sábado, 11 de janeiro de 2014

Merval Pereira: As dores da Tunísia

Ontem pela manhã, no hall do hotel Eastin, aqui em Kuala Lumpur, uma tunisiana parecia particularmente feliz com as notícias de seu país, embora cautelosa sobre as consequências. A escritora Hélé Béji, uma das principais intelectuais da Tunísia, fundadora do Colégio Internacional de Túnis, fizera uma palestra angustiada no dia anterior, na Universidade Malaya, dando um panorama sombrio do que acontecia em seu país desde que um jovem vendedor ambulante de frutas e verduras se imolou em praça pública, em protesto contra os desmandos das autoridades, desencadeando o que ficou conhecido como “Primavera Árabe".
 
Três anos depois da revolta popular que derrubou o ditador Zine el-Abidine Ben Ali, o primeiro-ministro da Tunísia, Ali Larayedh, do partido islâmico Ennahda, renunciou quinta-feira dentro de acordo com a oposição para aprovar uma nova Constituição e definir uma data para uma nova eleição. Um conselho eleitoral será escolhido para supervisionar a votação.

“Boas novas", comentou Hélé Béji, mas sem aquele entusiasmo que demonstrou na conferência da Academia da Latinidade em 2011, em Túnis, onde ela garantiu que “assistimos, pela primeira vez na História contemporânea, e com ressonância mundial e não somente regional”, à reinvenção da liberdade, e que “a partir de agora não há mais fronteiras morais ou políticas” entre o mundo livre, que se identificava com o Ocidente, e os outros mundos.
 
Na quinta-feira passada, na sua palestra na reunião aqui em Kuala Lumpur, Hélé Béji parecia desanimada, dizendo que não compreendia o que se passava em seu país. “Nós nos acreditávamos um dos povos mais civilizados do planeta, mas caímos em um clima de divisão e intolerância que não conhecíamos, mesmo nos piores tempos coloniais.” Ela se referia aos assassinatos de um pensador do islamismo e de um deputado do partido islâmico no poder, no início do ano passado, que colocaram o país em uma nova crise que se espera será superada por esse acordo político para uma nova eleição geral sob uma nova Constituição.
 
A Hélé Béji que falava da “aceleração da História” em 2011, dizendo que “a ação, o gesto, a rebelião, a palavra foram mais rápidos que o pensamento”, hoje acha que “a demagogia política" está a caminho de roubar a estabilidade do país, garantida, segundo ela, pelas pessoas comuns que continuam seu trabalho diário, sem mais a esperança de renovação da política diante da atuação de “democratas”, “revolucionários”, “islamitas” que acabaram perdendo a credibilidade pela disputa insensata do poder.

Hélé Béji fez duras críticas aos trabalhos da Constituinte, que, segundo ela, produz uma Constituição “em ruínas" que “não cessa de ser refeita” por causa de disputas políticas. É a generosidade do povo tunisiano que, para Béji, garante “os muros frágeis de uma lei moral superior à Constituição, a da confiança”, da solidariedade popular, “sejam quais forem as tempestades".
 
A pensadora, que, em 2011, considerava que estávamos diante de uma “ampliação infinita, mundial do que conhecíamos como mundo livre”, agora se mostra descrente da capacidade dos políticos, sejam de que facção forem, de levar adiante um projeto de democracia.
 
Para Hélé Béji, a esperança de uma nova Tunísia repousa agora na grande massa que não vai às manifestações, não recorre aos políticos nem aos partidos e nem mesmo faz parte da chamada “sociedade civil" que se apequena e fica cega diante de paixões e lutas fratricidas. Essa parte da população tunisiana é chamada por Béji de “sociedade civilizada"e caberá a ela definir os destinos da Tunísia, prevê uma hoje pessimista líder tunisiana.

Fonte: O Globo

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