domingo, 7 de julho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Marcus Pestana: o país é outro

O Brasil é outro depois dessas manifestações, que paralisaram a campanha eleitoral antecipada. O placar foi zerado, o cenário político mudou e ninguém sabe qual será o resultado. O conselho nesse nevoeiro é pôr a barba de molho e levar o barco devagar.

Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB-MG, in “Aécio, Marina e Campos investem em redes sociais”, O Globo, 7/7/2013

Popularidade em baixa de Dilma freia alianças para 2014

Queda de popularidade freia alianças de Dilma para 2014

Com cargos no governo, PDT, PRB e PSD adiam decisão sobre apoio a petista

Inseguros quanto aos reflexos da crise, partidos da base aliada retomam negociações com Aécio e Campos

Catia Seabra, Márcio Falcão

BRASÍLIA - A queda de popularidade da presidente Dilma Rousseff impôs um freio na costura de alianças para sua reeleição. Os dados do Datafolha --redução de 27 pontos na aprovação em três semanas-- afugentaram os aliados.

Intrigados com o impacto dos protestos, partidos que integram a equipe ministerial congelaram a antes avançada composição para 2014.

O presidente do PDT, Carlos Lupi (RJ), chegou a dizer à presidente que a costura de aliança ficará para 2014: "Nunca disse que a aliança estava fechada, mesmo depois da nomeação do Manoel Dias [ministro do Trabalho]".

O presidente do PRB, Marcos Pereira, também deixa duas definições para o ano que vem. Para ele, está cedo para sacramentar a aliança. "No cenário nacional, a coisa está feia", diz. O PRB ocupa o Ministério da Pesca, com Marcelo Crivella.

Recém-acomodado na Esplanada com Guilherme Afif na pasta da Micro e Pequena Empresa, o PSD, de Gilberto Kassab, também se retraiu. Há um mês, a sigla fechou o apoio de 14 dos 27 diretórios estaduais à reeleição de Dilma. A consulta aos outros 13 Estados só será retomada no mês que vem.

O principal foco de rebelião está no diretório de Minas, que não abre mão do apoio ao tucano Aécio Neves. Cinco deputados estaduais ameaçam deixar o PSD em caso de embarque na reeleição de Dilma.

Para o secretário-geral da sigla, Saulo Queiroz, ainda é cedo para avaliar o efeito das manifestações nas alianças. "Não há motivo para precipitações. Vamos continuar do jeito que estamos, mas esperando o futuro", completou.

O baque de Dilma realimentou as pretensões eleitorais do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Opositores da ideia de candidatura própria no partido se recolheram.

Apontado como um defensor da manutenção do apoio a Dilma, o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, afirma que a pré-candidatura de Campos "permanece em pé".

Ele disse que, mesmo com a pressão popular, ainda é cedo para avaliar os efeitos na corrida presidencial, mas reconheceu que foi por terra a crença de que a reeleição de Dilma estava consolidada. "O clima de já ganhou não existe mais. Agora, é preciso esperar para ver se ela consegue reverter a queda", afirmou.

No PP, o discurso é que "ainda nada mudou". No neogovernista PTB, o presidente licenciado Roberto Jefferson mantém contato com o PSDB. Já o atual presidente, Benito Gama, nomeado diretor do Banco do Brasil, diz que a união com Dilma está selada.

Principal aliado do PT, o PMDB se vale da fragilidade para exigir mais espaço no governo. "Não temos ministérios. Temos ministros", reclama Geddel Vieira Lima.

O partido tem no líder Eduardo Cunha (RJ) um simpatizante, ainda que reprimido, do "volta Lula". Ele avalia, porém, que "essa avalanche" de manifestações afetaria o ex-presidente: "O candidato do PT estará no segundo turno. Vai ter segundo turno com certeza. Vamos ver quem será o candidato do PT".

Outra consequência política da queda de popularidade foi o aumento das especulações sobre reforma ministerial. Ontem, após reunião com um grupo de ministros e ex-ministros, Dilma divulgou uma nota oficial desmentindo qualquer mudança.

Fonte: Folha de S. Paulo

Dilma vê risco de desmanche da base em ano pré-eleitoral

Presidente administra crise com PMDB; Planalto já conta com saída do PSB e PSC da base no Congresso

No momento em que a presidente Dilma Rousseff amarga queda de popularidade após a série de manifestações no País, partidos da base ameaçam desembarcar da aliança, em ano pré-eleitoral. Eleita em 2010 por uma chapa de dez partidos, Dilma conseguiu mais adesões e formou a maior base de apoio no Congresso desde a Constituinte. Agora, a aliança para o próximo pleito - essencial por causa da divisão da propaganda de TV - já tinha duas sinalizações de baixa antes da atual crise: PSB e PSC devem ter candidaturas próprias, com o governador Eduardo Campos (PE) e com o pastor Everaldo Pereira, respectivamente. Outros partidos podem seguir o mesmo caminho, como PP, PSD e PR. Mas a maior preocupação é com 0 PMDB, parceiro que indicou o vice Michel Temer. A desarticulação ao apresentar a proposta do plebiscito - sem discussão com a base - desestabilizou a relação com o Congresso e expôs dificuldade no relacionamento com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Eduardo Alves (RN), ambos do PMDB.

Dona da maior coalizão desde 1988, Dilma vê risco de desmanche no ano pré-eleitoral

Eduardo Bresciani, Daiene Cardoso

BRASÍLIA - Partidos da base de sustentação do governo ameaçam desmanchar a aliança em tomo da candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014. A sinalização ocorre no momento em que a petísta quer consultar a população sobre mudanças no sistema político e amarga queda. acentuada de popularidade após a série de manifestações pelo País.

Eleita em 2010 por uma chapa de dez partidos, Dilma conseguiu mais adesões e formou a maior base de apoio no Congresso desde a Constituinte. Manteve índices recordes de popularidade, superando até seu antecessor e padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva. Até que junho chegou.

A aliança para o próximo pleito - essencial por causa da divisão da propaganda eleitoral de TV -já tinha duas sinalizações claras de baixa antes mesmo da atual crise: PSB e PSC devem ter candidaturas próprias, com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, e com o pastor Everaldo Pereira, respectivamente. A perda do PSB reduz a presença de Dilma no Nordeste, onde a legenda tem boa representação. A saída do PSC reduz a influência de Dilma entre o eleitorado evangélico.

Agora, outros partidos da base podem seguir o mesmo caminho, como é o caso de PP, PSD e PR. Mas a maior preocupação hoje é com o mal-estar cada vez maior com o PMDB, justamente o maior parceiro na aliança e que indicou o vice Michel Temer na chapa vitoriosa de 2010.

A desarticulação política na apresentação da proposta do plebiscito - sem discussão prévia com a base - desestabilizou a relação com o Congresso. Expôs, principalmente, a dificuldade no relacionamento do Palácio do Planalto com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), ambos do PMDB.

Dirigentes do partido acham que a presidente procurou jogar a responsabilidade da "crise de representatividade que ecoou das manifestações" no colo do Congresso ao propor o plebiscito.

Histórico. Apesar da base inchada, a relação da presidente com o Congresso sempre foi complicada. A alta, popularidade do governo era a explicação usada dentro do Senado e da Câmara para a manutenção da coalizão, apesar das queixas constantes sobre a articulação política, a ocupação de espaços na administração e a liberação das emendas parlamentares pelo Executivo.

Com a diluição do índice de aprovação, que segundo pesquisa do Datafolha caiu quase à metade em junho, o fator de solidificação da base começou a se dissolver. Pior: o último levantamento do instituto já aponta a possibilidade real de segundo turno em 2014. Nesse caso, o confronto hoje seria entre Dilma e a ex-senadora Marina Silva (AC), que ainda precisa viabilizar a legalização de seu partido, a Rede.

Eduardo Campos e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) são os possíveis beneficiários dessa possível debandada. Os dois buscam provocar fissuras na base de forma a cristalizar suas candidaturas, ampliando a expectativa de poder. Nas contas de aliados do governador de Pernambuco, o PT teria garantido o apoio de apenas dois partidos, PC do B e PDT.

No caso do PDT, há rachas internos e parlamentares que defendem também o deslocamento do governo. A avaliação do presidente da sigla, Carlos Lupi, segundo relatos de congressistas, é que a crise será passageira e um apoio a Dilma reafirmado neste momento pode significar um melhor tratamento futuro. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) acredita em reação dos índices do governo e não se surpreende com as ameaças de dissidências, "Não é uma aliança programática e ideológica", afirma Miro.

"Atônito". Tratado pelo PT como trunfo para as próximas eleições, o PSD do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab é um dos que reavaliam sua posição. Apesar da maioria dos diretórios da sigla já ter se manifestado pelo apoio a Dilma em 2014, deputados próximos a Kassab reconhecem que a maré pode virar. "Hoje os Estados estão reavaliando (o apoio a Dilma), tenho certeza", afirma o deputado federal Guilherme Campos (SP). O parlamentar ainda acredita em uma aliança com o PT, mas relatou que o PSD está "atônito" com as últimas manifestações.

