segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

De olho no eleitor da periferia, políticos reforçam discurso social

Guilherme Serodio e Renata Batista

RIO - Com a perspectiva de uma das eleições mais fragmentadas da história, os pré-candidatos ao governo fluminense já elegeram seu alvo prioritário: os bairros e municípios da periferia da região metropolitana do Rio, que concentra 74% da população do Estado. A decisão considera o peso do eleitorado dessa área: foi lá que apostaram os candidatos vencedores nas últimas três eleições ao Palácio Guanabara. Este ano, a estratégia é contemplada tanto pela máquina governista do PMDB, quanto pelos candidatos de oposição, com um discurso fortemente calcado na prestação (ou crítica) ao serviço público.

"Tradicionalmente, a batalha eleitoral foca no voto de opinião da Zona Sul, Centro e parte da Zona Norte, que nessa eleição tende a ficar muito fragmentado. É por isso que os candidatos estão dando pouca atenção a esses eleitores. Para estes, a estratégia é dizer que está ruim com [o governador Sérgio] Cabral [PMDB] e pode ficar pior com [o deputado federal e pré-candidato ao governo do Rio Anthony] Garotinho [PR]
", resume o cientista político Cesar Romero Jacob, responsável por uma análise cartográfica que colocou no mapa, pela primeira vez, o percentual de votos nas últimas eleições ao governo do Rio. Os mapas mostram a repetição do desempenho tanto dos vencedores - Rosinha Garotinho (2002) e Sérgio Cabral (2006 e 2010) - quanto dos perdedores - Benedita da Silva (2002), Denise Frossard (2006) e Fernando Gabeira (2010).

Sobreposto, o mapa de investimentos do governo estadual e da Prefeitura do Rio - ambos a cargo do PMDB - nas áreas de saúde, educação e infraestrutura, além de programas sociais, revela a priorização das mesmas regiões.

Partidário do vice-governador Luiz Fernando Pezão, pré-candidato do PMDB ao governo, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, aponta a estratégia de investimentos da máquina do partido: "Os BRTs [vias expressas de ônibus] estão todos na Zona Norte, na Zona Oeste. E tem o morar Carioca, de urbanização de favelas, que junto com o Bairro Maravilha urbaniza essas áreas", diz.

"Você não vai encontrar uma placa da prefeitura na Zona Sul. Não tem uma obra minha aqui. Amo a Zona Sul e acho que é uma marca do Rio, mas não precisa de investimento", afirma o prefeito.

Desde novembro, Cabral - com Pezão ao seu lado como coordenador de infraestrutura do governo - já entregou 406 casas do Minha Casa, Minha Vida em Queimados e outras 16 na favela do Pavão-Pavãozinho; lançou o programa Bairro Novo no município de Belford Roxo, e em bairros de Japeri, na Baixada; e inaugurou uma maternidade em Nova Iguaçu. O vice-governador Pezão ainda foi a Brasília pedir recursos federais para os municípios atingidos pelas chuvas do fim do ano na Baixada.

A Prefeitura do Rio fez um tour de inaugurações parecido. No mesmo período, o prefeito Paes entregou em Triagem, subúrbio do Rio, 520 imóveis do programa habitacional municipal Bairro Carioca. Na última quinta-feira, o governador entregou mais 1200 apartamentos do Minha Casa, Minha Vida em Barros Filho, Zona Norte da capital. No mesmo bairro, a prefeitura construiu recentemente um Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI), modelo de escola para ensino básico lançado por Paes.

Para Romero, a efetividade das políticas sociais pode contar pontos a favor dos candidatos aliados da máquina governamental. Associada ao aumento da penetração de smartphones e redes sociais na periferia, pode ajudar a quebrar a tradicional influência de pastores e políticos locais. "Se os partidos souberem usar o recurso para enfraquecer o mecanismo de controle de pastores e lideranças regionais, pode ser um golpe no voto de máquina", diz.

Na avaliação de Romero, na periferia, é forte a influência dos pastores neopentecostais, mas existe também uma máquina de votos capitaneada por centros sociais - e assistencialistas - de deputados, prefeitos e vereadores. "Essa máquina da periferia não é de ninguém e vai na direção que o vento sopra", diz, citando políticos tradicionais da região, como Rosa Fernandes, que já foi do PSDB de Marcello Alencar, do DEM do Cesar Maia e do PMDB. Hoje no Solidariedade, foi lançada ao governo estadual em dezembro.

