananias (PT). Procurado pelo Valor, Mares Guia não retornou os telefonemas da reportagem.

Nos cálculos do PSB, se a coligação tivesse sido feita nos moldes de Walfrido, o PSB, além de perder a prefeitura, reduziria o número de vereadores de quatro para dois; e o PT aumentaria de cinco para 10. Sem a coligação, o PSB aumentou de quatro para seis e o PT manteve cinco.

O problema agora tem nuances nacionais. Walfrido é dos políticos mais próximos de Lula, de quem foi ministro do Turismo e das Relações Institucionaos. Sua ida ao PSB em 2009 teve a influência de Lula e o aval do ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, de quem Márcio Lacerda é muito próximo. Ciro é adversário interno de Eduardo Campos no PSB e defensor do apoio da legenda à reeleição da presidente Dilma Rousseff.

A permanência de Walfrido no cargo tem sido contestada pela base mineira do PSB e por integrantes do PSB nacional. Por diversos fatores. O mais relevante: por ser mais lulista do que pessebista, Walfrido pode atuar internamente contra a candidatura de Campos em 2014. Outro ponto: ele foi coordenador da campanha de Eduardo Azeredo (PSDB) em 1998 e, por isso, é réu do mensalão mineiro. Isso entra em confronto com a agenda eleitoral pretendida por Campos, focada na gestão e na ética. Por fim, avalia-se que lhe falta legitimidade para continuar no cargo. Ele era vice de Márcio Lacerda, que alegou incompatibilidade da função partidária com a de prefeito.

O diretório de Minas do PSB é uma comissão provisória prorrogada "por tempo indeterminado", o que possibilita intervenção a qualquer instante. Na próxima semana, Walfrido estará em Brasília para uma conversa com a direção do partido. Há a possibilidade de ele mesmo deixar o PSB de forma espontânea, o que configuraria a melhor saída, já que um brusco rompimento com Walfrido pode ser prejudicial a Campos por fragilizá-lo ainda mais no ambiente petista.

Isso porque Walfrido pode ser peça fundamental no xadrez eleitoral de 2014. Se Campos for candidato, é uma ponte direta com a campanha de Dilma, os tradicionais pactos de não-agressão no primeiro turno e os acordos acerca da "governabilidade" no segundo turno. Se Campos não for candidato, pode ser mais um a defender a vice na chapa de Dilma.

Mas essa conversa é para 2014. Para 2013, a saída de Walfrido agradaria a Márcio Lacerda e teria por efeito paralelo a tentativa de maior aproximação política com a cúpula partidária, tendo em vista que o prefeito de Belo Horizonte é considerado no meio político muito mais ligado ao presidenciável tucano Aécio Neves (MG) do que a Campos. Na eleição para a Câmara dos Vereadores, assegurou apoio a um tucano -embora o vencedor não tenha sido o seu preferido da bancada do PSDB. Os tucanos garantem que Lacerda estará com Aécio em 2014. Em conversa recente com um pessebista, o prefeito de Belo Horizonte assegurou não ter ainda compromisso político com ninguém. Em um primeiro instante, soou bem. Mas depois, a dúvida: já não deveria ter compromisso com o presidente do seu partido?

Eduardo Campos, contudo, não pode fazer movimentos tão ousados com Lacerda. Trata-se do prefeito do quinto maior colégio eleitoral e capital do Estado comandado por Aécio desde 2003. Por isso, aceita qualquer indicação sua. Sua preferida é a secretária-geral do PSB da capital mineira, Maria Elvira Salles.

Só que esse acerto teria de passar pelo interior, que se sente alijado do processo. O deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG), com base eleitoral no sul de Minas, ainda não foi consultado. Tem metade dos 34 prefeitos mineiros eleitos em 2012 e seu grupo avalia que entre o "petista" Walfrido e o "tucano" Lacerda, o melhor é alguém ligado ao projeto de Campos em 2014 e que acerte o tom do partido no Estado.

A gestão de Walfrido é considerada positiva pela cúpula do PSB. O partido cresceu. Mas agora precisa se alinhar e atuar coeso. Um bom exemplo do descompasso é a posição de Waldo Silva, ex-presidente do diretório mineiro, quadro histórico do partido e amigo de Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco e avô de Campos. Em 2012, Silva liderou dissidência para apoiar Patrus, sem que isso eliminasse sua posição crítica a Walfrido.

Fonte: Valor Econômico

Ciro Gomes diz que Campos não tem visão do país

Daniel Carvalho, Paulo Peixoto

SÃO PAULO, BELO HORIZONTE - O ex-ministro Ciro Gomes (PSB) abriu uma crise em seu partido ao usar o espaço que tem como comentarista esportivo numa rádio cearense para criticar o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), possível candidato à Presidência.

À rádio "Verdes Mares", Ciro disse que nem Campos nem os demais prováveis candidatos Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva têm proposta para o país.

"O Eduardo não tem estrada ainda. Não conhece o Brasil. O Aécio não conhece o Brasil. A Marina Silva representa uma negação ética, uma negação desses maus costumes, mas não representa a afirmação de rigorosamente nada", disse.

"Eduardo Campos, Aécio Neves e Marina não têm nenhuma proposta, nenhuma visão", afirmou Ciro.

As falas causaram revolta no PSB. Um assessor de Campos disse à Folha que os irmãos Ciro e Cid Gomes, governador do Ceará, são uma corrente "marginal" na sigla e que se não estiverem dispostos a "se dobrar" à opinião do PSB, "só vai ter o caminho de sair".

O vice-presidente da sigla, Roberto Amaral, classificou a opinião de Ciro Gomes de "desinformada".

Fonte: Folha de S. Paulo

Lula inicia viagens para solidificar base aliada

Giro começa nesta quinta e inclui cidades onde PT foi derrotado por PSB

Objetivo é percorrer o país para começar a articular apoios à reeleição de Dilma Rousseff em 2014

Diógenes Campanha

SÃO PAULO - O ex-presidente Lula começa, na próxima quinta, um roteiro de viagens para intensificar a articulação com a base aliada em torno de Dilma Rousseff, lançada por ele na semana passada à reeleição.

A proposta é que Lula percorra ao menos dez Estados até maio. Nesta semana, ele participa, em Fortaleza, do primeiro seminário da série programada pelo PT para celebrar os dez anos do partido no governo federal. O governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), convidado para o seminário, acompanhará Lula em outros compromissos.

Na sexta, o petista receberá, em Redenção (55 km de Fortaleza) o título de doutor honoris causa da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), instituição federal criada durante seu mandato no Planalto. Lula também abrirá uma reunião do diretório nacional do PT em Fortaleza e se encontrará com dirigentes no Nordeste.

