segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Alimentos nas alturas - Dentro e fora de casa, comida eleva a inflação

De mocinhos a vilões da inflação

Caio Cigana

Os alimentos foram a âncora verde no começo do Plano Real, na década de 1990. Porém, de 2007 para cá, os preços subiram bem mais do que a média da inflação. No acumulado dos últimos sete anos, o IPCA avançou 45,9% enquanto os alimentos chegaram a 79,1%

Os dados esmiuçados dos índices de inflação comprovam a percepção do empresário André Azevedo Ervalho. Deixou de ser surpresa encontrar preços de alimentos maiores do que a última ida às compras.

– Acabei de pagar R$ 4 por um pé de alface – ilustrava Ervalho na sexta-feira, na saída de uma banca do Mercado Público, na Capital.

Considerados a âncora verde do Plano Real nos primeiros anos da estabilização da economia, os alimentos passaram de mocinhos a vilões nos últimos sete anos e cada vez mais corroem o poder de compra da população. Os dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculados pelo IBGE e considerados a inflação oficial do país, não deixam dúvidas. No período de 12 anos entre 1995 e 2006, apenas três vezes os preços do grupo alimentação e bebidas, que inclui despesas dentro e fora do domicílio, foram superiores ao índice geral do IPCA. A partir de 2007, a situação se inverte. Nesse período, o IPCA avançou 45,9%, enquanto alimentos dispararam 79,1%. Ou seja, 72,3% a mais que a média da inflação.

Cenário semelhante é detectado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), responsável pelo Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S). Os gêneros alimentícios, que incluem só produtos adquiridos no varejo para refeição em casa, subiram 43,7% a mais do que o índice geral nos últimos seis anos. Alguns itens ficaram mais indigestos. Nas hortaliças e legumes, a alta foi 91,6% maior. No caso da carne bovina, 63,5%.

Impacto na renda
Os números também surpreenderam o economista Marcio Silva, coordenador do escritório da FGV em Porto Alegre, que fez os cálculos do IPC-S para ZH:

– Não esperava uma diferença tão grande (em relação à inflação). E o problema é que isso atinge as classes mais baixas, que comprometem parcela maior da renda com alimentos.

Para especialistas em inflação e agronegócio, a explicação para o brasileiro gastar cada vez mais para se alimentar é simples. De um lado, crescimento do consumo global de comida, puxado pela expansão vertiginosa da economia chinesa nos últimos anos e pelo avanço da renda de outros países emergentes, como o próprio Brasil. Do outro, uma produção que não avançou no mesmo ritmo do apetite. Para completar, maior uso de grãos para biocombustíveis.

– A partir de 2007 ficou claramente definido que o mundo teria esse déficit de oferta em relação à demanda mundial de alimentos – afirma José Vicente Ferraz, diretor técnico da consultoria Informa Economics FNP.

Nos primeiros anos do real, a relativa igualdade da cotação da moeda brasileira com o dólar também desestimulava as exportações, ao mesmo tempo que facilitava as importações.

– A agricultura é hoje voltada à exportação. Isso expulsou a produção que era destinada ao mercado interno. Várias commodities agrícolas subiram muito no Exterior, contaminando os preços domésticos – diz Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia da FGV de São Paulo.

Embora ninguém espere comida mais barata, a trajetória dos preços dos alimentos nos próximos anos e décadas ainda causa divisão. Há quem acredite em estabilidade, fruto de fatores externos como crescimento menor da China e da própria desaceleração da economia brasileira. Mas também há apostas na continuidade da escalada das cotações pela incapacidade de o mundo elevar a produção no mesmo nível do crescimento do consumo.

– Os estudos que apontam para 2020 ou 2050 indicam que os alimentos ficarão mais caros – sentencia Ferraz.

Fonte: Zero Hora (RS)

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