segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Calor já freia a economia e previsão para o PIB cai a 1%

Estimativa representa quase metade da taxa projetada pelos economistas. Custo da energia pressiona inflação

Martha Beck e Danilo Fariello

Reservatório da Usina Marimbondo, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, atingiu o nível mais baixo entre monitorados pela ONS Armando Paiva / Agência O Globo
BRASÍLIA - O forte calor que atinge o país já afeta a economia em 2014 e pode fazer com que o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) termine o ano perto de 1%, mesma taxa registrada em 2012, segundo analistas. A estimativa representa quase metade da taxa projetada pelos economistas ouvidos na pesquisa Focus, realizada pelo Banco Central, de 1,9%.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que as altas temperaturas e a escassez de chuva pegaram o governo e o setor produtivo de surpresa e aumentaram o risco de racionamentos de água e de energia, o que pode pressionar ainda mais a inflação e trazer prejuízos à atividade econômica. Eles lembram que o clima tem provocado estragos em várias frentes, sendo o custo maior da energia elétrica o mais perceptível.

A consultoria especializada em negócios sustentáveis Key Associados fez um levantamento com exclusividade para o GLOBO sobre alguns dos principais impactos dessa onda de calor na economia. A agropecuária, por exemplo, que tem 5% de participação no PIB e é um motor das exportações brasileiras, sofre as principais ameaças com possibilidade de quebras de safra pela falta de chuvas, segundo a consultoria.

“As culturas mais afetadas são soja e milho, que sofrem com o calor, além da falta de água. A redução da produção de milho afeta ainda a pecuária, visto que o alimento é usado na ração na indústria de aves e suínos”, diz o estudo. Para economistas do Itaú, o clima desfavorável tem potencial impacto negativo sobre a produção de café e açúcar.

Impacto na balança comercial
A falta de água para consumo está abalando a produtividade de petroquímicas do Sudeste, e indústrias intensivas em energia têm sofrido com o maior custo da energia no curto prazo. Essas variações afetam não só o crescimento do país, como podem debilitar a balança comercial, reduzindo o volume de exportações, e pressionar a inflação por elevar os custos de produção e aumentar a demanda em certos setores.

— A pressão de custo está aí, você já via na balança comercial de 2013, quando importamos mais produtos industriais do que exportamos. Toda a prosperidade industrial do país nos últimos anos foi atendida por importações e o clima está agravando isso — afirmou Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).

Para os economistas, o cenário climático agrava a crise de confiança no controle da economia que o governo atravessa. Na avaliação do ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Júlio Sérgio Gomes de Almeida, o quadro de expectativas da economia piorou com o risco de racionamento de energia e de água e o possível aumento da inflação.

— Se estivéssemos com a confiança em alta, com crescimento elevado, o cenário provocado pelo calor seria diferente. Mas, nas atuais condições, o PIB pode terminar o ano com uma taxa à la 2012, de 1% — diz Almeida.

Segundo José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, a crise de confiança do país é resultado do quadro fiscal:

— Há uma deterioração do balanço de pagamentos e uma inflação alta. Os agentes já acham que o governo não toma as medidas necessárias para contornar esses problemas. O verão tórrido acaba exacerbando a falta de confiança — disse Senna.

O quadro climático piora as contas do governo, que terá que gastar mais com subsídios ao setor elétrico por causa do custo de as distribuidoras terem que usar mais energia térmica, mais cara. Isso dificulta a realização do já desacreditado superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida pública). Se reduzir o subsídio para proteger o lado fiscal, o governo perde por outro lado com a inflação, pelo aumento maior das tarifas de energia.

A economista da consultoria Tendências Alessandra Ribeiro estima que o IPCA fechará o ano em 6%, com um aumento de 5,5% nas tarifas de energia, considerando apenas os reajustes regulares das concessionárias. Mas como essas tarifas têm peso de 3% no IPCA, caso a alta nas contas de luz seja maior, o IPCA ficará ainda mais perto do teto da meta de inflação. No governo, circula uma projeção que mostra que o custo das térmicas poderia chegar a R$ 18 bilhões. Se não for pago pelo governo, a inflação seria majorada em até 0,6 ponto percentual.

Para os alimentos, Alessandra estima alta de 6,8%, abaixo dos 8,5% registrados no ano passado. Mas como esse grupo pesa quase 25% no IPCA (que mede a inflação oficial), qualquer variação por falhas no abastecimento afeta o índice.