A presença de Cid Gomes é estratégica. "Ele não está totalmente alinhado ao vizinho de Pernambuco", diz o secretário de organização do PT, Paulo Frateschi, referindo-se ao presidente do PSB, Eduardo Campos.

O Estado de Eduardo Campos não aparece na primeira proposta de roteiro dos seminários. Frateschi diz que Pernambuco será incluído após uma negociação de datas.

"Nós queremos eles conosco em 2014. Eles é que vão ter de dizer se não querem estar com a gente", diz Frateschi.

O giro passará por pelo menos três cidades onde o partido foi derrotado pelo PSB na última eleição: Fortaleza, Cuiabá e Belo Horizonte, para onde deve ser transferido o evento marcado para Contagem. Em BH, o prefeito Marcio Lacerda (PSB) teve como principal cabo eleitoral à reeleição o tucano Aécio Neves.

Fonte: Folha de S. Paulo

Vale a pena? - Alfredo Sirkis

Confesso que hesitei em me envolver novamente com um partido, 27 anos depois de ter fundado com Fernando Gabeira, Carlos Minc, Hebert Daniel e Lucélia Santos o PV, que presidi durante oito anos, representei como candidato presidencial, em 1998, e cujo manifesto e programa redigi. Na cultura política brasileira, resultante do sistema eleitoral que temos, os partidos tendem a ser meras "legendas" para o somatório aritmético dos votos dos aspirantes a uma carreira política individual. Perderam a função de portadores de alguma visão de mundo a ser colocada na arena cívica, veículos de algum programa de governo ou escolas de formação política.

Como se diz vulgarmente: aqui o buraco é mais embaixo. No atual sistema, da compra de voto e dos centros assistenciais, independentemente de quantos escândalos venham à tona, dificilmente teremos grande progresso. Apresentei na Câmara um projeto de sistema distrital misto plurinominal (grandes distritos) aparentemente sem grande chance de ser aprovado. Vivo atualmente um dilema em relação a continuar ou não na vida parlamentar/eleitoral. E, no entanto, me envolvo outra vez na criação de um novo partido... Por quê?

Marina Silva obteve em 2010 quase vinte milhões de votos. Da classe média "iluminista", da garotada de redes sociais, de um contingente imenso de mulheres pobres. Foi um voto de esperança mais que de "protesto", fora da política tradicional e favorável à sustentabilidade ambiental e ética, como denominador comum. O PV não soube aproveitá-lo; Marina, por sua parte, se precipitou - na minha opinião -, mas isso não vem mais ao caso.

O "x" da questão é que existe um contingente imenso de brasileiros que não aceita mais a política como ela vem sendo exercida, desconfia do mero desenvolvimentismo produtivista, comum aos grandes partidos, dá importância à questão ambiental e climática que eles praticamente ignoram - quando não hostilizam - e deseja mais transparência, decência e idealismo na vida pública brasileira.

Essa gente não quer uma via extremada, sectária, aspira ao que seria modernamente um centro radical. Será viável mais um partido, se já temos bem uns trinta? Vale a pena tentar algo assim? Me fiz esta pergunta meses a fio e, finalmente, me convenci que sim ao ponderar a alternativa: não fazê-lo. Deixar se perder, esvair, dispersar tudo aquilo que 20 milhões tentaram nos dizer, em 2010. Não lhes dar pelo menos a oportunidade de tentar algo novo. Sem ilusões ou fetiches penso que, afinal, vale a pena dispor desse instrumento de participação e que, além disso, é indispensável cultivar uma rede de cumplicidades e de coordenação com os melhores quadros nos outros partidos, na sociedade, nas instituições, nas empresas. A Rede, mais que um partido, é um estado d"alma.

Fonte: O Globo

Intolerância - Aécio Neves

"Não herdamos nada", disse a presidente Dilma no evento comemorativo dos dez anos do PT no governo federal.

O que à primeira vista pode parecer apenas arrogância esconde, na verdade, um estímulo à intolerância que começa a ficar cada vez mais evidente no discurso e na prática de setores do PT.

A tolerância é componente importante da vida política, assim como o respeito ao contraditório é pressuposto dos regimes democráticos: ambos garantem a convivência entre diferenças.

As recentes celebrações do petismo explicitaram com nitidez essa grave distorção.

Para muitos, trata-se de um traço do partido agravado pela posição defensiva que foi obrigado a assumir após a comprovação das irregularidades cometidas.

Até a legítima defesa de iniciativas do governo passou a vir embalada por desnecessária agressividade, refletindo projeto de poder apequenado pelos seus próprios interesses.

Ao mesmo tempo, talvez não por acaso, limites éticos e republicanos que ultrapassam o sentido formal da legalidade vão sendo atropelados. Foi o caso da presença da presidente em rede oficial de rádio e TV para atacar adversários.

Ao lado da defesa do controle da imprensa, ataques e calúnias que tentam destruir reputações, distribuídos nas redes sociais de forma orientada, transformaram-se em autêntica jornada contra instituições, como o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público e a imprensa; contra autoridades constituídas e forças políticas que militam em outros campos.

São outras faces dessa tendência, que tem como objetivo dificultar o debate democrático. Nunca é demais lembrar que a intolerância é a antessala do autoritarismo.

Acredito que esta postura, crescente em alguns setores do PT, pode ser explicada também pelo desconforto causado pela percepção da sociedade sobre as contradições entre o discurso do passado e as práticas do partido no presente.

Nesse sentido, fiz há poucos dias perguntas que, acredito, são de muitos brasileiros.

Qual PT celebra dez anos no poder? O que fez do discurso da ética durante anos a sua principal bandeira eleitoral ou o que defende em praça pública os réus do mensalão?

O que condenou com ferocidade as privatizações conduzidas pelo PSDB ou o que as realiza hoje sem nenhum constrangimento? O que discursa defendendo um Estado forte ou o que fragiliza empresas públicas nacionais, como a Petrobras e a Eletrobrás?

O que ocupou as ruas lutando pelas liberdades ou o que, no governo, apoia ditaduras e defende o controle da imprensa? O PT que considerava inalienáveis os direitos individuais ou o que se sente ameaçado por uma ativista cuja única arma é a sua consciência?

Qual?