No PR também há dúvidas. Demitido do ministério dos Transportes no processo da faxina, o senador Alfredo Nascimento (AM) comanda o partido junto com o secretário-geral, deputado Valdemar Costa Neto (SP), condenado no processo do mensalão. Integrantes da cúpula afirmam que a recente nomeação de César Borges para o Ministério dos Transportes está longe de garantir o apoio da legenda em 2014.

O PTB e o PP já não constaram oficialmente da aliança na eleição anterior e a tendência é de que novamente fiquem de fora. Dessa vez, porém,podem embarcar em candidaturas alternativa. O PTB teria mais pontes com Campos, enquanto no PP a proximidade maior é com Aécio.

Alguns governistas dizem nos bastidores que uma eventual candidatura de Lula em 2014 ajudaria a manter a coalizão unida. Publicamente, porém, tanto o ex-presidente quanto os dirigentes do PT afirmam que Dilma é a candidata do partido e não há qualquer possibilidade de mudança de rumo até o ano que vem.

Para o marqueteiro do PT, João Santana, responsável pela campanha vitoriosa de Dilma em 2010, a presidente deve recuperar a popularidade nos próximos meses. Enquanto isso, o Planalto tenta colocar panos quentes na crise em conversas pontuais com líderes do Congresso.

Isso porque, além do perigo de perder apoio eleitoral, tanto a Câmara quanto o Senado podem aprovar projetos dispendiosos aos cofres do País, que enfrenta baixos índices de crescimento e convive, nos últimos meses, com o perigo da volta da inflação alta.

Queda de popularidade tem reflexo nas alianças estaduais

Além das ameaças no quadro nacional, a queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff tende a consolidar uma divisão ainda maior"entre os aliados também nas eleições estaduais. Nos principais colégios eleitorais começa a se desenhar um cenário de multiplicidade de candidaturas da base aliada.

Em São Paulo, o PT tenta definir seu candidato entre os ministros Alexandre Padilha (Saúde), José Eduardo Cardozo (Justiça), Aloizio Mercadante (Educa" cão) e o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho. O PMDB entende como cada vez mais concreta a candidatura de Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), enquanto o presidente nacional do PSD, o ex-prefeito Gilberto Kassab, já anunciou o desejo de concorrer.

No Rio de Janeiro já é praticamente certo que PT e PMDB estarão em lados opostos. O senador petista Lindbergh Farias não abre mão da candidatura, enquanto o PMDB apostano vice Luiz Fernando Pezão para suceder ao governador Sérgio Cabral O líder do PR na Câmara, Anthony Garotinho (RJ), pode tentar voltar ao governo.

Em Minas Gerais, o Ministério da Agricultura, cedido ao deputado Antonio Andrade (PMDB), não é garantia de aliança do partido com Fernando Pimentel (PT), ministro do Desenvolvimento. Andrade se queixa da falta de espaço para as ações da pasta e seus aliados já buscam alternativas. Outro integrante da base atual que pode entrar na disputa e certamente fará campanha para a oposição é o prefeito de Belo Horizonte, Mareio Lacerda. Lacerda nega a intenção de disputar o governo de Minas, mas uma eventual candidatura sua abriria palanque para o correligionário pernambucano Eduardo Campos, presidenciável do PSB, e o senador Aécio Neves (PSDB) - atualmente seu principal aliado político.

Os problemas se repetem em outros redutos eleitorais como os de Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e Paraná - disputas nas quais dificilmente PT e PMDB estarão no mesmo palanque e aliados de outros partidos também se mostram interessados em concorrer. / E.B. e D.C.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Protestos mudam cenários de governo e oposição para 2014

Aliados do governo já ensaiam outro caminho

Incerteza sobre cenário eleitoral trava negociações para aliança em 2014

Júnia Gama

BRASÍLIA - Partidos da base do governo Dilma Rousseff, que já relutavam em manter a aliança para 2014 devido a insatisfações com o tratamento que recebem do Planalto na gestão da petista, ensaiam uma debandada, após a abrupta queda na popularidade da presidente. No PMDB, os mais radicais já falam em migrar para a candidatura do tucano Aécio Neves (MG) ou do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). No PSD de Gilberto Kassab, a ideia é protelar a declaração de apoio até o ano que vem, quando o cenário eleitoral estiver mais claro.

A queda na popularidade de Dilma e os protestos nas ruas fizeram refluir as negociações sobre palanques eleitorais. A avaliação feita reservadamente por esses aliados é que não há clima agora, nem certeza sobre o cenário para avançar na costura das alianças.

A mudança de tom ficou clara na reunião da Executiva do PMDB, principal partido aliado, semana passada, quando foi divulgado uma nota com cobranças duras ao governo, inclusive com a proposta de redução do número de ministérios. Nos bastidores, o clima era pior. E a irritação começa a sobrar também para o vice-presidente Michel Temer, que tem se mostrado publicamente fiel a Dilma e continua barrando as candidaturas próprias do partido nos estados, mantendo em aberto as negociações com o PT.

- Se muita gente no partido já resistia em dar continuidade a essa aliança em que o PMDB é desrespeitado, com essa pesquisa de popularidade, a chance de partir para outra candidatura, com a do Aécio, é grande. Dilma fez um governo com postura irredutível, mesmo sabendo que precisaria do apoio para a reeleição. Imagine em um segundo governo, em que ela não precisará mais dos partidos para nova eleição - disse influente deputado do partido.

Um senador, também do time de frente do PMDB, diz que seu partido está hoje mais inclinado a migrar para o apoio ao governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), caso as pesquisas continuem mostrando queda de Dilma:

- O Aécio não empolga muito, nem no PSDB ele tem unanimidade. Se o Eduardo Campos tivesse o mesmo nível de voto que Aécio tem hoje, acredito que haveria uma grande debandada no PMDB.

PSD só decidirá ano que vem

O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), ao ouvir de colegas avaliações desse tipo, tenta amenizar, mas não foge da realidade:

- Não vamos faltar quando o país está precisando de nós, mas não peça nunca para um político ir para o suicídio, porque ninguém vai.

Crítico da aliança com o PT, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) lembra que não há identidade entre os partidos da base, só interesses mútuos:

- Com essa coisa da popularidade virando, tudo pode mudar, porque não existe uma identidade construída nessas alianças. A relação não é em torno de projetos, é em torno de questões paroquiais.

No PSD, se o processo decisório já era lento, ficará mais. Parlamentares do partido lembram que o Ministério da Micro e Pequena Empresa, criado por Dilma para tentar trazer o PSD para o seio governista, não é do partido: Afif Domingos foi escolha da presidente. Logo, frisam, não há compromisso com a reeleição. Até agora, 14 dos 27 diretórios estaduais do PSD declararam-se favoráveis ao apoio à reeleição. Mas Kassab comprovou em Brasília esta semana que o distanciamento começou. Antes, ele chegara a afirmar que o PSD estaria com Dilma em 2014:

- O partido conversa com todo mundo, não está fechado para ninguém. A decisão só deverá sair no ano que vem.

Aécio, Marina e Campos investem em redes sociais

Pré-candidatos buscam análise de especialistas e pesquisas sobre ativistas

SÃO PAULO - Os protestos iniciados em junho levaram o PSDB a adiar o giro que o presidente do partido, senador Aécio Neves (MG), faria pelo país. O partido cancelou agendas em São Paulo, Espírito Santo, Amazonas, Paraíba e Pernambuco, onde o tucano participaria da festa de São João de Caruaru, na companhia do governador Eduardo Campos (PSB).

Aécio tem conversado frequentemente com os economistas Armínio Fraga e Edmar Bacha; e na última segunda-feira, em encontro na capital paulista, foi aconselhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a aumentar a inserção do partido nas redes sociais. A proposta, que será discutida amanhã em reunião da Executiva Nacional do PSDB, é inserir as alas jovem, sindical e feminina da sigla nessas redes, na tentativa de arregimentar militantes virtuais.

- O Brasil é outro depois dessas manifestações, que paralisaram a campanha eleitoral antecipada. O placar foi zerado, o cenário político mudou e ninguém sabe qual será o resultado. O conselho nesse nevoeiro é pôr a barba de molho e levar o barco devagar - avaliou o presidente do PSDB mineiro, Marcus Pestana.

Conversas com ativistas

Na mesma linha, Eduardo Campos diminuiu o ritmo de viagens e, devido aos protestos, adiou em junho a viagem que faria a Bahrein, no Golfo Pérsico. Tem conversado com os prefeitos do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde os protestos começaram. Também vem recebendo pesquisas recentes sobre o perfil dos manifestantes e suas demandas.

