segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Paulo Brossard: Atrás das grades

Graças ao avanço das comunicações e a conivência de autoridades, criminosos dirigem as ações de dentro do presídio para serem executadas fora dele. A administração nas penitenciárias passa a ser feita por facções de criminosos que concorrem com o Estado, e o resultado não é difícil antever.

Hoje, o problema não é simples nem fácil. A população carcerária não é do melhor perfil e pode ser do menos bom, do mesmo modo que o elemento externo nem sempre estará qualificado a exercer as necessárias atribuições específicas que lhe cabem. Nem são ideais as relações que, por vezes, se não muitas vezes, se estabelecem entre presidiários e seus guardas. Enfim, não é necessário ser especialista para intuir que as qualificações dos servidores lotados no serviço de carceragem não poderiam ser vulgares. Se as relações entre o preso e o que deve guardá-lo são complexas, o problema se centuplica, consideradas as condições dos presídios. De maneira geral, são deficientes em todos os sentidos, o primeiro deles, visível a olho nu, decorre da habitual superpopulação carcerária.

Suponha-se que o melhor hotel da cidade, com a capacidade para receber 300 hóspedes, tivesse de acomodar 600 ou 900. É evidente que o melhor hotel instantaneamente se converteria no pior; é o que vem ocorrendo com os presídios. A antiga Casa de Correção de Porto Alegre foi disso exemplo ilustrativo. Claro que o problema não é insolúvel, contudo, a primeira dificuldade está na carência de recursos financeiros e na existência do número de necessidades a satisfazer. É natural que o administrador seja levado a deixar para depois a construção de um presídio que, embora necessário, não se compara com outras obras, mais palatáveis ao gosto popular. O fato é que, de um modo geral, em todos os Estados os presídios foram ficando para melhor oportunidade, agravando-se a deficiente quando não a má qualidade dos seus serviços.

Não faz muito, um titular do Ministério da Justiça determinou fosse apurado, Estado por Estado, quando fora construída a última cadeia e o resultado foi penoso, r por que o ministro, com apoio de seu presidente, se dirigiu a todos os governadores propondo-lhes construir uma cadeia no seu Estado. O plano foi cumprido à risca, um em cada Estado. Era o mínimo e deveria ser o começo, mas o ministro deixou o ministério e não houve a esperada continuidade. Essas e outras dificuldades são conhecidas, mas verificar que em alguns Estados os detentos estão amontoados é indefensável e imperdoável. E essa desumanidade não pode continuar.

Não é só. Um fato veio acrescentar elemento novo ao pungente quadro conhecido; entidade veio a constituir-se aglutinando dois tipos, os condenados e por isso detentos e os que se encontram fora do presídio, porque não condenados; aqueles planejam o empreendimento e estes em liberdade são os executores dos planos traçados; não demorou que um segundo grupo decidiu instalar-se na mesma área e entrou a disputar com o anterior a primazia de sua exploração, resultando feroz concorrência entre ambos e têm sido divulgadas notícias de eliminação por parte de um ou outro, até mediante degola. É inacreditável.

A meu juízo, de Norte a Sul o problema é praticamente o mesmo: basta dizer que o Estado de São Paulo abriga 40% da população carcerária do país e nove em cada 10 unidades prisionais estão superlotadas; para 206.900 detentos, as vagas são 123.400. Isso em São Paulo.

*Jurista, ministro aposentado do STF

Fonte: Zero Hora (RS)

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