Aécio Neves, senador (PSDB-MG)

Fonte: Folha de S. Paulo

Segundos dentro! Combate! - José Roberto de Toledo

Lula montou o ringue de 2014, escolheu os adversários e deu ordem de combate. No “corner” vermelho, com a maioria absoluta do tempo de propaganda na TV, Dilma Rousseff (PT); com luvas azuis e amarelas e nove minutos a menos do que a rival, Aécio Neves (PSDB). À diferença do boxe, nesta eleição presidencial todos os segundos ficam dentro do ringue: Lula e o cronômetro, no canto de Dilma; FHC, no de Aécio. Quem ganha mais?

Do jeito que está armada, a briga é desigual. Com as alianças partidárias em vigor, triplicará a vantagem de propaganda da petista, em comparação ao candidato do PSDB. Nas contas sempre precisas do jornalista Daniel Bramatti, Dilma teria 12 minutos e 51 segundos por bloco de 25 minutos de propaganda eleitoral, contra apenas 3 minutos e 45 segundos de Aécio. Isto é: 3 minutos e 25 segundos da petista para cada minuto do tucano. Para ter uma ideia do que isso significa, em 2010 José Serra (PSDB), com 69% do tempo de TV de Dilma, recebeu o equivalente a 70% dos votos da petista no primeiro turno. No cenário atual, Aécio teria 49% menos tempo do que Serra teve na TV, e Dilma, 21% a mais do tempo que desfrutou quando foi eleita presidente. Faça as contas.

A menos que, como na luta livre, outros entrem no ringue junto com o tucano e contra a petista, é alta a chance de nocaute no primeiro turno. As entradas de Marina Silva (sem partido), pelo canto verde-amarelado, e de Eduardo Campos (PSB), pelo vermelho desbotado, não dão nenhum segundo a mais de TV a Aécio, mas obrigariam a defensora do título a batalhar em mais de üma frente. Cresce a chance de levar a decisão para o segundo turno. Mais do que qual ex-presidente está no “corner” de quem, importam para os presidenciáveis quais partidos vão ajudá-los a somar os minutos de que tanto precisam para aparecer na TV e no rádio, tornarem-se conhecidos e terem alguma chance de convencer o eleitor de que são a melhor escolha na hora de votar em 2014.

Por ora, eis o que Dilma tem no seu cronômetro, além dos 2 minutos e 49 segundos do PT: 2’26” do PMDB; 1’19” do PP; 1’10” do PR; 44“ do PDT; 38” do PTB; 27” do PC do B e do PSC; 15” do PRB, o témpo de nanicos;e, novidade da próxima eleição, o 1’39” do PSD. Tudo isso somado aos cerca de 50 segundos a que todo presidenciável deve ter direito e ela chega a 12’51” de 25’. É um arco de tempos e forças bem mais poderoso do que o de 2010.
Enquanto isso, Aécio conta com os 1’43” do PSDB; OS 46” do DEM; os 15” do PPS; e se tiver, digamos, sorte, com os segundos de alguns nanicos. Não chega a quatro minutos. É insuficiente, mas é melhor do que a situação das “costelas do projeto petista”, como o tucano chamou as candidaturas de Marina e Eduardo Campos.

Se tiver só o PSB a apoiá-lo, o governador de Pernambuco apareceria por apenas 1 minuto e 54 segundos a cada bloco de propaganda na TV. E Marina Silva, mesmo que atraia toda a bancada do PV para a sua rede, não passaria de 1’11” — ou 11 segundos a menos do que apareceu na campanha de 2010. Campos e Marina estariam à mercê das circunstâncias. Por causa dessa divisão de tempo inviável para a oposição, os primeiros rounds da luta presidencial serão necessariamente pela busca de alianças partidárias que desarrumem o “corner” de incumbente. Não foi à toa que Lula correu para assegurar ao PMDB seu lugar na chapa como vice de Dilma e garantir seus quase dois minutos e meio para a pupila.

Pela quantidade de segundos que têm a barganhar, PSD, PP e PR devem ser os próximos a serem cortejados, tanto por petistas quanto por tucanos. Por essa lógica, aumenta a probabilidade de cargos no governo e verbas choverem nas hortas das três siglas. Mas não só para eles: PDT, PTB e PC do B devem criar dificuldades para vender facilidades ao governo - qualquer governo. Nesse jogo, Marina tem menos a oferecer.

As siglas que não quiserem ou não puderem se coligar a um nome da oposição sempre podem ameaçar lançar candidatura própria. Quanto mais candidatos a presidente, menor o tempo de TV de Dilma e melhor para quem quer derrotá-la. Na hipótese analisada neste texto, PSOL, PSTU, PCO, PCB, PSDC e PRTB também lançariam candidatos — além da atual presidente, de Aécio, Campos e Marina. Para cada novo partido que tiver candidatura própria, saem cerca de 50 segundos do bolo que é dividido entre os partidos com representação na Câmara e cujos apoios viram tempo de TV. Não é muito, mas cada segundo conta.

O tempo de TV não é tudo numa eleição. Se a confiança do eleitor-consumidor desabar, não há propaganda que seja capaz de convencê-lo a votar no candidato da situação. Ele vai querer mudar e escolherá alguém da oposição. Mas, mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, Dilma sai favorita e com um tempo de TV capaz de ajudá-la a se reeleger no primeiro turno. Cabe à oposição mudar isso e dar alguma emoção à disputa.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Questões de tempo e outras - Wilson Figueiredo

Não é de hoje que o Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e o Senado, fatura a fama de instituição nacional menos confiável entre as demais. Não é pouco, mas suficiente para agravar a questão subjacente no que se pode considerar, sem favor, impasse democrático brasileiro. E questão de tempo. A depreciação é política no que respeita à opinião pública, mas nas relações entre o Legislativo e o Executivo a conversa é outra. Inclui avaliações menos dignas e comprometedoras. Os custos nesse nível de mercado invisível não são contabilizados, mas embolsados sem cerimônia.

A aceitação resignada do que as pesquisas de opinião pública captam periodicamente acaba de ganhar base de sustentação científica graças ao levantamento, em parceria, das Nações Unidas com a União Interparlamentar (UIP). Com a assinatura de Paulo Gama, a Folha de S.Paulo trouxe a público a questão, que teve vôo curto no noticiário. O carnaval era esperado com sofreguidão açambarcadora. Destaque para o Brasil, ávido de notoriedade e honrado com o segundo lugar em matéria de gastos com a atividade parlamentar de deputados e senadores.

Obviamente não consta das pesquisas o inesgotável desgaste político da instituição parlamentar como pano de fundo para outras considerações. Entre 110 países cuja representação parlamentar custa os tubos, mais caros do que os parlamentares brasileiros, só os americanos, que devem ter outras razões e condições que as justifiquem.