Na tentativa de entender as manifestações, tem lido o novo livro do filósofo Marcos Nobre, "Choque de democracia - Razões da revolta", sobre os recentes protestos. E ainda contratou como assessor Silvio Meira, especialista em mídias sociais, que tem produzido relatórios sobre o papel das redes sociais nos protestos.

A maior beneficiada pela onda de protestos, segundo as pesquisas de intenção de voto, Marina Silva, que estrutura seu partido, a Rede, tem conversado com ativistas das redes sociais, muitos dos quais militaram em sua campanha. E tem analisado os protestos com o filósofo Renato Janine, o antropólogo Luiz Eduardo Soares e o economista Paulo Sandroni, entusiasta da proposta de Tarifa Zero, defendida pelo Movimento do Passe Livre.

- É necessário, com esses protestos, iniciar uma discussão de como aprofundar a democracia direta - disse o coordenador-executivo da Rede, Bazileu Margarido.

Fonte: O Globo

Após atos, Serra volta a se movimentar visando 2014

Queda da popularidade de Dilma e descontentamento popular recolocam tucano e Marina na disputa pelo Planalto

Maria Lima

BRASÍLIA - O tsunami das ruas, em três semanas, desarrumou cenários que pareciam se consolidar e recoloca na disputa de 2014 antigos atores. Enquanto a parceria PT e PMDB derrete com um saldo imprevisível para o governo, PSDB corre para não perder espaço para Marina Silva (Rede), a grande beneficiária do movimento antipartido das ruas. Mesmo não perdendo pontos nas pesquisas de opinião e até crescendo um pouco, o presidente do partido e pré-candidato à sucessão presidencial, senador Aécio Neves (MG), tem que administrar incertezas e dúvidas deixadas no ar pelo ex-ministro José Serra, que volta a se movimentar em função das quedas expressivas da antes superfavorita presidente Dilma Rousseff.

- Fomos todos superados e agora tudo recomeça do zero. Não tem mais favoritismo de Dilma, e o PSDB, que perdeu a sintonia com as ruas, está desafiado a correr atrás - avalia o ex-presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).

Serra não se conforma por ter perdido por uma margem muito pequena para Dilma em 2010, numa situação confortável da economia brasileira. Considera que agora, com tudo desarrumado, finalmente conseguiria chegar ao Planalto. Em entrevista ao GLOBO na semana passada, o tucano disse que disputará um cargo, mas não sabe qual.

O presidenciável Aécio Neves, que começa a crescer nas pesquisas - ainda que dentro da margem de erro, subiu três pontos na pesquisa Datafolha (de 14% para 17% das intenções de voto), procura não alimentar as intrigas com Serra:

- O candidato do PSDB vai ser quem tiver mais chances de ganhar. O Serra no front é uma preocupação maior para o governo do que para nós - diz Aécio.

Mas a insistência do ex-ministro, que começa a ser incluído em pesquisas de intenções de voto, provoca mal-estar nas hostes aecistas. Sérgio Guerra não poupou críticas ao colega paulista nos últimos dias.

- Serra candidato do PSDB em 2014 é conversa de gente caduca! Quando disputou, era um ex-ministro da Saúde conceituado. Mas jogou isso tudo fora. Ficou uma pessoa voluntarista e egoísta, que só conjuga o verbo no singular: eu, eu, eu!

Com as incertezas do momento, o pré-candidato tucano Aécio Neves suspendeu, por enquanto, a agenda de viagens que faria pelo país, para se tornar mais conhecido. Dará prioridade à sua agenda e atuação de senador, usando a tribuna do Senado, dia sim e outro também, para atacar as deficiências do governo petista e cobrar providências da presidente Dilma.

Tucanos agora querem investir em agenda verde

Crescimento de Marina faz PSDB se preocupar mais com tema ambiental

Enquanto no campo governista, o vice-presidente Michel Temer tenta se equilibrar na difícil relação do seu partido com o PT, tanto o senador tucano Aécio Neves quanto o governador Eduardo Campos (PE) se preparam para capitalizar esse racha. No PSDB, lideranças expressivas já avaliam que a presidente Dilma não terá fôlego para disputar a reeleição, mas também não acreditam na volta de Lula para pegar um país com economia e política em frangalhos, jogando fora seu capital.

- Se antes o PSB já era procurado por todo mundo, agora isso vai aumentar muito. Estamos preparados para conversar - diz Campos a interlocutores.

- O PMDB já está começando a pular fora nos estados. Um quadro que há oito meses achávamos que seria de extrema dificuldade, irreversível até, hoje está em aberto. PMDB, PDT e outros partidos da base estão soltos - avalia Aécio.

Marina, que antes dos protestos integrava uma dobradinha com Aécio e Campos para levar a eleição presidencial de 2014 para o segundo turno, começa a se desgarrar, assumindo, nas pesquisas, o segundo lugar consolidado, com chances de ir para o segundo turno. Para enfrentar esse embate, o PSDB está criando um braço verde, com maior visibilidade. O ex-candidato do partido à prefeitura de Recife, Daniel Coelho, foi designado para criar redes de consulta junto à sociedade, aos acadêmicos e aos estudiosos da área ambiental que renderão um programa e uma bandeira verde para o partido.

- Marina não é um bicho papão para o PSDB. Como oriunda do PT, é natural que receba parte dos votos perdidos pela presidente - avalia Coelho.

- Está tudo em aberto. É um quadro volátil que vai mudar ainda umas dez vezes - diz, cauteloso, o deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ), aliado de Marina.

Fonte: O Globo

A reforma política que dorme no Congresso

O Planalto quer um plebiscito, o Senado e Câmara montam uma agenda positiva. Mas pauta ética defendida pelas manifestações populares está emperrada há anos no Congresso Nacional.

Verdadeira pauta ética escondida na gaveta

Congresso faz propaganda das medidas votadas depois de pressão popular, mas os projetos moralizantes continuam parados

João Valadares

A tentativa da Câmara e do Senado de implementar uma agenda positiva a partir da pressão popular deixou de fora projetos moralizadores, engavetados há vários anos, que ajudariam a limpar a imagem do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. O “mutirão ético” esqueceu de colocar na ordem para votação temas essenciais, a exemplo de matérias que tratam do fim do foro privilegiado para políticos, da redução de verba de gabinete, da abolição de aposentadoria compulsória para magistrados que cometem faltas graves e da criação de varas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa.

Os números atestam a falta de interesse. Levantamento da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção aponta que, desde 1995, 160 projetos considerados primordiais na tentativa de impedir a roubalheira dos cofres públicos, sendo 120 da Câmara e 40 do Senado, simplesmente não andam nas duas Casas. Com ajuda de especialistas, o Correio listou 10 projetos (leia quadro) que cortam privilégios das autoridades, endurecem as exigências de contratos públicos e ampliam a participação popular. Em grande parte deles, a exemplo do texto que prevê a redução da verba de gabinete, não existe sequer previsão de votação ou foram retirados de pauta.

Projeto do deputado José Antonio Reguffe (PDT-DF) determina corte nos gastos de R$ 78 mil para R$ 48 mil mensais em relação à verba de gabinete e redução de 25 para nove no número de assessores parlamentares. A matéria, apresentada em 2011, chegou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, mas nunca foi pautada. “O projeto está parado. A Mesa Diretora ficou com o projeto durante dois anos e, só depois, encaminhou para a comissão”, diz o parlamentar.

Na quarta-feira da semana passada, senadores chegaram a aprovar, na CCJ, a PEC 20/2013, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que acaba com o voto secreto em todas as votações do Congresso. No entanto, um dia depois, o presidente da Casa, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que não colocaria a matéria em votação por ausência de acordo entre os líderes partidários. O PSDB, por exemplo, defende que, para apreciação de vetos presidenciais, a votação continue sendo secreta.

Matéria semelhante tramita na Câmara há 12 anos. A PEC 349 chegou a ser aprovada em primeiro turno, com o apoio de 383 parlamentares, há mais de seis anos — 107 deles permanecem no cargo de deputado federal, e 10 foram eleitos para o Senado. Até agora, ela nunca foi votada em segundo turno.

Tabu

Outro tabu no Congresso é o fim do foro privilegiado. A PEC 470, que prevê a abolição do privilégio para deputados e senadores, apodrece na gaveta do Câmara desde 2005. Existe a expectativa de que, finalmente, o texto seja votado, Nesta semana, na CCJ.

Há oito anos, o deputado Luiz Couto (PT-PB) apresentou a PEC 422/2005, que cria varas específicas para julgar ações de improbidade administrativa. A ideia é de conferir maior celeridade em processos judiciais que tratem de casos de corrupção. Até agora, nada. “Esse é um dos projetos mais importantes nessa área de combate à corrupção. Não adianta transformarmos corrupção em crime hediondo se, simplesmente, a Justiça não julga nada. Na prática, esse projeto do crime hediondo torna-se inócuo. A Justiça leva, em média, seis anos e meio para julgar um processo de improbidade. Temos que criar varas específicas. O problema é que não existe interesse”, alega o deputado Francisco Praciano (PT-AM), presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção.

