Manobra com contas da poupança rendeu R$ 200 milhões ao Tesouro
Gabriela Valente, Martha Beck e Lucianne Carneiro
BRASÍLIA e RIO - A manobra contábil feita pela Caixa com recursos de cerca de 500 mil cadernetas de poupança para inflar seus resultados em 2012 desgastou a cúpula da instituição, mas não deve resultar na saída do presidente Jorge Hereda. Segundo interlocutores, a presidente Dilma Rousseff acredita que o assunto está superado porque no primeiro dia útil após a denúncia, apenas dez pessoas foram às agências bancárias e regularizam poupanças que equivalem a R$ 4.151. Durante o dia, técnicos repassaram informações ao Palácio do Planalto para sanar a maior preocupação da presidente: a de que poderia haver corrida bancária para saques.
- Não houve nenhum movimento extraordinário hoje na Caixa - garantiu o vice-presidente de Finanças, Márcio Percival, em entrevista ao GLOBO.
A operação feita pela Caixa teve impacto de cerca de R$ 500 milhões nas contas do governo no ano passado e ajudou a equipe econômica a cumprir a meta revisada de economia para pagar juros da dívida pública. O número considera o valor pago em impostos e cerca de R$ 200 milhões em dividendos ao Tesouro.
Aval do conselho
Neste ano, ela deve diminuir levemente o esforço fiscal deste ano já que o Tesouro teria que dar um crédito de R$ 299 milhões ao banco pelo imposto pago. O restante é relativo a dividendos que não serão devolvidos, mas como a Caixa terá de retirar R$ 420 milhões do lucro, terá menos recursos para repassar à União em 2014.
De acordo com Percival, o objetivo da medida não era aumentar as receitas do governo. Ele explicou que, no ano passado, a Caixa repassou R$ 7,7 bilhões em dividendos e lucrou apenas R$ 6,1 bilhões, ou seja, usou dinheiro de lucro de anos anteriores.
- A gente não precisaria desse dinheiro (da caderneta) para pagar o Tesouro, pois poderíamos usar saldos dessa conta de exercícios anteriores - garantiu.
Segundo o executivo, a decisão de colocar os recursos no lucro do banco foi tomada após análise jurídica. O argumento é que se mantivesse o dinheiro no passivo, poderia continuar a usar o valor para novas operações e não pagaria imposto sobre o montante. Segundo Percival, a ideia teve aprovação do conselho e da auditoria:
- Se deixasse na conta de passivo, poderia ser acusado de esconder pagamento de impostos.
O procedimento já estava na mira da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Banco Central (BC), que começaram a tocar investigações paralelas. Em dezembro, o BC informou à Caixa que a operação deveria ser desfeita e os registros deveriam ficar em nome de cada correntista.
A avaliação interna é que houve dano à imagem da instituição. No entanto, o estrago foi minimizado, porque a Caixa e o BC já se movimentaram para deixar claro para a população que a manobra não representou confisco e que os donos das cadernetas cujo dinheiro foi usado para compor o lucro do banco não perderam esses valores. O BC já ordenou que a Caixa desfaça a operação.
Técnicos do governo afirmam que, embora Hereda já tenha enfrentado turbulências, como a corrida às agências da Caixa em maio de 2013 por causa de rumores sobre o fim do Bolsa Família, ele ainda é o homem em quem Dilma confia para ajudar a tocar o Minha Casa Minha Vida, uma das principais vitrines na campanha presidencial de 2014.
Na agência da Caixa na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, a procura foi pequena, apesar de um gerente ter sido designado para tirar dúvidas sobre o assunto. Uma funcionária explicou que as contas encerradas estavam, em sua maioria, ligadas a fraudes, no CPF ou no endereço. Segundo o banco, apenas um cliente procurou informações na agência por ter tido a conta encerrada, mas não havia relação com o episódio.
O advogado Cesar Gerpi disse que pretende voltar para verificar se estão em ordem as três poupanças que tem na Caixa: duas no Rio e uma em Itaguaí.
- Acho estranho que uma instituição do porte da Caixa não consiga fazer contato com seus clientes numa época como a de hoje, em que temos acesso a tantas informações - disse Gerpi.
O motorista Paulo Roberto Augusto da Conceição foi conferir se o saldo estava certo:
- Fiquei mais tranquilo em saber que estava tudo bem.
O professor de Educação Física Sergio Bernardo, de 31 anos, disse que só não ficou preocupado porque o saldo de sua caderneta era de R$ 100.
- Mesmo sendo novo, todo mundo lembra do confisco das poupanças pelo Collor -afirmou.
Fonte: O Globo.
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