Não consta do levantamento que a representação política brasileira já é a instituição de menor credibilidade junto à opinião pública, sem necessidade de conferir a relação de causa e efeito entre o que é de ofício e o que se processa por fora, Nem cuida dos aspectos correlatos nos Estados Unidos, que bancam o primeiro lugar em matéria de custos e, por certo, também benefícios. Não é a democracia que custa caro, mas a herança de uma tradição em que a relação custo- benefício não se intromete. Eis um dos problemas à espera de solução ética, sem a qual a política entra em parafuso quando menos se espera. Já se tem visto mais de uma vez, aqui e alhures.

Não consta que, nos Estados Unidos, o Congresso esteja em baixa perigosa na opinião pública. Melhor ressalvar que o Brasil não comparece nas conclusões finais do documento, porque o Senado atrasou a remessa de dados (Freud pode explicar, sem ofender o brio parlamentar). A Itália, para ilustrar a questão, nem se dignou a dar as razões pelas quais nem quis participar da pesquisas. Esnobou. Deve tê-las, mas subentendido é melhor.

A repercussão do problema consolidado entre nós também teve caráter ocioso, pois a impopularidade acumulada do Congresso Nacional dispensa considerações à margem. Institucionalizou-se. A questão é que, para a mesma opinião pública aferida em pesquisas, a credibilidade das Forças Armadas se mantém intacta, bem acima de avaliação política. Tem a maior fatia de confiança do brasileiro. A interpretação é livre, seja a pessimistas e otimistas. A lição está no passado, nada a ver com o presente nem com o futuro. Mas dá o que pensar.

Um Congresso constituído de 594 parlamentares (dos quais 513 deputados e 81 senadores custam, cada um, 7 milhões e 400 mil dólares aos cofres públicos por ano), num país em que a renda per capita nem é citada, por pudor, o que pode levantar a credibilidade política junto aos cidadãos, inclusive os isentos de tributos ( por falta e não por privilégio), é a respeitabilidade da ética no trato do interesse público, e não na margem em que a falta de vergonha perdeu o respeito pela cidadania.

Mandatos parlamentares que, além dos salários e benefícios exclusivos de
senadores e deputados, se abastecem de múltiplos recursos para o exercício da rotina, chegam a 22% do Orçamento da Câmara. Não há razão para um deputado, por exemplo, contratar 25 assessores, como se fosse um harém. Nem aritmética exclusiva para ratear a quantia por um número menor de beneficiários, sem falar nas variantes em que parte da remuneração de terceiros volta ao bolso do titular.

Talvez esta seja oportunidade aproveitável, antes da renovação parlamentar do ano que vem, para trazer à consideração do eleitor o que tem sido desconsideração política institucionalizada: os costumes ganham peso desgastante e pedem mais do que denúncias e considerações ociosas. Afinal, o cidadão é vítima, mas também responsável, por falta de atenção e de rigor na hora de dar o seu voto a candidatos que o tratam como categoria inferior de cidadania.

Com a palavra quem se dispuser a pedi-la para dizer verdades, e que não sejam candidatos nem ao mercado paralelo em que se vendem promessas para não cumpri-las. O eleitor é quem tem de falar, discutir e botar as cartas na mesa. O jogo já começou.

Fonte: Jornal do Brasil

Os duelistas - Melchiades Filho

Há propósito em Dilma romper o pacto de não-agressão com FHC e, no lançamento da campanha à reeleição, definir o PSDB como principal adversário. E em Aécio Neves, no mesmo dia, subir à tribuna do Senado para apontar erros da gestão petista e finalmente assumir sua candidatura.

O cenário confuso, com tantos atores se mexendo, empurra os antigos rivais à zona de conforto. Batem um no outro porque precisam um do outro -e talvez já nem façam mais tanto sentido um sem o outro.

Ao fustigar os tucanos, Dilma desfez o rumor de que Lula tentaria a sorte em 2014 e passou a liderar o noticiário da sucessão -do qual, curiosamente, estava quase excluída.

Não convinha ao Planalto que Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB) recebessem toda a atenção. Até porque, para decolar, eles terão forçosamente de questionar o PT e o governo que um dia apoiaram.

Dilma mostra que está viva ao bater no PSDB. Delimita os campos e pressiona os demais partidos da base a escolher um lado -o dela.

Além disso, os tucanos têm sido presa fácil. A militância petista já roda no automático os ataques a FHC. Para atingir Campos ou Marina, seria preciso um software novo.

Que ninguém estranhe se a presidente tentar replicar tal polarização nos Estados, a fim de vitaminar a chance de seus preferidos a governador -sobretudo em São Paulo.

A reforma ministerial, que ela começa a definir nesta semana, será um passo decisivo dessa estratégia.

A Aécio não resta senão aceitar o convite para dançar. Sua candidatura só será competitiva se atrair defecções no grupo governista. Por enquanto, ele não pode atacar nenhum partido que não o PT.

Daí o jogo duplo do mineiro na eleição de Renan Calheiros (PMDB) para o comando do Senado. Daí, também, seu esforço em manter aberta a porta para uma aliança de última hora com o PSB de Campos.

Fonte: Folha de S. Paulo

Ecossalsichas - Renato Lessa

A máxima de Bismarck é surradíssima, mas surrados também parecem ser os tempos que correm. Segundo o prócer da unificação alemã, salsichas e leis são coisas tais que não se recomenda saber e ver como são feitas. Verdade seja dita, muito tem sido feito com relação à qualidade das salsichas. E não é de agora: os judeus portugueses, sob o risco da Inquisição e para afastar suspeitas sobre sua real condição, faziam-nas recheadas de pão e alho, e não de carne de porco. Por fora, salsichas, digamos, bismarckianas, por dentro, deliciosas "alheiras", acompanhadas da sempre reconfortante sensação de não se estar a comer coisa impura.

Ao lembrar da iguaria luso-judaica, e da dialética de pureza/impureza ali manifesta, sou assaltado pela suspeita de que Abraham Lincoln, segundo Spielberg, pode ser considerado uma espécie de alheira da política. Com efeito, a substância de sua política - a 13ª Emenda à Constituição norte americana, que proíbe a escravidão - veio acompanhada de invólucros e práticas não totalmente estranhos às práticas legislativas brasileiras contemporâneas. Mas, será que alheiras políticas são duráveis? Será que é coisa segura pôr o invólucro a serviço da substância? Por vezes, é inevitável que se o faça: se o que está em questão é a proibição da escravidão, por exemplo, que se comprem deputados para tal. Não se trata, pois, de moralismo abstrato, mas de risco de passagem a um padrão de cultura política de predação, segundo o qual as chances da virtude dependem da homenagem que está disposta a conceder aos vícios. O passo seguinte pode ser representado não mais pela exigência de realismo, por parte das virtudes, mas pela aberta negociação conduzida pelos vícios entre si mesmos. Esse piso passa, então, a determinar as condições de "realidade": aqui está, por efeito de gravitação, o "grau zero" da política, o terreno a partir do qual tudo começa.