Praciano explica que existem várias maneiras de impedir o andamento das matérias. “Há projetos que chegam às comissões e estão, há mais de cinco anos, sem relator. Às vezes, existe relator, no entanto, ele não apresenta o relatório. E, muitas vezes, existe relator e relatório, mas o texto nunca é votado”, resume o deputado.

Mordomias

Quando se trata de diminuir a regalia de magistrados, o ritmo para a aprovação de matérias é o mesmo. Em 2011, o senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou a PEC 53. O texto prevê o fim da aposentadoria compulsória para juízes que cometerem faltas graves. Se a lei proposta for aprovada, os magistrados flagrados em irregularidades serão expulsos do Poder Judiciário e não terão direito a receberem altos salários até o fim da vida, como ocorre hoje. O político pernambucano apresentou também a polêmica PEC 75, que prevê a aplicação de penas de demissão e cassação de aposentadoria de integrantes do Ministério Público sem a necessidade de sentença transitada em julgado. Depois de dois anos, o senador acredita que, agora, com a pressão popular, as duas PECs finalmente possam ser votadas. No entanto, ainda não existe nenhuma previsão.

O senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) é outro que espera na fila a aprovação de uma proposta que complica a vida de parlamentares. No ano passado, ele apresentou projeto para determinar o afastamento imediato de detentor de mandato eletivo em caso de prisão em flagrante, preventiva ou temporária. É o PLS 320. O texto dorme na gaveta da CCJ e não existe nem relator designado.

Para ampliar a participação popular, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) tenta aprovar, desde 2011, primeiro ano do mandato no Senado, matéria que reduz o número de assinaturas necessárias para iniciar a tramitação de um projeto de iniciativa popular. Com a PEC 03/2011, a população poderá decretar o início dos trâmites tanto de projetos de lei como de propostas de emenda à Constituição. O texto permite ainda que os projetos tramitem automaticamente em regime de urgência no Congresso.

Fonte: Correio Braziliense

Por que a reforma política emperrou

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Por que a reforma política não colou

Diante da resistência de deputados e da falta de conexão com as manifestações, proposta corre o risco de voltar para a gaveta

Caue Ffonseca e Guilherme Mazui

BRASÍLIA - Milhões ergueram a voz. Em uma enxurrada de reivindicações, cobraram educação, transporte público e saúde de qualidade, clamaram pelo fim da corrupção. A presidente Dilma Rousseff respondeu com cinco pactos, encabeçados pelo plebiscito da reforma política. Proposta que deixou no ar: a reforma, de fato, atende às prioridades das ruas?

A questão divide a própria base do governo. No PT, a consulta sofre questionamentos. Partido do vice-presidente Michel Temer, o PMDB defende a redução da Esplanada, composta pelo recorde de 39 ministérios. E os opositores criticam – dizem que o plebiscito é uma estratégia do Planalto para escapar dos problemas reais apontados pelas ruas.

Especialistas também se dividem sobre a prioridade do plebiscito e da reforma, pautada em temas como financiamento de campanha, fim das coligações, voto proporcional ou distrital, fim da suplência no Senado e do voto secreto em cassações. Cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), João Feres Júnior considera importante o debate, mas acredita que a proposta foi apresentada em um "péssimo momento".

– A reforma surge num momento de negação da política. As pessoas ficam com a tendência de apoiar opiniões contra a representação política, o que enfraquece a democracia – ressalta ele.

Procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e pós-doutor em Direito, Lenio Streck alerta que, mais do que alterações no sistema eleitoral, a população cobra uma mudança de atitude dos políticos. Pressionado, o Congresso nas últimas semanas aprovou o uso dos royalties do petróleo na educação e saúde, derrubou a PEC que tirava o poder de investigação do Ministério Público, barrou o projeto da "cura gay" e aprovou a ficha limpa para servidores públicos. A agenda positiva, porém, não impediu desvios de conduta.

Os presidentes da Câmara e do Senado usam os aviões da FAB de forma indiscriminada. Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) levou a noiva e a família para a final da Copa das Confederações, enquanto Renan Calheiros (PMDB-AL) foi a um casamento. Para Streck, não adianta mudar o sistema se as práticas continuarem as mesmas, sem as devidas punições.

– Democracia se faz com instituições que funcionam. As pessoas querem uma resposta à impunidade, maior transparência na política – afirma ele.

Eleição não deve contaminar debate

Para o cientista político americano David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), a melhor resposta da presidente aos protestos seria abrir as contas dos ministérios. Ele defende uma força-tarefa, composta por Ministério Público, Tribunal de Contas e Controladoria-Geral da União, para apurar e punir desvios no governo.

– Seria uma atitude contundente, mas iria desagradar a seu partido e a todos os aliados.

Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o cientista político Fernando Lattman-Weltman destaca a importância de realizar a reforma, mas critica a pressa do governo. Apesar de o tema estar no Congresso há quase duas décadas, ele considera precipitado trazer o eleitor para o debate público com a necessidade de tomar uma decisão rápida. Realizar a consulta este ano seria um erro, diz ele. O ideal seria deixar para depois das eleições de 2014.

– A reforma é boa, desde que seja feita com tempo e debate. Pautar a reforma com a próxima eleição é ruim para o país, já que vai contaminar a discussão por paixões partidárias – destaca Lattman-Weltman.

O historiador Francisco Teixeira apoia o plebiscito e a reforma, mas cobra do governo medidas de curto prazo. Teixeira acredita que o Congresso só aprovará a reforma política se for pressionado pelos brasileiros – nas ruas ou nas urnas.

– O Planalto foi sagaz ao colocar o bode na sala do Legislativo. Mas Dilma precisa fazer política. Ela é a presidente, não a gerente do Brasil.

Relator da última tentativa de reforma política, engavetada em abril, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) concorda com a necessidade de atitudes imediatas, como o corte de R$ 15 bilhões em gastos anunciado pelo governo. Contudo, o petista defende a realização das mudanças, mesmo que só possam valer para as eleições de 2016.

– Quem espera há 18 anos deve combater a sensação do deixar para depois. Já se discutiu demais a reforma. A pressão das ruas pede por mudanças na forma de fazer política.

Fonte: Zero Hora (RS)

O País das mordomias

Levantamento feito pelo EM mostra que, apesar de não haver ilegalidade, representantes do poder público desfrutam de privilégios variados. Altos salários, contas e passagens pagas, duas férias por ano, três dias de trabalho por semana, ajudante para carregar mala em aeroporto, aposentadoria com vencimento integral como punição e licença remunerada bancados por recursos públicos são algumas das regalias de parlamentares, magistrados e outras autoridades. As manifestações que varreram o país nas últimas semanas levaram a Câmara e o Senado a buscar uma agenda positiva, mas 160 projetos que combatem corrupção e cortam mordomias e sangria nos cofres públicos estão engavetados desde 1996, sem previsão de votação. Entre eles estão a perda do foro privilegiado para políticos e o fim da aposentadoria compulsória para juízes. Se a proposta fosse aprovada, eles seriam expulsos ao cometer faltas graves

Você é quem paga a conta

No país em que a população começa a cobrar nas ruas os seus direitos, governantes, parlamentares, magistrados e até fiscais do dinheiro público ainda mantêm privilégios inimagináveis para o trabalhador comum

Alessandra Mello

Imagine um emprego com bom salário, motorista, tanque cheio, conta de telefone celular paga, direito a passagens aéreas para viajar até mesmo a passeio, duas férias por ano, plano de saúde sem desconto e com reembolso total de todo tipo de despesa médica, jornada de serviço de apenas três dias e casa para morar. Pode parecer sonho, mas ele existe. E o patrão é você. Todas essas mordomias, e mais algumas, fazem parte do dia a dia de senadores, deputados federais e estaduais. Tudo custeado com recursos dos cofres públicos. Mas eles não são os únicos. Magistrados, conselheiros dos tribunais de Contas e integrantes do Ministério Público também desfrutam de privilégios e benesses inimagináveis para um trabalhador comum, como cargo vitalício, licença remunerada e aposentadoria compulsória com vencimento integral como punição para alguma irregularidade cometida no exercício da função.

Como se não bastassem tantas regalias, alguns ainda têm direito a certos "mimos", como um "assessor de check-in", funcionário especializado em agilizar os voos no aeroporto de Brasília de senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). De terno e gravata, ele providencia o cartão de embarque, o despacho das malas e ainda carrega as bagagens de mão. Tudo para evitar que essas autoridades tenham que enfrentar filas ou se misturar aos demais passageiros.

