quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Carlos Pereira: Mudar para que tudo continue como está

Sem abrir mão de poder, o PT diminui chances de mantê-lo

É chegado mais um ano eleitoral e com ele abre-se uma janela de oportunidade para uma reforma ministerial. Ajustes na alocação de poder entre os partidos da coalizão de governo estão à vista. Este sempre é um momento de tensão e risco. Estão em jogo possibilidades para se ganhar ou perder espaços já ocupados. O partido da presidente, o "formateur" da coalizão, tentará ocupar ainda mais posições. Por outro lado, aliados procurarão aumentar sua participação, que têm sido extremamente reduzida sob os governos do PT.

Como o ex-presidente Lula, Dilma montou uma coalizão extremamente ampla e heterogênea. Entretanto, o marco das coalizões dos governos do PT tem sido a desproporcionalidade entre o peso político dos aliados no Congresso e a fatia de poder delegada aos seus parceiros.

O PT tem ocupado cerca de 46% dos ministérios no governo Dilma, enquanto o seu peso político não passa de 26% de cadeiras ocupadas pela coalizão na Câmara dos Deputados. O PMDB, que tem praticamente o mesmo peso político do PT na Câmara e um peso maior no Senado, tem apenas 16% de ministérios. O PSB, ainda no governo, tinha cerca de 5% de ministérios e uma bancada na Câmara de quase 11%. Com exceção do PT, todos os partidos aliados dos presidentes Lula e Dilma têm sido sub-recompensados. Esta superdominância do PT no governo Dilma também é verificada nos cargos de livre nomeação do segundo e terceiro escalões, ocupando 30% de cargos na burocracia federal. Outros partidos da base, tais como PMDB, PP e PTB, ficam relegados à ocupação de apenas 12%, 6%, e 5% respectivamente. Como pode ser notado, trata-se de uma situação que se assemelha à condição de monopólio, circunstância na qual os bônus políticos são definidos pelo monopolista, neste caso o PT, e não pelo conjunto de "stakeholders" do governo.

Por que o PT tem tanta dificuldade em compartilhar poder com aliados? Uma explicação decorre do grande número de suas facções internas. A estratégia de não contemplar algumas dessas facções com cargos no governo não é destituída de custo político. Difícil dizer para alguma dessas facções que não há espaço no governo, diante da necessidade de acomodar aliados externos que tem peso real de poder no Congresso.

O aumento de escândalos de corrupção é uma das consequências dessa estratégia monopolista. Além disso, deserções de aliados são mais frequentes, como a recente saída do PSB do governo e o lançamento da candidatura de Eduardo Campos à Presidência e problemas na montagem de palanques com aliados em alguns Estados importantes como na Bahia. Dilma também tem amargado mais derrotas no Legislativo, com a menor média de apoio em votações, aproximadamente 44% do total da Câmara dos Deputados, comparando-se com as duas legislaturas anteriores (ver gráfico). Mais preocupante é que a taxa de apoio ao governo Dilma tem sido progressivamente menor entre os partidos que fazem parte da coalizão do governo. Percebe-se uma espécie de saturação ou cansaço do modelo centralizador e não proporcional de gerência da coalizão, implementado pelos governos do PT.

Talvez o PT não tenha percebido que chefes do Executivo enfrentam, inexoravelmente, um dilema inerente aos regimes multipartidários: a condição de que o partido do presidente não desfruta de maioria legislativa. Além de alocar benefícios monetários e fazer concessões políticas, se torna necessário distribuir ministérios, como forma de manutenção de coalizões políticas majoritárias. Ao delegar autoridade ministerial para um membro de sua coalizão, presidentes assumem riscos de verem suas preferências expropriadas. Apesar de nomeados pelo Executivo, ministros possuem espaços próprios de atuação, sem que haja mecanismos de absoluto controle sobre as ações efetivamente realizadas.

Uma ferramenta de gerência de coalizão mais eficiente do que monopolizar gabinetes tem sido a nomeação de secretários-executivos da confiança do presidente para ministérios, como mecanismo de controle dos seus parceiros. Essa ferramenta é especialmente utilizada quando parceiros são ideologicamente distantes das preferências de presidentes. Por outro lado, quando não compartilham poder com aliados, ao montarem governos de coalizão desproporcionais, como tem feito o PT, presidentes perdem a capacidade de controlar aliados via nomeação de secretários-executivos. Tal decisão poderia aumentar ainda mais a tensão com aliados que já se sentem desprestigiados por não verem seus pesos políticos reconhecidos pelo governo.

Portanto, em vez de continuar nutrindo uma atitude preconceituosa e desconfiada em relação a seus parceiros políticos, seria melhor o PT aprender com os seus sucessivos erros e aproveitar a atual janela de oportunidade para fazer uma reforma ministerial que reflita a efetiva correlação de forças políticas no Congresso. Do contrário, novas defecções podem ocorrer, em um ano capital, quando a presidente concorre à reeleição. É importante ressaltar que Lula conseguiu manter uma coalizão de governo com muitos aliados, além de heterogênea e desproporcional. Isso porque sempre desfrutou da qualidade particular em obter popularidade e ter habilidade no trato com seus parceiros. Além do mais, Lula enfrentava poucos riscos eleitorais em um ambiente marcadamente favorável à continuidade, o que diminuiu o poder de barganha dos parceiros. Diferentemente, a presidente Dilma deve enfrentar uma disputa política difícil e imprevisível com dois candidatos de oposição competitivos, em um cenário em que 2/3 dos eleitores brasileiros já externalizaram um claro desejo de mudança. Enfim, esse é o momento de mudar caso o PT pretenda continuar onde está: na Presidência.

Carlos Pereira é professor titular na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getulio Vargas (FGV), coautor do livro "Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System"

Fonte: Valor Econômico

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