A Câmara pode votar, este mês, projeto que permite terceirizar a contratação para qualquer atividade da empresa
Terceirização à vista
NA CÂMARA Projeto permite terceirizar qualquer serviço
Cássia Almeida, Lucianne Carneiro
Disciplina. Alexandre Peyon afirma que é preciso saber lidar com as distrações para poder trabalhar de casa. Ele tem todos os benefícios, como plano de saúde e vale refeição
A Câmara dos Deputados pode votar este mês projeto de de lei que regulamenta a terceirização no país. O projeto do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) permite a contratação de serviços para qualquer atividade da empresa, sem estabelecer limites ao tipo de serviço que pode ser alvo de terceirização. Otimistas com o futuro da proposta, o deputado Sandro Mabel e o relator do projeto, Arthur Maia (PMDB-BA), esperam que o relatório seja lido na sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na próxima terça-feira e a votação ocorra ainda em maio. No Tribunal Superior do Trabalho (TST) há, pelo menos, 20.886 ações em tramitação sobre o tema (de um total de 187 mil processos trabalhistas classificados por assunto).
Em geral, as queixas na terceirização - último tema da série de reportagem sobre os 70 anos da CLT, que O GLOBO publica desde domingo - são de falta de pagamento de direitos trabalhistas e de empresas que fecham antes de quitar débitos com trabalhadores.
As centrais sindicais se preparam para discutir a questão com o governo federal e para segurar a tramitação do projeto. Vagner Freitas, presidente da CUT, afirma que a proposta vai tornar mais precárias as relações de trabalho:
- O substitutivo do deputado Mabel desregulamenta tudo. Acaba com a contratação com carteira. Não queremos ser dogmáticos, mas defendemos o equilíbrio negocial. Obrigatoriamente, queremos que as convenções coletivas a serem seguidas sejam do sindicato preponderante.
"Terceirizado será o mais protegido"
Embora reconheça alguma dificuldade na negociação, Mabel afirma acreditar "na vitória do bom senso e de um Brasil mais moderno".
- O projeto trará segurança ao trabalhador terceirizado, que será o mais protegido do Brasil - afirma o deputado, destacando que o texto prevê uma espécie de depósito garantia pela prestadora de serviços, que corresponda a um mês do que recebe da contratante.
O deputado Vicentinho (PT-SP) teme aumento da precarização do trabalho e afirma estar disposto a entrar na CCJ para pedir que o tema seja levado a plenário, o que impediria o envio do projeto direto para apreciação do Senado:
- O projeto não resolve o problema dos trabalhadores terceirizados e oficializa a precarização do trabalho. Se for aprovado na CCJ, vamos entrar com recurso para levar ao plenário.
Mas, para o relator Arthur Maia, "dificilmente esse projeto não vai ser aprovado".
Outro ponto polêmico da proposta é estabelecer que a empresa que contrata o serviço seja acionada na Justiça somente após a fornecedora ser processada e o trabalhador não conseguir receber os recursos a que tem direito. O que é chamado de responsabilidade subsidiária. O projeto prevê que as empresas contratantes de prestadores de serviços terão que fiscalizar se as obrigações trabalhistas estão em dia. Apenas se não fiscalizarem é que terão a responsabilidade solidária, ou seja, podem ser acionadas simultaneamente em caso de falta de pagamento de verbas trabalhistas.
- Com esse projeto, no extremo, acabam as relações de trabalho, já que todos serão empresas - afirma o cientista político Eduardo Noronha, professor da Universidade Federal de São Carlos, que acompanhou de perto as tramitações dos projetos da legislação trabalhista no Congresso.
Hoje, a terceirização é regida pelo Enunciado 331, do TST, que não admite repassar a atividade fim da empresa. Pela primeira vez em sua história, o TST realizou uma audiência pública, nos moldes das que ocorrem no Supremo, exatamente sobre o tema.
Luís Camargo, procurador-geral do Trabalho, diz que a proposta torna o trabalho mais precário:
- A proposta de terceirização em debate no Congresso é precarizante. Já temos visto casos de trabalho escravo com a terceirização. A CLT é clara ao definir empregado e empregador. O que não se enquadra nisso é irregular. O projeto cria o empregado de segunda categoria, que não tem os mesmos benefícios, a mesma qualificação. É uma precarização.
CNI apoia projeto
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) é a favor do projeto e o inclui como uma das prioridades da agenda legislativa de 2013. A gerente executiva de Relações do Trabalho da entidade, Sylvia Lorena, defende que é direito da empresa escolher o que pode ou não ser terceirizado:
- A terceirização deve poder ser de qualquer atividade. O que tem que se proteger são os direitos dos trabalhadores.
Segundo estudo do Dieese, 34% das negociações entre 2005 e 2009 continham alguma cláusula limitando a terceirização. No setor industrial, essa parcela sobe para 40%, com ênfase no setor de construção e mobiliário, onde a restrição aparece em 73% das negociações coletivas. Para a professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho 1ª Região, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, a terceirização tem reduzido direitos.
- Há introdução de falta de isonomia e de forte discriminação.
Se as centrais sindicais obtiveram sucesso ao incluírem na pauta de negociações com o governo a terceirização, o mesmo não aconteceu com a redução da jornada semanal de trabalho de 44 para 40 horas, uma das principais bandeiras trabalhistas. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/1995, que reduz a jornada dos trabalhadores, do hoje senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), foi aprovada com unanimidade na Comissão Especial em julho de 2009, mas ainda não foi posta em votação no plenário pela presidência da Câmara, apesar dos mais de dez pedidos de inclusão na pauta nesse período. A proposta também amplia a remuneração da hora extra paga ao trabalhador, de 50% a mais da hora habitual para 75%.
Fonte: O Globo