No Congresso Nacional, deputados e senadores, que recebem salários de R$ 28 mil, têm direito ainda a cota para cobrir despesas com Correios e gráfica, auxílio para se mudar para Brasília, assessores e consultores, verba para comprar terno e gravata e ainda foro privilegiado. Regalias estendidas às assembleias legislativas, onde o salário é de cerca de R$ 20 mil. A maioria dos parlamentares estaduais tem também direito a auxílio-moradia, até mesmo os que possuem imóveis próprios na cidade sede do Legislativo. E uma jornada enxuta, mesmo caso dos vereadores. Em boa parte dos municípios brasileiros, vereadores são obrigados a comparecer nas câmaras, seu local de trabalho, apenas duas vezes por mês ou, em alguns casos, uma vez por mês. No Congresso Nacional, o expediente é de terça a quinta, com direitos a recessos em janeiro, julho e dezembro.

Com salários na casa dos R$ 28 mil, os ministros do STF têm direito a cota de passagens que deve ser gasta em viagens oficiais, mas pode ser estendida a parentes, quando, diz uma resolução interna de 2010, a presença deles for indispensável. Os magistrados e também os representantes do MP têm ainda benefícios como auxílio-alimentação, licença remunerada para estudar no exterior e duas férias por ano de 30 dias cada – com direito a um terço a mais do salário por período.

O Poder Executivo não fica de fora das benesses. Ministros e secretários de estado recebem dinheiro para participar de conselhos da administração pública e empresas estatais. O extra é chamado de jeton e a justificativa é que o dinheiro é uma forma de compensação por usar quadros renomados no poder público tentando equiparar os vencimentos com os praticados pela iniciativa privada. Ex-presidente e também alguns ex-governadores seguem recebendo o salário após deixar os cargos. No caso dos presidentes, eles têm direito também a dois carros oficiais e oito funcionários até o fim da vida.

Um contraste não só com a rotina do trabalhador, mas também com a dos colegas da Suécia, onde os parlamentares não têm direito a assessores, secretária, carro oficial. Lá, o que lhes cabe é apenas um apartamento funcional de até 40 metros quadrados, com cozinha e lavanderia comunitárias.

Confusão A explicação para essas regalias não é somente histórica, mas cultural e sociológica, destaca o cientista politico Leonardo Barreto. "Ela tem a ver com as tradições patrimonialistas do Brasil, ou seja, a confusão que se faz entre patrimônio público e privado", afirma. Segundo ele, muitos políticos foram criados em regiões onde há maior tolerância da sociedade com relação a isso, ou em uma época na qual isso não era problema. "Esses têm mais dificuldade para lidar com o fim dos privilégios. Pergunta para o Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), presidente da Câmara dos Deputados, ou para o Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, se eles acham que fizeram algo errado. Eles não devem ter esse sentimento, pois as tradições políticas deles condizem com isso", comenta o cientista político ao se referir aos fatos ocorridos na última semana, que trouxeram à tona mais uma vez as mordomias custeadas pelos cofres públicos e que tiveram como protagonistas até mesmo o presidente do STF, Joaquim Barbosa.

Em tempos de protestos a favor de serviços públicos de qualidade e fim da corrupção, Henrique Alves usou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para assistir à final da Copa das Confederações, no Rio de Janeiro, no domingo passado, e ainda levou a noiva, os filhos e alguns convidados. Calheiros também lançou mão da prerrogativa de requisitar o avião da FAB para levá-lo à Bahia para o casamento de um amigo. Joaquim Barbosa – que inúmeras vezes fez duras críticas ao Legislativo –, usou parte de sua cota de passagens para ver a final entre Brasil e Espanha no camarote do apresentador Luciano Huck.

De acordo com o cientista político e professor da Universidade de Brasília João Paulo Peixoto, essa cultura de mordomias foi intensificada em Brasília, pela necessidade de transferência da capital, mas essa diferenciação, essa desigualdade de tratamento entre as pessoas que ocupam cargos públicos e a população em geral, é uma coisa muito antiga no Brasil. "É aquela velha história de casa-grande e senzala, de termos barões e pessoas comuns."

Para Claudio Abramo, coordenador da Transparência Brasil, esses benefícios são tradicionalmente desregrados no Brasil. "E quando não se presta muita atenção a tendência é que os que se beneficiam dele se aproveitem". Para ele, o controle tem de ser feito pela sociedade, que deve exigir cada vez mais transparência nos gastos públicos.

Colaboraram: Alice Maciel, Daniel Camargos, Étore Medeiros, Juliana Cipriani, Isabella Souto e Maria Clara Prates

Fonte: Estado de Minas

Reforma e a solução da crise

Para especialistas, a população clama por melhorias nos serviços públicos, e não por mudanças no sistema de votos

Bruna Serra e Débora Duque

Desde que a presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou em pronunciamento - buscando responder às demandas dos manifestantes que tomaram as ruas do Brasil - a proposta de um plebiscito para votar a reforma política, o tema tornou-se corriqueiro e expandiu as fronteiras das universidades e rodas políticas para entrar nos debates de mesas de bar, escolas e ambientes de trabalho. Gerou nos brasileiros a expectativa de que a dita reforma simbolize a solução de problemas históricos do Brasil. A pergunta que fica, no entanto, é se tal reforma, nos termos em que está colocada, será suficiente para resolver as distorções do sistema político-eleitoral do País e se o eleitorado está, de fato, preparado para responder as perguntas que serão levadas à urna.

Distante de um consenso na população, a reforma política traz à tona temas complexos, como o sistema de votação, com a possibilidade do voto em lista fechada, o debate sobre o financiamento público de campanha, o fim da suplência de senador e até a extinção da reeleição e a coincidência de datas dos pleitos municipal, estadual e presidencial.

Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP) e autor de diversas publicações em torno do sistema político brasileiro, Renato Janine Ribeiro, ressalta que a reforma não será solução para a crise de representatividade em que o país está inserido. "Na minha opinião a reforma política não é importante agora. Tenho receio que os líderes políticos e partidários não estejam entendendo que a demanda que emana das ruas é por melhoria nos serviços públicos, e não por uma mudança no sistema de votos. Não me agrada muito esse desvio que vem sendo feito da reforma. As pessoas que pagam impostos querem ter mais retorno e a reforma não resolverá isso", reforçou o professor.

Titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UNB) Octaciano Nogueira alerta para a qualidade do debate que está sendo produzido. "Da forma como está se dando, o debate sobre reforma política está pueril e infantil. Todo mundo abre a boca para falar sobre o tema, mas ninguém diz qual reforma política deseja fazer", destaca.

No livro "A Reforma Política no Brasil", que compila textos de cientistas políticos e sociólogos renomados, organizados pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leonardo Avritzer (Editora UFMG, 2006), a reforma política pode ser entendida como "a reorganização de regras para competições eleitorais periódicas". Ou, também, como uma reorganização mais ampla do sistema político brasileiro. Na introdução do livro, o organizador afirma que a partir do final da década de 90, a ideia de reforma política foi se consolidando em torno de diferentes pontos, alguns deles hoje inseridos no plebiscito previsto para acontecer ainda este ano. Entre elas, a reorganização ampla das regras do sistema político-eleitoral, incluindo a criação de novas instituições - capazes de aumentar a participação popular - e os diferentes padrões de interação entre as instâncias representativas e participativa. Na introdução o autor ressalta que "a reforma das instituições políticas no Brasil só será bem sucedida se contribuir para o aperfeiçoamento e o aprofundamento da ordem democrática, incidindo positivamente sobre o comportamento político".

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Tempos difíceis - Fernando Henrique Cardoso

Quem acompanha as transformações da sociedade não se surpreende com as manifestações que acontecem em várias partes do mundo

Já se disse tudo, ou quase tudo, sobre os atos públicos em curso. Para quem acompanha as transformações das sociedades contemporâneas, não surpreende a forma repentina e espontânea das manifestações. Em artigo publicado nesta coluna, há dois meses, resumi estudos de Manuel Castells e de Moisés Naím sobre as demonstrações na Islândia, na Tunísia, no Egito, na Espanha, na Itália e nos Estados Unidos. As causas e os estopins que provocaram os protestos variaram: em uns a crise econômico-social deu ânimo à reação das massas; noutros, o desemprego elevado e a opressão política foram os motivos subjacentes aos protestos. Tampouco as consequências foram idênticas. Em algumas sociedades onde havia o propósito específico de derrubar governos autoritários, o movimento conseguiu contagiar a sociedade inteira, obtendo sucesso. Resolver uma crise econômico-social profunda, como nos países europeus, torna-se mais difícil. Em certas circunstâncias, consegue-se até mesmo alterar instituições políticas, como na Islândia. Em todos os casos mencionados, os protestos afetaram a conjuntura política e, quando não vitoriosos em seus propósitos imediatos, acentuaram a falta de legitimidade do sistema de poder.

