segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

36 milhões na dança do emprego este ano

Demissões e pedidos de dispensa devem chegar a 36 milhões no país este ano. Cenário ilustra a alta rotatividade, entre as maiores do mundo, e pesa nos gastos com o seguro-desemprego

Victor Martins, Rodolfo Costa e Pedro Rocha Franco

BRASÍLIA e BELO HORIZONTE– Trinta e seis milhões de brasileiros serão demitidos em 2014 ou pedirão as contas, o equivalente a quase metade da força de trabalho do país. Apesar do número elevado, o dado não reflete uma crise aguda não prevista. Esse contingente, em um curto espaço de tempo, será recolocado no mercado, um público que deixou o Brasil entre os países com as maiores taxas de rotatividade no mundo. Em algumas carreiras, esse índice chega a 150% — ou seja, o quadro de funcionários de uma empresa, em determinados ramos, pode ser renovado 1,5 vez por ano.

Para a maioria, a recontratação ocorre exatamente no mês em que acaba o benefício do seguro-desemprego. No entanto, a coincidência entre o fim da assistência e a recolocação no mercado não é obra do acaso. "Os auxílios financeiros transformaram-se em estímulo à demissão", diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Opus Investimentos. Mesmo com a economia vivendo o pleno emprego — quando a maioria da população economicamente ativa tem um posto —, as despesas do governo com o benefício a trabalhadores sem ocupação dispararam: fecharam o ano passado em R$ 44,2 bilhões.

"Toda vez que o trabalhador é demitido, recebe uma quantia elevada comparada ao salário. Para alguém pouco qualificado, ganha-se mais sendo demitido", explica Camargo. "O número de trabalhadores que consegue um posto no mês em que acaba o seguro-desemprego é elevadíssimo. Os dados claramente sustentam essa hipótese de que os benefícios têm responsabilidade direta na alta rotatividade", observa. Camargo pondera ainda que a maioria das demissões ocorre antes de o empregado completar um ano no cargo. "Para demitir depois de 12 meses de contratação, fica mais difícil. Tem de fazer o processo acompanhado pelo sindicato e a burocracia é maior. O patrão, percebendo o interesse do trabalhador em sair, faz isso antes de completar um ano", relata.

Estímulos. O economista e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman avalia que o mercado de trabalho aquecido também favorece a rotatividade. "A pessoa sabe que pode sair, ficar fora e, depois, voltar. Ele pega o seguro-desemprego nesse meio-tempo. Se o mercado não está tão bom, tem-se medo de perder o posto e aí ninguém arrisca", argumenta. Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, alerta que o número de pessoas demitidas em um ano, o equivalente a aproximadamente 40% da força de trabalho, é um número demasiadamente elevado. Nos Estados Unidos, uma economia cujas relações trabalhistas estão entre as mais flexíveis, a taxa é a metade da brasileira.

O pesquisador explica ainda que, de cada três demissões no Brasil, duas ocorrem por decisão da empresa e uma, a pedido do próprio empregado. "Em qualquer lugar do mundo a expansão do emprego é acompanhada da redução dos gastos do seguro-desemprego no Brasil é o contrário", diz. Pochmann pondera que a rotatividade permite ainda que as empresas troquem trabalhadores mais caros por outros de salário menor.

José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), explica que essa troca excessiva de trabalhadores ocorre em função dos baixos salários. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que mais de 60% dos postos gerados são para funções que pagam até três salários mínimos, valor muito próximo do teto do seguro-desemprego. "A rotatividade é um malefício para o trabalhador", defende Oliveira. "Além de achatar os salários, impede que as empresas invistam na qualificação do funcionário", alerta.

Sistema. Para Pochmann é preciso repensar o sistema de contratação. "Com o tempo que o trabalhador fica no posto, fica inviável investir em qualificação", ressalta. Ele, no entanto, é contrário a projetos que elevam o custo de demissão. Se ficar mais caro, argumenta Pochmann, o custo vai ser incorporado aos preços e o consumidor, no fim, é quem pagará a conta dessa elevação.