A onda de calor, por outro lado, beneficia alguns setores da economia. Levantamento da consultoria LCA mostra que, no curto prazo, as altas temperaturas resultaram em maior produção e venda de ventiladores, aparelhos de ar-condicionado, climatizadores, bebidas e sorvetes. A LCA aponta uma demanda maior por serviços de lazer e turismo, além de melhores condições para a construção civil, uma vez que o setor é prejudicado quando chove, porque algumas obras ficam paralisadas.

Segundo o presidente da Eletros, associação dos fabricantes de eletroeletrônicos, Lourival Kiçula, chegou a faltar ventiladores nos últimos dias em cidades do Rio e de São Paulo. Ele não comenta se essa demanda aquecida vai se refletir nos preços, mas vê pelo menos uma consequência positiva para o país, que é o aumento da produção desses produtos.

Efeitos das mudanças climáticas
Em função desse cenário, a LCA estima que pode haver até uma alta de 0,5 ponto percentual no PIB do primeiro trimestre. No entanto, a consultoria alerta que o ganho pode se perder com a permanência do atual cenário climático: “Essas estimativas do efeito de temperaturas acima da média sobre a atividade econômica consideram um impacto apenas moderado da situação climática na produção agropecuária, bem como a não ocorrência de um racionamento de energia elétrica. A não observância dessas condições naturalmente alteraria os efeitos estimados”.

— Por mais que tenhamos impactos positivos em alguns setores, dificilmente esses elementos superam os aspectos negativos de custo maior da energia elétrica e do agronegócio com a variação climática — disse Marcela Paranhos, economista da Key.

Para Marco Antonio Fujihara, diretor da Key Associados, a forte oscilação climática neste ano servirá para os agentes econômicos do país adotarem um nível maior de preocupações com o aquecimento global, que é “inexorável”.

— Secas, nevascas, furacões, esses eventos climáticos extremos só tendem a aumentar e nenhum agente econômico está preparado para se adaptar a isso no curto prazo, como vem se mostrando necessário — disse Fujihara.

Ganhos e perdas
PIB: Apesar do desempenho positivo pelo lado da demanda para alguns segmentos da economia, dificilmente o incremento das vendas superará o impacto negativo causado pelas altas temperaturas e pela escassez de água, principalmente se houver racionamento de energia

Balança comercial: O setor agropecuário é um dos motores das exportações e pode ser prejudicado por quebra de safras. O maior consumo de combustíveis pode exigir mais importações, já que as refinarias nacionais operam no limite

Inflação: Safra menor pode reduzir a oferta de alimentos e pressionar preços. Se o governo não conseguir cobrir todo o custo gerado pelo uso de térmicas, pode repassar para as contas de luz e elevar a inflação

Agricultura: O setor, que foi responsável por 5% do PIB em 2012, deve ser bastante afetado pelo clima. As culturas mais prejudicadas são soja e milho

Pecuária: A redução da produção de milho afeta a pecuária, pois ele é usado na ração de aves e suínos

Indústrias intensivas em água: Setores como papel e celulose, petroquímica e abate de aves tendem a sofrer mais com a falta de oferta. As indústrias químicas reconheceram problemas por conta do aquecimento excessivo das máquinas com o calor

Indústrias intensivas em energia: O risco de escassez de geração de energia elétrica afeta os custos de indústrias sem contratos de fornecimento de longo prazo e faz com que as elétricas tenham de arcar com gastos de usinas térmicas no curto prazo

Vestuário: Com o calor intenso, as empresas do setor acabam produzindo e vendendo menos

Eletroeletrônicos: A venda de equipamentos para aliviar o calor, como ar-condicionado e ventilador, já está aquecida. Há até falta de produtos nas regiões Sul e Sudeste, o que exige aumento da produção

Combustíveis: As vendas crescem com o aumento do consumo nos veículos com ar-condicionado e com o maior uso de usinas termelétricas

Serviços: Maior demanda por serviços de lazer, como alimentação fora de casa e turismo, e por serviços de instalação ou manutenção de aparelhos de ar-condicionado

Construção civil: A falta de chuvas aumenta a produtividade do setor

Alimentos e bebidas: De um lado, são produtos cuja fabricação exige muita água, o que eleva o custo; de outro, a demanda por sucos e sorvetes cresce

Fonte: O Globo

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