Seja lá como for, e retornando à complementaridade bismarckiana entre leis e salsichas, a impressão que se tem é a de que, no que diz respeito à manufatura legislativa, nada de comparável ao crescente cuidado com as iguarias embutidas tem sido feito. Isso a tal ponto que a metáfora, a rigor, não mais se sustenta. Salsichas, é forçoso dizê-lo, hoje são submetidas a processos de controle de qualidade superiores em regra aos que vigoram na dinâmica dos Parlamentos.

As recentes eleições para a direção do Congresso e para a liderança do PMDB na Câmara de Deputados bem atestam a percepção do estadista da unidade alemã. Com efeito, dada a complexidade culinária crescente e a natureza dos ingredientes envolvidos, nada melhor do que a supervisão de mestres salsicheiros de indisputada competência. Em jargão asséptico e politológico, trata-se de valorizar a "experiência", um juízo, na verdade, comprometido com os valores aí implicados, já que não se põem em discussão os fundamentos de tal "experiência". É como se "experiência" na política fosse algo que se acumula com o tempo e com o depósito de materiais naturais, e que não fosse ela mesma resultado de crenças, que nada têm de natural, a despeito de sua naturalização e de sua resiliência. Nesse sentido, a salsicharia de Bismarck tem a consistência de uma paisagem: passamos por ela e ela segue ali, sempre inteira e idêntica a si mesma.

Pois bem, a senadora Marina Silva acaba de lançar um movimento que visa à constituição de um novo partido, designado como Rede, no qual o tema da sustentabilidade ocupa lugar central. É injusto, no mínimo, dizer que a desconversa sobre ser de direita ou esquerda, de oposição ou de situação, e que devemos seguir em frente, assemelha-se à esperteza de Gilberto Kassab, cujo partido pré-abocanha postos ministeriais. De certo, há lá sinais de confusão programática e de vulnerabilidade a oportunistas. A própria ideia de reservar 30% das vagas nas listas partidárias para independentes soa como interessante, não fosse a lei eleitoral fundada no voto personalizado. As chances do indivíduo independente, sem máquina e sem arrecadadores de campanha, são modestas. Se fosse o caso de listas partidárias bloqueadas, e a depender da posição dos independentes nas mesmas, a coisa poderia resultar em algo, embora eu não saiba bem no quê.

A ideia de rede não é panaceia. Na verdade pode ser um mito encobridor da nossa imensa perplexidade diante da livre operação da salsicharia à antiga, assim como de nossas confusões. No entanto, pode soar como pouco honesto opor à iniciativa "pós-partidária" um arrazoado realista, sobretudo por quem tem por tal realismo pouca ou nenhuma estima. A despeito disso, há lugar para a inquirição séria: a que vêm os proponentes da iniciativa? Como imaginam estabelecer suas práticas de política líquida - livre, leve e solta - em meio ao chão de fábrica da salsicharia? O partido da sustentabilidade, se a coisa for séria, não poderá deixar de conceber e de mobilizar a chave da insustentabilidade dos padrões da culinária política vigente. Há, pois, um dever de elucidação. Do contrário, tudo não terá se limitado à modificação oportunista no âmbito da concorrência habitual.

Renato Lessa é professor titular de teoria política da Universidade Federal Fluminense, investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, pesquisador visitante no Centro Internazionale Primo Levi, em Turim

Fonte: Aliás / O Estado de S. Paulo

Nem de esquerda, nem de direita, muito pelo contrário -Eugênio Bucci

"Nem direita, nem esquerda", afirmou a ex-ministra Marina Silva no lançamento da Rede Sustentabilidade, em Brasília, no sábado 16 de fevereiro. Ela pretende transformar sua rede num novo partido político, que não será nem de situação, nem de oposição. "Se Dilma estiver fazendo algo bom, vamos apoiar. Se não, não. Parece ingênuo, mas não tem nada ingênuo."

Aí, você para e pergunta: como assim? Se essa tal rede não tem um lado, que posições ela tomará? Como pode um partido que não seja nem oposição, nem situação? Será um muro em cima do qual todos os ecologistas vão se aboletar? Ou será simplesmente uma ameba apartidária? Marina diz que não é nada disso. "Estamos à frente", diz. "Estamos indo para o mundo do paradoxo."

Se você não entendeu nada, espere um pouquinho mais. O mais espantoso na fala de Marina Silva é que ela pode ser, mais do que sincera, verdadeira. Um partido que não se deixe aprisionar por dogmas da esquerda ou da direita é possível. Mais ainda: um partido que não seja necessariamente de situação ou de oposição sistemática, e que saiba promover causa coletiva (o bem comum) acima de seus interesses imediatos, é necessário (ainda que pareça inacreditável). Não que a Rede Sustentabilidade seja um milagre, uma epifania verde. Está longe disso. Só afirmo que a intenção de estar à frente e acima dessa polarização pode conter uma novidade real, embora, de início, ela pareça apenas mais um eco da dissimulação ideológica tão característica dos palanques brasileiros.

Bem sabemos que a política pátria é feita por gente que vive dizendo não ser o que é. A começar pelos líderes de direita, que nunca se declaram de direita. Em 2011, o então prefeito paulistano, Gilberto Kassab, lançou sua nova legenda, o PSD, com um fraseado inesquecível. "O Partido Social Democrático não será de direita, não será de esquerda, nem de centro." Atenção para o detalhe: nem mesmo de centro. Em vez disso, seria "um programa a favor do Brasil". A favor do que mesmo? Em 2012, o PSD ensaiou apoiar a candidatura de Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo. Depois acabou apoiando José Serra. Em 2013, desenvolto e solto, se dá bem com o governo Dilma Rousseff e com o governador Geraldo Alckmin. O PSD está mesmo a favor do Brasil - e também das autoridades brasileiras e de tudo o mais. Eis aí um partido a favor de tudo.

Para Kassab, cujas origens estão no malufismo e cuja trajetória é bastante heterodoxa, os conceitos de esquerda, direita e centro acabam não fazendo grande diferença. Rigorosamente, ele não distingue uma categoria da outra. Por isso, tem legitimidade para dizer que não pertencê a nenhuma das três.