Os fatos que desencadeiam esses protestos são variáveis e não necessariamente se prendem à tradicional motivação da luta de classes. Mesmo em movimentos anteriores, como a "revolução de maio" em Paris, que se originou do protesto estudantil "por um mundo melhor", tratava-se mais de uma reação de jovens que alcançou setores médios da sociedade, sobretudo os ligados às áreas da cultura, do entretenimento, da comunicação social e do ensino, embora tivesse apoiado depois as reivindicações sindicais. Algo do mesmo tipo se deu na luta pelas "Diretas já". Embora antecedida pelas greves operárias, ela também se desenvolveu a partir de setores médios e mesmo altos da sociedade, aparecendo como um movimento "de todos". Não há, portanto, por que estranhar ou desqualificar as mobilizações atuais por serem movidas por jovens, sobretudo das classes médias e médias altas, nem muito menos de só por isso considerá-las como vindo "da direita".

O mais plausível é que haja uma mistura de motivos, desde os ligados à má qualidade de vida nas cidades (transportes deficientes, insegurança, criminalidade), que afetam a maioria, até os processos que atingem especialmente os mais pobres, como dificuldade de acesso à Educação e à Saúde e, sobretudo, baixa qualidade de serviços públicos nos bairros onde moram e nos transportes urbanos. Na linguagem atual das ruas, é "padrão FIFA" para uns e padrão burocrático-governamental para a maioria. Portanto, desigualdade social. E, no contexto, um grito parado no ar contra a corrupção (as preferências dos manifestantes por Joaquim Barbosa não significam outra coisa). O estopim foi o custo e a deficiência dos transportes públicos, com o complemento sempre presente da reação policial acima do razoável. Mas, se a fagulha provocou fogo foi porque havia muita palha no paiol.

A novidade, em comparação com o que ocorreu no passado brasileiro (nisso nosso movimento se assemelha aos europeus e norte-africanos), é que a mobilização se deu pela internet, pelos twitters e pelos celulares, sem intermediação de partidos ou organizações e, consequentemente, sem líderes ostensivos, sem manifestos, panfletos, tribunas ou tribunos. Correlatamente, os alvos dos protestos são difusos e não põem em causa de imediato o poder constituído nem visam questões macroeconômicas, o que não quer dizer que estes aspectos não permeiem a irritação popular.

Complicador de natureza imediatamente política foi o modo pelo qual as autoridades federais reagiram. Um movimento que era "local" - mexendo mais com os prefeitos e governadores -tornou-se nacional a partir do momento em que a Presidenta chamou a si a questão e qualificou-a primordialmente, no dizer de Joaquim Barbosa, como uma questão de falta de legitimidade. A tal ponto que o Planalto pensou em convocar uma Constituinte, e agora, diante da impossibilidade constitucional disto, pensa resolver o impasse por meio de plebiscito. Impasse, portanto, que não veio das ruas.

A partir daí o enredo virou outro: o da relação entre Congresso, Executivo e Judiciário e a disputa para ver quem encaminha a solução do impasse institucional, ou seja, quem e como se faz uma "reforma eleitoral e partidária". Assunto importante e complexo, que se apenas desviasse a atenção das ruas para os palácios do Planalto Central e não desnudasse a fragilidade destes, talvez fosse bom golpe de marketing. Mas não. Os titubeios do Executivo e as manobras no Congresso não resolvem a carestia, a baixa qualidade dos empregos criados, o encolhimento das indústrias, os gargalos na infraestrutura, as barbeiragens na Energia e assim por diante. O foco nos aspectos políticos da crise, sem que se negue a importância deles, antes agrava do que soluciona o "mal-estar", criados pelos "malfeitos" na política econômica e na gestão do governo. O afunilamento de tudo em uma crise institucional (que embora em germe não amadurecera na consciência das pessoas) pode aumentar a crise, em lugar de superá-la.

A ver. Tudo dependerá da condução política do processo em curso e da paciência das pessoas diante de suas carências práticas, às quais o governo federal preferiu não dirigir preferencialmente a atenção. E dependerá também da evolução da conjuntura econômica. Esta revela a cada passo as insuficiências advindas do mau manejo da gestão pública e da falta de uma estratégia econômica condizente com os desafios de um mundo globalizado.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República

Fonte: O Globo / O Estado de S. Paulo  

O levante democrático das ruas no Brasil - Marcelo Burgos

Mesmo que as cenas de depredações e de enfrentamentos violentos possam, momentaneamente, encobrir com o manto da incerteza e da insegurança o significado do levante de junho de 2013, é evidente que seu impulso originário é a luta por mais democracia, por mais igualdade, mais liberdade de participação e por mais direitos. É essa a motivação que que tem arrastado milhares de jovens às ruas país afora e que conquistou o amplo entusiasmo da sociedade.

Seja qual for o desfecho mais imediato das manifestações, sua razão de fundo é a luta por acesso à política, que tem sido sistematicamente interditado, em cima, por anéis de interesses que articulam máquinas partidárias e o grande empresariado, sempre justificado pela fórmula do que se convencionou denominar de “presidencialismo de coalização”; e em baixo, pelos mecanismos de controle do acesso ao voto que incluem desde o clientelismo tradicional até a coerção mais direta e brutal realizada pelos mandões locais, do que são exemplo as milícias.

O grito das ruas traz essa voz sufocada pelo amesquinhamento da representação política e por isso seu alvo principal são as instituições cuja legitimidade está fundada no voto. Os sinais da insurgência já estavam dados, mas os altos índices de aprovação da gestão da presidenta impediam que fossem notados – e por aí se vê o quão enganosas podem ser as pesquisas de opinião. As evidências ganham contornos mais nítidos com a crescente descrença no Legislativo, e o excessivo protagonismo conferido ao Judiciário nos últimos anos – sobretudo com o julgamento da Ação Penal 470 -, escancara o enorme vazio de política; a tal ponto que em um dado momento um único juiz da suprema corte parecia encarnar o sentimento de justiça de toda a nação. Mais do que ativismo judicial, contudo, o quadro indicava uma situação de grave subserviência do Legislativo ao Executivo, que tem atuado como principal acionista da desmoralização da democracia representativa {1}. O julgamento do mensalão foi, na verdade, a antessala da explosão das ruas.

Sempre se pode argumentar, evocando Tocqueville, que nada tornava o levante das ruas inevitável, e que ele é um acidente, cujos efeitos serão no máximo o de acelerar processos de reformas já em curso e que iriam ocorrer sem ele. Talvez, se os sinais tivessem sido escutados antes, se as sondas fossem suficientemente sensíveis, o levante não tivesse chegado ao ponto que chegou. Mas sua eclosão é a contraprova do quanto o sistema político brasileiro se tornou autorreferido e por isso mesmo tão vulnerável.
O mais importante agora, no entanto, é constatar que tal como no ataque ao Muro de Berlim cuja derrubada, apesar de previsível, se deu de forma surpreendente, o levante das ruas do Brasil se impôs como força irresistível sem que suas razões sequer precisassem ser justificadas.

A identificação de amplos segmentos da sociedade com ele foi quase instantânea, e para isso contribuiu a sua natureza mais performática que argumentativa, e a conformação desse novo espaço–tempo característico dos movimentos sociais contemporâneos, que se dá nesse ambiente etéreo existente entre o mundo virtual das redes sociais e o encontro presencial das ruas.

Plástico e multiforme, o levante pôde incorporar um largo feixe de anseios represados pelo constrangimento do acesso à política, e por trazer a carga dramática das ruas, num simulacro das barricadas das revoluções democráticas, serviu à catarse de um acúmulo de insatisfação e de indignação.

Com o levante, uma parcela da soberania popular é recuperada pela sociedade, desestabilizando o modelo vigente, baseado na usurpação quase completa do acesso à política.

Seu maior legado deverá ser a correção de rumo de um projeto político de afirmação da democracia a partir de cima, capitaneado por um governo cuja história política tem raiz nos partidos de esquerda, mas que reivindicou para si a prerrogativa de se investir de uma racionalidade tecnocrática, que há muito deixou de consultar os interesses da sociedade, esterilizando sua participação.

Muitas são as evidências de que a ruptura com os anseios democráticos de participação ocorreu logo no início do governo Lula. Em qualquer setor que se fizer a pesquisa as evidências serão abundantes. É ver o que se deu com o Ministério da Cidade, filho de uma longa mobilização popular conduzida pelo Fórum Nacional da Reforma Urbana.

Passado o primeiro momento do novo governo, a pasta logo é submetida ao balcão de negociação chancelado pela fórmula do presidencialismo de coalizão, e ainda que as lideranças dos movimentos sociais continuassem a frequentar as reuniões dos conselhos que o compõem, suas bases gradualmente se tornam elos remotos de uma cadeia cujo comando está todo encerrado na lógica autopoiética do governo. O mesmo pode ser verificado no Fórum Nacional do Trabalho, igualmente criado na primeira hora da era Lula, no interior do Ministério do Trabalho e Emprego. Logo seu impulso reformista é interrompido em favor de uma ampla coalização operária organizada a partir de cima, com as centrais, deixando as bases sindicais distantes dos processos decisórios, e ainda mais fragilizadas com a manutenção do imposto sindical.

