segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Luiz Carlos Azedo: A Copa da política

A Copa não é um consenso nacional, principalmente para uma parcela radicalizada da oposição

A Copa Mundo no Brasil é um grande ponto de interrogação, sobre todos os aspectos. O que antes era uma polêmica entre o comitê organizador e o governo brasileiro, envolvendo o atraso nas obras dos estádios e as condições de recepção dos torcedores estrangeiros, principalmente, deixou de ser assunto das reuniões preparatórias e virou pauta obrigatória da mídia internacional.

Nesse quesito, estamos perdendo de goleada. Mas o mais preocupante, sem dúvida, é a questão da segurança dos jogos. Conforme revelou o Correio de domingo, em reportagem de João Valadares e Grasielle Castro, os Centros Integrados de Comando e Controle (CICCs), que terão 13 unidades, também estão com as instalações atrasadas. Ou seja, nosso aparato de inteligência para garantir a realização dos jogos também deixa muito a desejar.

Há, em torno do sucesso dos jogos, uma disputa política surda entre o governo e a oposição. Em tese, todos são a favor da Copa do Mundo e da vitória da Seleção Brasileira nos jogos. O ideal, no imaginário coletivo, seria uma final no Maracanã com a seleção do Uruguai, na qual a vitória seria nossa, vingando a frustração de 1950, causada por aquele gol de Ghiggia aos 34 minutos do segundo tempo: 2 x 1 para os uruguaios, que ganharam de virada. Como os brasileiros gostam mais de futebol do que de política, uma vitória espetacular na Copa seria um presente dos deuses para a presidente Dilma Rousseff, na expectativa do Palácio do Planalto. É óbvio que os candidatos de oposição também torcem pelo Brasil na Copa, mas, cá entre nós, se o Brasil perder, a conta vai para o governo, que trocou prioridades como educação, saúde e infraestrutura pelas arenas do futebol.

A questão, porém, não é meramente futebolística, como diria Odorico Paraguaçu, aquele personagem impagável de Dias Gomes na novela O bem amado, uma contribuição da TV Globo à crítica de nossos péssimos costumes políticos (mesmo que os desafetos da emissora não queiram reconhecer). A realização da Copa no Brasil não é um consenso nacional, principalmente para uma parcela da juventude sem acesso aos estádios, que resolveu ir às ruas contestar a realização do torneio desde o ano passado, durante a Copa das Confederações. É bom lembrar que as mobilizações de junho, no Rio de Janeiro, ganharam força por causa da violenta repressão aos protestos. Na final da Copa das Confederações, nos arredores do Maracanã, a polícia encurralou os manifestantes na Quinta da Boa Vista e desceu o sarrafo sem dó. O corretivo funcionou pelo avesso, diria Odorico. Deu origem a grandes manifestações país afora e, supostamente, legitimou a atuação violenta dos black blocs.

Escalada da violência
Desde então, vem se criando um caldo de cultura para a violência recíproca entre policiais e manifestantes, cujo desfecho ocorreu na semana passada: a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido na cabeça por um rojão. Os dois jovens que provocaram a tragédia estão presos. No Rio, essa é a verdade desde o ano passado: parte da oposição ao governador Sérgio Cabral (PMDB) flerta com a violência nas manifestações, para dizer o mínimo, mas perdeu o controle da situação.

Partidos políticos tradicionais não são bem-vindos nos protestos; somente os radicais, como PSol, PSTU e PCB, assim mesmo, como meros coadjuvantes. É aí que a porca torce o rabo: para atrair a simpatia dos jovens que protestam, artistas, intelectuais, dirigentes partidários, parlamentares e ideólogos de esquerda, nas redes sociais e em outros meios de comunicação, começam a denunciar uma suposta “escalada fascista do Estado” na repressão aos manifestantes e que, por isso, argumentam, seriam legítimos os protestos violentos.

Esse discurso, de certa forma, é corroborado por explosões espontâneas de insatisfação popular, com incêndios de ônibus e depredação de estações de passageiros, reprimidos violentamente pela polícia. Resultado: tornamo-nos um país violento aos olhos do mundo não por causa da criminalidade, mas porque a nossa luta política começa a adquirir essa preocupante característica. A virulência do governo contra a oposição, diga-se de passagem, também ajuda a criar essa atmosfera de radicalização política no país. Isso é perigoso, porque abre espaço para a infiltração de grupos terroristas de verdade, como a Al Qaeda, uma vez que muitos países em guerra no Afeganistão, como Estados Unidos, Itália, Espanha, França, Inglaterra e Canadá, estarão na Copa.

É aí que entram em cena as iniciativas no sentido de endurecer a legislação repressiva e restringir os direitos e as garantias individuais como uma suposta maneira de conter a violência e garantir a segurança dos jogos. Ao lado do dever de casa em matéria de inteligência e organização dos serviços de segurança para a Copa, talvez esteja na hora de fazer o contrário: promover um forte debate sobre os direitos e as garantias individuais e a necessidade de combater a violência política, venha de onde vier. Como dizia Hannah Arendt, em A condição humana (Forense Universitária), “a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas como homens”. Privá-los desse direito é a raiz do autoritarismo, em qualquer país do mundo.

Fonte: Correio Braziliense

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