Kassab, sejamos justos, não está sozinho no esporte de pular fora das ideologias. O PMDB está por cima e está cada dia mais prosa. Cazuza cantava que queria uma ideologia para viver. Com o PMDB, é o contrário: se lhe arranjarem uma ideologia, ele morre. O PMDB é a prova monumental de que esse negócio de se enclausurar na esquerda ou na direita não dá camisa a ninguém. O próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre fez piada com o assunto. Desde muito cedo, quando lhe perguntavam se ela era socialista, dizia: "Não sou socialista, sou torneiro mecânico". O bordão se desdobrou em variações: "Não sou de esquerda, sou torneiro mecânico". Ou essa: "Se você conhece uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema".

Em resumo, Kassab não toma conhecimento da bifurcação histórica que separou a esquerda da direita. O PMDB milita para sepultar para sempre essa bifurcação. E Lula, ao caçoar dos esquerdistas, avisa que não reza pela cartilha de ninguém, que fará o que bem entende. Os fundamentalistas que se acomodem. Ou que se mudem.

Marina, voltemos a ela, achou melhor mudar. Deixou o PT, deixou o governo, disputou a Presidência da República em 2010 pelo Partido Verde e, agora, vem aí com a Rede Sustentabilidade, que ainda é uma incógnita. Quando ela diz que está além da esquerda e da direita, pode ser confundida com alguns dos discursos mais antigos da política brasileira. Num ponto, porém, pode ter razão: a poluição não é de esquerda, nem de direita; existe tanto na China como nos Estados Unidos. O princípio da tolerância não é de esquerda, nem de direita, e exige uma democracia em que ateus convivam com crentes e, também, em que gente de esquerda dialogue com gente de direita, sem que um precise eliminar o outro. Se estiver falando disso, Marina estará dizendo a verdade e poderá, quem sabe, nos desafiar a pensar além dos velhos formatos.

Fonte: Revista Época

Autonomia da sociedade e emancipação do cidadão - Marcus Pestana

Trabalho para uma geração inteira e muitos governos

Os desdobramentos históricos no fim do século XX e início do século XXI evidenciaram que a alocação dos recursos produtivos feita pelo mercado é mais eficiente e dinâmica. Morreu de forma definitiva a ilusão de que uma dúzia de líderes, técnicos e burocratas produziriam, através de um planejamento centralizado, a organização ideal da economia e da sociedade. O agigantamento do Estado produziu o sacrifício da liberdade, a morte do espírito empreendedor e inovador e a atrofia do organismo social. É fato que o mercado deixado à sua própria sorte resulta ciclicamente em crises e permanentemente em desigualdade.

Para potencializar as energias da economia de mercado, atenuar as iniquidades e minimizar os vetores que alimentam as crises cíclicas, surge a necessidade de um Estado forte, ágil e enxuto, regulador, promotor de parcerias e equalizador de oportunidades.

A dimensão e o papel do Estado só podem ser dados dentro de circunstâncias históricas determinadas. O que é verdade para um país pode não ser para outro. A necessidade de uma década pode ser bem diferente da de outra. Agora mesmo, assistimos a uma profunda crise fiscal do Estado do bem-estar social europeu.

No Brasil, a redemocratização, que desembocou na eleição de Tancredo Neves e na convocação da Constituinte de 1986, teve o anseio do restabelecimento da liberdade recheado com o sonho de uma democracia substantiva que assegurasse os direitos sociais básicos a todos os cidadãos.

Avançamos muito, desde então, na superação das desigualdades e na equalização de oportunidades. Criamos o SUS, com seus méritos e problemas, mas infinitamente superior ao quadro anterior. Universalizamos o ensino fundamental, mas o desafio da qualidade permanece atual. Criamos uma vasta rede de proteção social e previdenciária. Mas a miséria, a pobreza e a superação das iniquidades continuam na agenda nacional, e não serão superadas com manipulações estatísticas ou voluntarismos governamentais. Não há saídas fáceis para problemas complexos. É trabalho para uma geração inteira e para muitos governos. O importante é não sair do trilho.

Para que os resultados futuros sejam sólidos e permanentes, dois objetivos devem ser perseguidos: o fortalecimento da sociedade civil e de sua autonomia e a emancipação do cidadão.

No esforço para democratizar as oportunidades, várias relações são cristalizadas entre Estado, sindicatos, organizações sociais não governamentais e associações. É essencial superar a tentação governamental da cooptação e do controle, evitando o que enxergamos em vários momentos: a quase "estatização" da sociedade civil.

Também em relação ao cidadão beneficiado pelas políticas compensatórias de renda e de assistência, devemos cultivar sempre o ambicioso objetivo de libertar essas pessoas da dependência estatal, promovendo a cidadania plena e o florescimento de cidadãos educados, empreendedores, livres e conscientes.

Marcus Pestana, deputado federal (PSDB-MG)

Fonte: O Tempo (MG)

A CIA agradece - Ricardo Noblat

"A terceira vez que votei pra presidente foi no poste (pausa) que está iluminando o país " - LULA, no aniversário do PT

Digamos que proceda a desconfiança disseminada pelo governo cubano de que a blogueira Yoani Sánchez é, sim, agente da CIA, a agência de espionagem americana.

Por sinal, estão em cartaz dois filmes, concorrentes ao Oscar, que destacam a eficiência da CIA: "A hora mais escura"," sobre a captura e morte de Bin Laden, e "Argo" que trata do resgate de um grupo de americanos reféns do regime iraniano.

0 OUE A CIA esperava da passagem de Yoani pelo Brasil? Que ela tivesse oportunidades para falar mal de Cuba, há mais de 50 anos sob o controle dos irmãos Castro (Fidel e Raúl). E que a imprensa, ocupada com os assuntos internos do país, dedicasse à blogueira um mínimo de atenção. Ela viajou ao Brasil a convite do jornal "O Estado de S. Paulo" Ali, certamente, teria espaço garantido.

COMO OUE a CIA não contava? Com a adesão entusiástica aos seus planos dos partidos brasileiros de esquerda. Por toda a sua vida, a esquerda batalhou para chegar ao poder. E a CIA, e os serviços de espionagem que a antecederam, sempre atrapalhou. Tentou chegar pela primeira vez em 1935 ao deflagrar a Intentona Comunista. O movimento fracassou em menos de 72 horas. Um vexame.