Assim é que o impulso participativo que parecia ganhar novo fôlego com a chegada de Lula ao poder sofre, ao contrário, seu pior revés, de vez que agora, diversamente do que ocorrera com o ciclo FHC, sequer se contaria com um partido de oposição capaz de canalizar os anseios da sociedade, e muito especialmente dos que estão chegando agora à cena pública, como esses jovens que já nascem nas portas do Século 21.

Nos estados e na vida local a interdição das vias de acesso à política a partir do arranjo no plano federal tende a se tornar ainda mais dura. Um bom laboratório para se observar essa configuração é a política educacional e o que vem ocorrendo com as escolas públicas.

Concebidas como esteio da formação da cultura democrática em um país que vinha de uma longa história de exposição ao autoritarismo, a escola deveria gozar de autonomia para se converter no berço da formação da cidadania, internalizando formas de participação coletiva, que valorizassem a voz de seus estudantes e professores; no entanto, o que se assiste é, ao contrário, sua submissão a uma racionalidade tecnocrática, que cancela quase completamente sua autonomia, silenciando-a no interior de seus muros ao desqualificar os sindicatos de seus profissionais e ao esvaziar suas instâncias internas de participação coletiva. A redução da escola a um serviço, cuja eficiência deve ser avaliada por indicadores de proficiência na aprendizagem submetidos aos ditames das tecnocracias locais, é um efeito sensível da privação de política no âmbito da vida pública de estados e municípios.

Em outras áreas, também, o fenômeno se faz sentir. Os processos decisórios envolvendo a definição de grandes intervenções urbanas, como criação de novas vias detransporte ou a remoção de moradores, têm sido realizados sob uma espessa capa de discricionariedade por parte dos executivos municipais e estaduais, não admitindo a participação da sociedade. E para isso o pretexto de atender às necessidades de eventos como a Copa e a Olimpíada é perfeito. Aliás, agora que a rua desnudou o rei, restaram escandalosamente evidentes as razões do empenho dos governos federal e regionais para oferecer o país a esses eventos. É que poucos artifícios se prestam tão formidavelmente ao cancelamento da política.

O caso da luta por um outro projeto de construção da Linha 4 do Metrô no Rio de Janeiro é, sob esse aspecto, exemplar. Tendo à frente as associações de moradores e o Forum da Mobilidade Urbana, liderados por homens e mulheres – quase todos de cabelos brancos – o Movimento “Linha 4 que o Rio Precisa” contestou o projeto apresentado pelo governo estadual, apresentando uma proposta alternativa. Para essa causa conseguiu mobilizar o apoio de diversos parlamentares, do Clube de Engenharia e do Ministério Público, construindo uma opinião tecnicamente fundamentada e utilizando todos os canais de participação criados pela democracia de 88. No entanto, foi arrogantemente ignorado pelo poder público. E desse enorme esforço organizacional resultou um profundo sentimento de impotência em face de um governo que já não precisava mais consultar a sociedade para tomar a decisão de investir cerca de R$9 bilhões em um projeto comprometido por graves vícios técnicos, e cujas motivações de fundo somente se tornam nítidas quando se considera que sua lógica obedece às razões particularistas dos anéis de interesses que articulam o círculo governante, as grandes empreiteiras responsáveis pela obra e a concessionária que administra o Metrô. A dura derrota do movimento deixava claro que às autoridades já não era necessário consultar a sociedade civil organizada, e que para assegurar no próximo ciclo eleitoral a sua quase ilimitada discricionariedade bastaria acionar as engrenagens de sua fábrica de votos, cuja captura já quase nada tinha a ver com a política {2}.

Com o levante das ruas e a recuperação de ao menos parcela de sua soberania a sociedade deverá se reorganizar, reatando os elos entre sindicatos, associações e movimentos sociais, e abrindo novos espaços para o diálogo e a gradual reconquista de espaços nas diferentes áreas da vida pública. Disso se poderá esperar muito mais do que simplesmente serviços públicos mais eficientes, mas toda uma nova institucionalidade democrática, que multiplique em todas as esferas da vida brasileira uma cultura mais substantivamente participativa. Disso também se poderá esperar uma reforma profunda da política, que revitalize os partidos e recupere para a cidadania o poder do voto.

OBS: a palavra Levante é definida pelos dicionários como “manifestação coletiva contrária”, “motim” e “revolta”. Mas também como “Lugar onde o sol nasce”.

Marcelo Burgos (Prof. da PUC e da Coord. do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES-PUC-RJ).

NOTAS:
{1} Sobre o assunto, ver Boletim Cedes/abril de 2013.
{2} Sobre o assunto, ver Boletim Cedes/janeiro-março de 2012.

Cf. Boletim CEDES, jul./set. 2013.http://www.cis.puc-rio.br/cedes//

Marina, a equilibrista - Merval Pereira

A ex-senadora Marina Silva, que vem despontando como a grande beneficiada das manifestações "contra tudo o que está aí", principalmente os políticos, tem nas ruas dois dos três segmentos detectados por seus analistas como sendo a base de sua votação de cerca de 20% dos votos em 2010: a classe média "iluminista" e a garotada das redes sociais.

São esses que a colocam em segundo lugar na disputa presidencial em todas as pesquisas feitas durante as manifestações, mesmo sendo Marina formalmente uma política tradicional: fundadora do PT, foi senadora por 16 anos (dois mandatos) e ministra do Meio Ambiente durante praticamente todos os oito anos do governo Lula.

Mesmo assim, consegue manter uma postura que a afasta da imagem do político tradicional, além de se identificar com um terceiro grupo eleitoral, os evangélicos, de fundamental importância para sua votação, como vimos domingo passado na pesquisa sobre religiões realizada pela equipe do professor Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio.

Segundo o deputado federal Alfredo Sirkis, do PV, o voto evangélico de Marina não era nada óbvio em 2010: nas pesquisas, aparecia relativamente modesto até agosto. Sua performance entre eles era bastante pior que entre os católicos, os espíritas e os "sem religião". Em setembro cresceu um pouco, mas ficou ainda longe dos escores reais que ela teria em áreas pesadamente evangélicas, como a Baixada Fluminense, por exemplo.

"Na época, desenvolvi uma tese sobre o voto oculto evangélico, que carece ainda de comprovação cientifica, embora seja empiricamente bastante plausível", diz Sirkis. A grande maioria dos pastores optara pelas candidaturas de Dilma e Serra, relativamente poucos apoiavam Marina. "Ela conseguiu o feito extraordinário de estabelecer uma interlocução direta com a base evangélica por cima dos pastores - o que lhe traz uma grande hostilidade dos ditos cujos, sobretudo dos mais reacionários", avalia o deputado federal.

Essa hostilidade se refletia nas pesquisas, pois "boa parte dos evangélicos, sobretudo mulheres, por recato ou temor de contrariar o pastor de sua igreja, ao ser pesquisada pelos institutos, não revelava a preferência por Marina". Essa teria sido uma das razões, acredita Sirkis, de o seu resultado final ter surpreendido, ficando "uns 4% acima da nossa melhor pesquisa".

Hoje, Marina, considerada por muitos a principal liderança política evangélica do país, embora seja uma convicta e aguerrida defensora do estado laico, é também praticamente a única grande liderança política evangélica progressista, capaz de dialogar - embora não necessariamente se alinhar completamente - com os movimentos que defendem causas comportamentais que as lideranças reacionárias evangélicas hostilizam com tanto fervor.

Alfredo Sirkis vê esse como "o grande papel transformador" que lhe é garantido: trazer para um campo mais democrático e tolerante multidões que, na sua ausência, seriam trabalhadas exclusivamente pelas lideranças conservadoras ou reacionárias. Essa situação a obriga a um "sutil equilibrismo" na gestão dos seus três eleitorados, admite Sirkis, e a se expor a eventuais patrulhamentos e distorções.

Uma das decisões é, na sua relação direta com os evangélicos em foros religiosos, mesmo em época de campanha eleitoral, se recusar a fazer qualquer proselitismo eleitoral, ao contrario da prática habitual dos políticos evangélicos.

Sirkis cita um culto no estádio do Olaria para alguns milhares de fieis, duas semanas antes da eleição de 2010, onde Marina era a convidada de honra. "Fez uma análise bíblica do papel da mulher e da necessidade de convivermos com a pluralidade e a diferença. Uma pregação em torno de uma mensagem claramente progressista embutida na análise de textos bíblicos".

Por enquanto, Marina tem se saído bem desse equilibrismo entre tipos tão distintos de eleitores e conseguiu superar a ameaça dos políticos estabelecidos contra a formação de sua Rede de Sustentabilidade, um partido político que não quer se identificar com os tradicionais, e se conecta com as ações das ruas. Resta saber se tem capacidade de ampliar seu eleitorado para se transformar em uma candidata competitiva à presidência da República em 2014.