Entre os setores de maior rotatividade, a construção civil se destaca. É onde os trabalhadores mais mudam de emprego. No segmento que atua com edifícios, de cada 10 empregados, nove serão demitidos em até um ano. Em infraestrutura e serviços especializados, oito.

Flávio Gomes, de 23 anos, atua na construção civil. Desde 2012, passou por três empregos e, agora, vai parar de trabalhar para terminar os estudos. O cotidiano desgastante como auxiliar de topografia se tornou uma barreira para que ele concluísse o 9º ano do ensino fundamental. "Tinha que atender em vários lugares. Se vinha algum pedido para a empresa, não tinha como deixar de atender. Sempre me atrasava para chegar à aula", explica. "Entrava na sala por volta das 20h e assim eu perdia praticamente todo o primeiro período. Por sorte, os professores me ajudaram."

Em 2012, Flávio Gomes trabalhou por seis meses em uma empresa de manutenção e montagem de máquinas de obra e depois como servente de pedreiro, por oito meses. "Tendo serviço e conseguindo me sustentar, está bom para mim. Mas do jeito que as coisas estavam indo não estava legal", conta. "Só tem futuro bom quem estuda. Tudo o que eu quero é crescer e ter um trabalho melhor", desabafou.

Frustração com baixos salários
Segundo uma pesquisa da Robert Half, maior empresa de recrutamento especializado do mundo, a rotatividade no Brasil, entre 2010 e 2013, cresceu 82%. No restante do planeta, esse avanço foi bem menor, de 38%. Parte desse movimento se explica também pela disputa por profissionais qualificados. "Apesar de a economia não estar tão aquecida quanto o esperado, as empresas não pararam de contratar, principalmente se nos referirmos à mão de obra especializada", destaca o levantamento. Esse mesmo estudo indica ainda que entre os principais motivos para deixar o trabalho estão baixa remuneração, falta de reconhecimento e desmotivação.

Com salários próximos do mínimo, o serviço de call center também está entre os que apresentam altas taxas de turnover. Por mês, 6% dos contratados da AeC pedem demissão e precisam ser substituídos – a média do setor é de 8%. Isso se explica também pelo fato de que três em cada cinco profissionais estão no primeiro emprego. Tanto é que o principal motivo para a saída é outra oportunidade de emprego. O segundo é a conciliação do horário de trabalho com os estudos. "O mercado, embora estagnado, para o primeiro emprego na faixa de salário mínimo ainda está aquecido", afirma o diretor de Recursos Humanos da AeC, Warney Araújo. Além da questão salarial, a média de idade dos contratados, entre 18 e 23 anos, agrava o fenômeno. "Incomoda toda empresa por impedir a sequência de trabalho de qualidade", diz.

A solução do setor tem sido a migração para o interior, com a criação de unidades em municípios de porte médio, onde a taxa de desemprego é maior que a da capital. Em Minas, Montes Claros e Governador Valadares já têm unidades da AeC; Campina Grande, na Paraíba, e Mossoró, no Rio Grande do Norte, também. E, segundo Araújo, não há discrepância entre a mão de obra do interior e da capital.

Na administração pública, a situação é oposta. Em função de salários maiores e da dificuldade em demitir um trabalhador, de cada 10, apenas um sai antes de completar 12 meses. Como a regra trabalhista para o segmento é diferente, comparada à que se aplica ao restante dos trabalhadores, a demissão é algo burocrático e demorado. Na maioria dos casos, exige um processo administrativo que pode durar anos e antes de o servidor perder o posto a disputa pode parar na Justiça. No ano passado, de cerca de 2 milhões de funcionários públicos federais, apenas 450 perderam o cargo — o equivalente a 0,02% do efetivo total.

No agronegócio, em função do período de safra, a troca de trabalhadores é intensa. De cada 10, sete vão receber as contas e ir para casa antes de completar um ano. "No período de safra, contrata-se mais. Na entressafra, demite-se", afirma José Silvestre, do Dieese. No segmento de serviços, a rotatividade também é elevada, cerca de 40%, ou seja, de cada 10, quatro vão ser demitidos em um ano.

Fonte: Estado de Minas

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