A RENÚNCIA EM 1961 de Jânio Quadros permitiu que o vice João Goulart ascendesse à Presidência da República. A esquerda imaginou que, se o manobrasse com apuro, o poder acabaria ao alcance de suas mãos. Os militares derrubaram Goulart e empolgaram o poder durante 21 anos. Depois se passaram três eleições para que, na quarta, cavalgando o ex- metalúrgico Lula, a esquerda finalmente chegasse lá.

UMA ESQUERDA DÓCIL, que renunciara à maioria dos seus dogmas. A esquerda possível, haja vista que seu principal líder nunca foi de esquerda. Embora atraente devido às suas miçangas, o penoso exercício do poder desfigurou a esquerda por completo, a ponto de levá-la a se sentar no banco dos réus. Nem por isso se pensou que pudesse tê-la despojado de inteligência. Foi o que aconteceu.

FALTARÁ AO GOVERNO cubano a energia do passado? Não me refiro ao "paredón" como instrumento de castigo para os que contrariam os interesses do regime. O "paredón" saiu se moda; Mas, entre ele e uma reles admoestação, deve haver um meio-termo para se punir o desastrado embaixador que pediu a ajuda de ativistas políticos tão espertos quanto ele. Resultado: transformaram a vilegiatura de Yoâni em um baita sucesso de audiência.

NÃO O DEBITEM, porém, apenas à ignorância das seções juvenis de partidos e de organizações que ainda pregam a implantação do comunismo no país. Por que as direções de partidos como o PT e o PCdoB não desautorizaram os atos de hostilidade dos seus militantes contra a blogueira cubana? Ora, porque estavam de acordo com eles. Sabiam quem os encomendara. Calaram por conveniência.

NEM ASSIM CONSEGUIRAM esconder suas impressões digitais deixadas em cada um dos atos. Yoani foi à Câmara falar em uma comissão técnica. Deputados do PT em desespero, convenceram Henrique Alves, presidente da Câmara, a convocar sessão extraordinária. Evitariam assim que a TV Câmara transmitisse a exposição de Yoani. Realizou-se a sessão. Mas Yoani foi até lá confraternizar com seus algozes. Ou seus cúmplices.

A SEMANA OUE PASSOU não teve para ninguém — nem para Dilma, lançada candidata à reeleição, nem para Lula, que a lançou, nem para Aécio, que discursou no Senado. Só deu Yoani. Comovida, a CIA agradece aos seus agentes voluntários.

Fonte: O Globo

Encontro entre dois grandes intelectuais= Habermas e o cardeal Ratzinger (II)

Sob o impacto da guerra do Iraque, Habermas e Joseph Hatzinger se encontaram em 2004 para discutir o tema da necessidade de o poder ser submetido a um direito comum. Os dois intelectuais analisaram a ordem política e cultural do Ocidente. A discussão também tratou de temas como a complementaridade e a oposição entre razão e fé, a crítica ao capitalismo globalizado, a necessidade de uma base moral nas sociedades pluralistas e midiáticas. Ratzinger, especialmente, tratou da interculturalidade, anunciando uma das possíveis linhas de atuação de se papado.

J. Habermas: Um ceticismo radical quanto à razão é, por princípio, estranho à tradição católica

“Uma modernização descarrilada da sociedade no seu todo poderia muito bem tornar o vínculo democrático frouxo e enfraquecer o tipo de solidariedade para o qual o Estado democrático, sem que a possa obrigar juridicamente, está orientado. Evidências para um tal esmigalhamento da solidariedade cívica mostram-se no contexto mais amplo de uma dinâmica politicamente descontrolada formada pela economia mundial e a sociedade mundial.

Mercados, que não podem ser democratizados como administrações estatais, assumem, de modo crescente, funções de comando em setores da vida que até então eram mantidos coesos de forma política ou pelas de formas de comunicação pré-políticas. Dessa forma, não somente esferas privadas, em uma taxa crescente, são redirecionadas para mecanismos de ação cuja orientação é o sucesso, orientação que em cada caso depende de preferências próprias; também a esfera que é vencida pelas pressões públicas de legitimação está encolhendo.

O privatismo cívico é fortalecido pela desencorajadora perda de função de uma formação de opiniões e vontades democráticas, que por enquanto somente funciona nas arenas nacionais pela metade e por isso não alcança mais os processos decisórios deslocados para planos supranacionais.

Também a esperança, em via desaparecer, de um poder de configuração político da comunidade internacional estimula a tendência da despolitização dos cidadãos. Em vista dos conflitos e das gritantes injustiças sociais de uma sociedade mundial altamente fragmentada, cresce a decepção com cada novo insucesso no caminho (primeiramente adotado após 1945) de uma constitucionalização do direito dos povos.

O ceticismo quanto à razão é, por princípio, estranho à tradição católica. Mas o catolicismo teve dificuldade para lidar, até os anos 60 do século passado, com o pensamento secular do humanismo, do Iluminismo e do liberalismo político. Assim, hoje novamente encontra ressonância o teorema de que uma modernidade constrita só pode ser auxiliada para fora de um beco sem saída por meio de uma orientação religiosa dirigida para um ponto de referência transcendental.

Considero melhor a questão se uma modernidade ambivalente irá se estabilizar a partir das forças seculares de uma razão comunicativa, que não deve ser levada ao extremo por meio de uma crítica da razão, mas que deve ser tratada de forma não dramática, como uma questão empírica em aberto. Com isso, não quero incluir o fenômeno da permanência da religião em um ambiente ainda secularizado como um fato puramente social.

Em oposição à moderação ética de um pensamento pós-metafísisco, do qual subrai-se todo conceito obrigatório acerca da vida boa e exemplar, nas Escrituras sagradas e nas tradições religiosas articulam-se intuições acerca do erro e da liberação, do fim salvador de uma vida experimentada como sem solução, que, por séculos, foram sutilmente soletradas até a exaustão e mantidas hermeneuticamente despertas.

Por isso, na vida comunitária de sociedades religiosas, contanto que elas somente evitem o dogmatismo e a coação moral, pode permanecer algo intacto que alhures se perdeu e que somente com o conhecimento profissional de especialistas não pode ser restabelecido – refiro-me a possibilidades suficientemente diferenciadas para uma vida fracassada, para patologias sociais, para o malogro de projetos individuais de vida e para a deformação de contextos desfigurados de vida.”