Fonte: O Globo

A mola do poço - Dora Kramer

No meio do bate cabeça geral do governo, o marqueteiro João Santana deu um aviso aos navegantes do Planalto e adjacências: fiquem tranquilos; a crise é passageira, daqui a pouco a presidente Dilma Rousseff recupera a popularidade e tem tudo para ganhar a eleição de 2014 no primeiro turno.

Hoje soa como aquela piada do otimista que cai do prédio de 20 andares e, ao passar pelo 10.°, comunica: "Até aqui tudo bem". Mas pode ser que dentro de alguns meses (ele aposta em quatro) fique demonstrado que Santana tinha razão.

A esperança do governo tem colmo referência a recuperação do então presidente Luiz Inácio da Silva, que foi às cordas com o caso do mensalão e não só foi reeleito como ficou ainda mais forte saindo do governo com 83% de aprovação depois de ter caído ao patamar de 30% no auge do escândalo.

É possível repetir o feito? Na política dizem que o fundo do poço tem mola. Portanto, possibilidade existe. A questão são as probabilidades e o resultado do embate entre os prós e os contras.

As situações são inteiramente diferentes, a começar pelo estilo de cada um (ele ardiloso, ela imperativa) e das habilidades das equipes que os cercam. Para se recuperar o pré-requisito essencial é Dilma melhorar o desempenho do time dela, até agora sofrível conforme se atesta, pela .profusão de trapalhadas.

Mas isso, em tese, se corrige. No início da campanha de 2010 a então candidata cometeu uma série de desatinos e depois se acertou. Tempo, instrumentos de poder e disposição de "fazer o diabo" para ganhar a eleição o governo tem.

Deu sorte de a crise eclodir 15 meses antes da eleição, mas tudo depende do que acontecerá daqui até lá. Lula foi bem porque a desculpa esfarrapada do caixa dois para tentar eliminar o caráter criminoso da compra de partidos encontrou ambiente fértil: oposição amedrontada, economia em céu de brigadeiro e Congresso apaziguado, para não dizer agàchado. Ademais, na época a população não havia entrado na conversa.

Hoje o que se tem? Acabou a apatia, a aceitação do prato feito. A economia sem horizonte de melhora com o governo refém da falta de margem de manobra e a população assombrada pela volta do fantasma da inflação.

O PT tentando conter internamente o clamor do "volta Lula" para não passar recibo do fracasso, o Congresso conflagrado pelo acúmulo de insatisfações que chegaram ao clímax por causa da tentativa de Dilma de transferir a ele a responsabilidade de debelar a crise com a história do plebiscito.

O mensalão já recebeu o atestado de crime e as execuções das penas dos condenados fazem parte das exigências dos manifestantes.

Resta em prol do governo a ausência de alternativas eleitorais consistentes. Ninguém até agora capitalizou o prejuízo de Dilma nas pesquisas, mas o jogo antes artificialmente antecipado ainda está para começar.

Sinuca. Além da força do hábito, da sensação de que os cargos lhes conferem a condição de cidadãos "diferenciados" diante do legal e do legítimo, autoridades usam aviões da FAB para fins recreativos também pela impossibilidade de entrarem num avião de carreira sem correr o risco de ouvir uns bons desaforos dos passageiros.

Correção. Na reunião ministerial de segunda-feira passada a presidente Dilma Rousseff não chamou o ministro da Aviação Civil de "burro" - como publicado aqui - quando ele fez reparos à política econômica.

Disse apenas que Moreira Franco não havia "entendido" as explicações do presidente do Banco Centrai, que havia detalhado a posição do ministro da Fazenda - que, aliás, nem traçara um cenário tão cor-de-rosa, conforme pediu para informar por intermédio da assessoria.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Pontes e verdades - Denise Rothenburg

Há duas semanas, a presidente Dilma Rousseff não faz outra coisa que não seja tentar criar pontes. Reuniu governadores, prefeitos, líderes partidários, representantes de movimentos sociais, sindicalistas e até ministros que, se brincar, alguns ela só havia encontrado no dia em que deu posse aos sujeitos.

Em todos os eventos, sem exceção, um problema: a apresentação de um pacote pronto e pouco tempo para que ela pudesse ouvir. Em política, todo mundo gosta de se sentir partícipe. E Dilma não deu muito essa oportunidade às dezenas de interlocutores que recebeu esses dias. Quanto a governadores e prefeitos, o que interessava ali era a foto de apoio a uma constituinte exclusiva que não durou 24 horas. Depois, veio o tal do plebiscito, foco das reuniões seguintes, com os presidentes de partidos, sindicados e até ministros. Mas, em todos os encontros, pelo que se pode perceber em conversas reservadas, conta-se nos dedos aqueles que saíram se sentindo valorizados ou ouvidos, embora os encontros com presidentes da República sejam tradicionalmente para passar essa ideia.

Sem essa interatividade, o que fica são conversas sem um prosseguimento. Não por acaso, o plebiscito foi, aos poucos, perdendo fôlego a ponto de chegar moribundo na quinta-feira e ser quase que engavetado pelo vice-presidente da República, Michel Temer, para desgosto de Dilma. Embora seja lindo o povo opinar sobre vários temas e dizer que tipo de política deseja, há a questão dos prazos. Desrespeitar o prazo de um ano para valer nas eleições de 2014 pode ser um precedente grave. Afinal, não dá para esquecer que, como diz o ditado, onde passa boi, passa boiada. Portanto, tem que se começar respeitando as regras do jogo. Se não dá para valer para 2014, que se discuta para o futuro. Já será um avanço.

O problema é que essas respostas apenas para o futuro não interessam ao governo. Nos bastidores, Dilma e seus mais fiéis escudeiros sabem que no momento em que os deputados e senadores deixarem de discutir o plebiscito virá uma pauta bem amarga para o Poder Executivo, por exemplo, a penca de vetos pronta para sair da gaveta. E, se tomarmos por base tudo o que está para aparecer no Legislativo, a pauta do plebiscito serve hoje de tábua de salvação para escapar da agenda negativa que corre o risco de ser colocada na roda.

Enquanto isso, no Congresso…

A se tomar pelo que disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na reunião ministerial semana passada, não há mais espaço para novas desonerações de taxas e impostos do setor produtivo. Na reunião com coordenadores da bancada do PT na sexta-feira, a presidente fez apelos no sentido de ficarem atentos a fim de evitar a aprovação de projetos que ampliem gastos e derrubada de vetos presidenciais feitos para evitar novas despesas. Esses cuidados, para muitos do próprio PT, pode ser um sinal de que o governo está nos estertores em termos de ferramentas para conter os dissabores na economia. Ou seja, agora é mesmo torcer para que as medidas adotadas até aqui tenham efeito antes de chegada a hora de o povo votar para presidente mais uma vez.

Os apelos de Dilma dificilmente vão funcionar para outros partidos que não o PT. Afinal, como mencionado no início deste artigo, nenhum deles se sente parte integrante do governo, ou parceiro de um projeto a longo ou médio prazos. A partir desta semana, não será difícil, por exemplo, sair a CPI do BNDES, do Petróleo ou CPI do Eike, para apurar as nebulosas relações do Poder Público com o ex-megaempresário. O deputado Luiz Pitman é um dos que começa a reunir assinaturas para a CPI do BNDES. Ele está de saída do PMDB e agora integra a oposição.

E no PMDB…

Dilma não terá ainda todo o respaldo dos peemedebistas nesta luta para barrar novas despesas. Entre cumprir a pauta das ruas e atender a presidente, o partido de Temer e de Renan Calheiros segue firme no propósito de se mostrar antenado, apesar dos voos da FAB. Agora, os deputados brincam que se alguém na galeria levantar as mãos, são R$ 2 milhões a mais de gastos na conta do governo. Se cantar o Hino Nacional, o aumento da despesa governamental será ainda maior. Ou seja, a ampulheta se inverteu: se antes eles estavam ao lado de Dilma, agora, eles buscam é a sobrevivência.

E no Ginásio Nilson Nelson…

Por essa, nem ele esperava. O deputado Romário (PSB-RJ) estava lá, bem sentado e distraído acompanhando o jogo da Seleção de vôlei ontem em Brasília, quando, de repente, sua imagem aparece nos telões. Na hora, o público do ginásio inteiro aplaude e muitos ainda gritam “Romáriôo! Romáriôoo!”. Bem, não era um estádio, mas talvez sirva para deixar dúvidas a respeito da máxima de Nelson Rodrigues de que nos estádios se vaia até minuto de silêncio.

Dilma busca a tudo e a todos para tentar salvar o plebiscito porque, no momento em que os parlamentares deixarem de discutir esse tema, virá uma pauta bem amarga para o Poder Executivo dentro do Congresso

Fonte: Correio Braziliense