Sem contar com obras para mostrar, o senador Lindbergh Farias, pré-candidato do PT, também direciona seu discurso para o eleitorado da região. Para um petista próximo ao candidato, Lindbergh buscará o apoio de vereadores e líderes comunitários para tentar ganhar a disputa nessas praças.

O petista sustenta sua ação nas críticas aos investimentos do governo estadual, que aponta como direcionados à Zona Sul e Barra, regiões ricas da capital. Lindbergh critica até a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), carro chefe da política de segurança pública de Cabral, por focar nos bairros nobres da capital e desprestigiar outras regiões.

"[Junto com as UPPS] deveria ter ocorrido um planejamento na Baixada, São Gonçalo, Campo Grande. Isso não houve mas houve migração dos bandidos", disse em entrevista recente.

Na estratégia de aproximação, Lindbergh mira também os evangélicos - eleitorado cuja distribuição se assemelha à dos candidatos vencedores. Para isso, tem se aproximado do pastor Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, de quem conseguiu apoio público em outubro. A aproximação reflete no comportamento do senador em votações no Congresso. Em dezembro, Lindbergh foi o único senador do PT a votar contra um projeto de lei pela criminalização da homofobia. O voto foi contra a orientação do partido, mas elogiado por Malafaia.

A aproximação do petista com pastores evangélicos incomoda Garotinho, pré-candidato do PR, que tem no segmento um eleitorado cativo. "O mal dos metidos a esperto é achar que é fácil passar a perna em todo mundo. Esse é exatamente o caso do senador Lindbergh Farias. Sua campanha é baseada apenas em mentiras e enganações. Finge que defende os princípios cristãos para tentar ludibriar o povo evangélico", disse Garotinho em seu blog. "Quer se passar por oposição ao governo Cabral quando faz parte desde o início da administração estadual", disparou.

A aposta de Lindbergh é oposta à tradição do PT no Estado. Em disputas anteriores os candidatos do partido conquistaram mais votos na Zona Sul, Barra e Tijuca, bairros onde o nível médio de renda é mais elevado. "Mas não é com os votos da Zona Sul que se ganha eleição para governador", diz Romero. "A eleição no Rio é ganha com votos dos bairros populares da capital e da Baixada Fluminense".

O presidente do PMDB no Rio, Jorge Picciani, desdenha da estratégia do petista. "Hoje ele não tem o voto do eleitorado da esquerda da Zona Sul nem ao centro ou à direita na cidade do Rio e vai disputar um voto evangélico conosco, Garotinho e Crivella. A situação dele é muito delicada", diz Picciani, um dos líderes da máquina de centros sociais que mobiliza quase um terço da Assembleia Legislativa.

A necessidade de reconhecimento na região é lembrada até por políticos do PSDB, na discussão sobre a candidatura do treinador de vôlei Bernardinho. "O Estado não é Ipanema ou Leblon", diz um cacique que critica o nome associado à Zona Sul.

Para o presidente do Instituto Informa, Fábio Gomes, as pesquisas de avaliação do governo comprovam o impacto das obras na avaliação do eleitor. "Fizemos pesquisas antes e depois da entrega de obras do programa Bairro Novo [do governo do Estado]. Há uma clara recuperação no índice de aprovação do governo Cabral após as entregas", diz.

A tarefa de suplantar a força das lideranças locais, porém, tem contornos históricos. Em Santa Cruz, bairro com eleitores suficientes para eleger um deputado federal, dois estaduais e dois vereadores, a força de alguns desses líderes ultrapassa duas décadas. É o caso de Joilson Moço, que chegou a região há 24 anos, trazido de Campos pelo cunhado e também militante João Manuel Monteiro, aliado do ex-governador Leonel Brizola. Do PDT, passou ao PSDB de Marcello Alencar e hoje tem uma relação menos orgânica com o PMDB governista.

Segundo ele, a chegada de novos moradores, removidos de outras regiões, e a estratégia de investimento social da prefeitura e do Estado diluem a influência de lideranças locais. "A gente queimava pneu na Rio-Santos e conseguia um posto de saúde, uma creche. Hoje, bate no assessor do assessor e não consegue conversar nem com secretário", diz.

Para o diretor do Instituto do Trabalho e da Sociedade (Iets), Manuel Thedim, até iniciativas como a central de relacionamento da prefeitura, conhecida como 1746, podem resultar em uma decisão de voto mais independente por parte desse eleitor. "Esse canal nunca existiu, mas hoje permite o encaminhamento das demandas e está conquistando reconhecimento", acredita.

Fonte: Valor Econômico

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