Joseph Ratzinger: A interculturalidade compõe hoje uma dimensão indispensável para a discussão acerca dos fundamentos do ato de ser humano

“Como último elemento do direito natural, o qual desejava ser, em um nível mais profundo, um direito racional, pelo menos nos tempos modernos, permaneceram os direitos humanos. Eles não são compreensíveis sem o pressuposto de que o homem como homem, simplesmente por sua filiação à espécie humana, é um sujeito de direitos, que sua existência carrega em si valores e normas que devem ser descobertos, mas não inventados.

Talvez à doutrina dos direitos humanos devesse hoje em dia ser acrescida uma doutrina acerca dos deveres humanos e dos limites do homem, e isso poderia ajudar a atualizar a pergunta se não pode haver uma razão da natureza e, portanto, um direito racional para os homens e sua posição no mundo.

Uma tal discussão deveria hoje ser constituída e exposta de maneira intercultural. Para os cristãos, tratar-se-ia da criação e do criador. No mundo indiano, a isso corresponderia o conceito de darma, a legitimidade interna do ser, na tradição chinesa, a ideia das ordenações do céu.

Para mim, a interculturalidade compõe hoje uma dimensão indispensável para a discussão acerca dos fundamentos do ato de ser humano, que não pode ser conduzida nem unicamente dentro do universo cristão nem totalmente dentro de uma tradição racional ocidental.

Ambas parecem, de acordo com o modo como se compreendem, universais e pretendem sê-lo também de direito. Na realidade, elas precisam reconhecer que atingem somente partes da humanidade e também somente são inteligíveis a partes da humanidade. O número de culturas concorrentes é, de fato, muito mais limitado do que quer parecer em um primeiro olhar.

E’ importante, sobretudo, notar que dentro dos espaços culturais não há mais unidade, mas que todos os espaços culturais são moldados por tensões profundamente arraigadas em sua própria tradição cultural. No Ocidente, isso é bem evidente.

Mesmo quando a cultura secular de uma racionalidade restrita, acerca da qual Habermas nos deu um impressionante retrato, é amplamente dominante e entende a si mesma como elo, o entendimento cristão da realidade é, como tem sido até o momento, uma força efetiva. Ambos os polos encontram-se em proximidade ou tensão diversas, em uma disposição de aprendizagem recíproca ou em uma recusa, mais ou menos enfática, de um em relação ao outro.

O espaço cultural islâmico também é moldado por semelhantes tensões; do absolutismo fanático de um Bin Landen até as posturas que estão abertas a uma racionalidade tolerante estende-se um vasto arco.

O terceiro grande espaço cultural, a cultura indiana, ou melhor, os espaços culturais do hinduísmo e do budismo, são, por sua vez, moldados por tensões semelhantes, mesmo que elas, ao menos para o nosso olhar, distinguem-se de maneira dramática. Também essas culturas se veem sujeitas tanto à reivindicação da racionalidade ocidental quanto às interpelações da fé cristã, estando ambas presentes ali.

As culturas tribais da África e as culturas tribais da América Latina, novamente lembradas por certas teologias cristãs, completam esse quadro. Elas se mostram, de uma maneira ampla, como alicerce de uma racionalidade ocidental mas também como alicerces da reivindicação universal da revelação cristã.

O que decorre de tudo isso? Primeiramente, assim me parece, a não-universalidade factual das duas grandes culturas de Ocidente – a cultura da fé cristã assim como a cultura da racionalidade secular–, por mais que as duas, em todo o mundo e em todas as culturas, cada um do seu modo, contribuam em sua configuração.

Nossa racionalização secular, por mais que ilumine nossa razão formada no Ocidente, não é sensata para qualquer “ratio”; ela, como racionalidade, em sua tentativa de se fazer evidente, se depara com limites. Sua evidência está factualmente vinculada a deterninados contextos culturais e precisa reconhecer que, como tal, não pode ser compreendida por toda a humanidade e, por isso, nela, não pode operar nem mesmo de modo geral.

Em outras palavras, a fórmula mundial, seja ela racional, ética ou religiosa, com a qual todos concordam e que poderia então sustentar o todo, não existe. Em todo caso, ela é atualmente inalcançável. Por isso, o assim chamado etos mundial permanece também uma abstração.

O que há então para ser feito? Em relação às consequências práticas, eu concordo amplamente como o que Habermas expôs acerca de uma sociedade pós-secular, acerca da disposição de aprendizagem e da auto-limitação de ambos os lados. Eu gostaria então de resumir minha própria visão em duas teses e concluir com isso.

Duplos limites

1) Nós vimos que há patologias na religião que são extremamente perigosas e que tornam necessárto a luz divina da razão e por assim dizer, órgão de controle, a partir do qual a religião sempre deve se deixar purificar e organizar novamente, o que foi, aliás, também a noção dos padres da igreja.

 Em nossa reflexão, porém, mostrou-se que também há patologias da razão (do que, hoje a humanidade em geral não tem consciência), uma hybris da razão, a qual não é menos perigosa, ao contrário, devido à sua potencial eficiência, muito mais ameaçadora, a bomba atômica, o homem como produto. Por isso, por outro lado, a razão também deve ser lembrada em seus limites e aprender a disposição de ouvir as grandes tradições da humanidade. Quando ela se emancipa completamente e coloca de lado essa disposição de ouvir, essa capacidade de correlação, ela se torna destruidora.

Eu falaria de uma necessária correlação entre razão e fé, entre razão e religião, as quais são convocadas para uma purificação e salvação recíproca, que se carecem mutuamente e que precisam ser reconhecidas.

2) Essa regra fundamental então deve ser concretizada, no contexto de nossa atualidade de forma prática. Sem dúvida, são a fé cristã e o racionalismo secular as duas partes principais dessa correlação. Pode e deve-se dizer isso sem falso eurocentrismo.

Ambas as partes determinam a situação mundial em uma medida tal como nenhuma outra dentre as forças culturais . Mas isso não significa que dever-se-colocar de lado as outras culturas como uma espécie de ”quantité négligeable” (em francês no original: “quantidade negligenciável”). Isso seria com certeza uma hybris ocidental, pela qual nós pagariamos caro e, em parte, já pagamos.

É importante para esses dois componentes da cultura ocidental deixarem-se comprometer com um ouvir, com uma verdadeira correlação com essas culturas. É importante levá-las para dentro na tentativa de um correlação polifônica, na qual elas próprias se abram para uma complementaridade entre razão e fé de modo que um processo universal de purificação possa se desenvolver, no qual as normas e os valores essenciais de alguma forma conhecidos ou pressentidos por todos os homens possam adquirir uma nova intensidade luminosa de sorte que novamente possa vigorar na humanidade aquilo que segura o mundo.”

[Cf. Folha de São Paulo, Mais!, 24 de abril de 2005].