segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Juro do cheque especial chega a 146% ano ano

Taxa atingiu o maior nível em 18 meses

R$ 21,2 bi em dívida e juros anuais de 146%

No início do ano, depois dos gastos extras com as festas e as férias e das despesas com impostos, os brasileiros costumam mergulhar no cheque especial, cujas taxas estão nos maiores níveis em 18 meses. Saldo devedor aumenta 16% em 2013

Diego Amorim

O cheque especial deveria, em tese, ser usado somente em casos de extrema necessidade. Mas, de tão acessível e estimulado pelos bancos, o dinheiro extra acaba se incorporando ao salário de milhares de brasileiros. Em 2013, ainda sem contabilizar as compras de Natal, o saldo devedor dessa modalidade cresceu 16,3%, mais que o dobro do salto registrado nas dívidas com cartão de crédito. O montante atingiu R$ 21,2 bilhões em novembro, indicam os dados mais atualizados do Banco Central.

Animados com os valores a mais disponíveis na conta, os brasileiros costumam se enrolar com o cheque especial com a mesma facilidade que usufruem dele. Não raras vezes, os juros altíssimos tumultuam a vida de quem abusa desse tipo de empréstimo: a taxa média cobrada pelo sistema financeiro vem subindo há seis meses consecutivos, tendo alcançado, no último levantamento do BC, o patamar de 146,4% ao ano — o maior desde junho de 2012.

Quem gastou muito na virada do ano e não poupou ao menos parte do 13ª salário pensando nos meses seguintes terá de se esforçar para vencer a tentação e fugir do cheque especial neste início de 2014, orientam especialistas. Se for preciso recorrer a algum tipo financiamento para pagar os impostos tradicionais de começo de ano (IPVA e IPTU), a matrícula escolar dos filhos ou outras despesas urgentes, a sugestão é recorrer a modalidades com juros menores, como o crédito pessoal (86,4% ao ano) ou o empréstimo consignado (24,5% anuais, na média).

A taxa de inadimplência de quem se pendurou no cheque especial apresentou uma queda no fim de 2013, após três meses seguidos de alta. Ainda assim, os 8,1% computados pela autoridade monetária é bem maior que o índice total para pessoas físicas: de 6,7%. Em uma lógica bem semelhante à daqueles que optam por pagar apenas o mínimo da fatura do cartão de crédito, quem adia a quitação dos débitos com o cheque especial entra em uma “bola de neve” da qual dificilmente se sai livre de estragos financeiros.

Experiência desastrosa
O acúmulo de dívidas por causa da despesa extra de juros nas alturas fez a terapeuta Jeanine Duarte, 46 anos, tomar uma decisão radical há dois anos. Assumindo ser quase impossível não se apropriar dos valores do cheque especial — sempre em evidência no saldo bancário —, ela pediu ao banco que bloqueasse o acesso ao empréstimo. “Não quero nem ouvir falar em limite do especial. Agora, está tudo sob controle e conto somente com o meu salário”, comenta.

As experiências desastrosas com uma verba fácil de ser utilizada empurraram Jeanine — e tantos outros brasileiros — para outras dívidas, na tentativa de se livrar de um quadro mais complicado. “Como os juros altos vão sendo debitados automaticamente, a gente não tem a noção exata do tanto que está gastando”, diz. “A verdade é que, com o crédito ali disponível, eu não conseguia ficar sem contar com ele”, reconhece.

O cheque especial, reforça o educador financeiro Reinaldo Domingos, é uma das modalidades de crédito mais fáceis de ser usada, uma vez que quase não há burocracia para aprovação. Em muitos casos, o limite é aumentado sem mesmo o cliente pedir ou ser avisado. “Por ser um tipo de financiamento já aprovado, é também um dos mais arriscados e traiçoeiros. A pessoa cai numa areia movediça e, quando percebe, está engolida pelas dívidas”, alerta o autor do livro Terapia Financeira.

Geralmente, as dívidas com o cheque especial começam pequenas e devagar. Depois, viram rotina, ganham proporções maiores e fogem do controle. É a porta de entrada, completa Domingos, para uma situação de inadimplência. “Usar essa modalidade como parte do salário é praticamente um suicídio do ponto de vista financeiro”, define o especialista, que insiste na recomendação de, em caso de emergência, apelar para os créditos pessoal ou consignado. “Se for para tomar empréstimo, que seja o de menor juros.”

Válvula de escape
Embora na maioria das vezes seja usado de maneira displicente, o cheque especial pode ajudar bastante quem precisa cobrir alguma despesa inesperada e por um curto espaço de tempo, pondera o economista e professor do Ibmec em Brasília José Ricardo da Costa e Silva. Alguns bancos, inclusive, permitem a utilização do crédito sem a cobrança de juros por alguns dias. “O problema é que as pessoas se acostumaram a usar o cheque especial como válvula de escape”, afirma.

Por trás dos números de saldo devedor e de inadimplência divulgados pelo Banco Central, é possível perceber, na avaliação de Silva, como os conceitos de educação financeira ainda precisam ser aprimorados no país. “O brasileiro tem de aprender, de uma vez por todas, a conviver com o salário que tem”, insiste o economista, classificando como abominável o uso do cheque especial como algo integrado à renda. “Arcar com uma taxa de juros na casa dos três dígitos ao ano não faz o menor sentido.”

Fonte: Correio Braziliense

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