sábado, 22 de fevereiro de 2014

Luiz Carlos Azedo: O Congresso fez um favor ao país

Ao rejeitar a redução da maioridade penal, a CCJ derrotou a preguiça do poder e minou o jogo fácil para uma plateia ávida por justiçamentos. Trabalhar contra a criminalidade é mais complexo do que aprovar um projeto populista

Em regra, não dá para esperar muito do Congresso. A produção é pífia, os chantagistas predominam e os debates são partidarizados, quando não, felicianos. Durante ano eleitoral, tudo piora, como mostrou reportagem deste Correio no início do mês. Na prática, os parlamentares devem trabalhar 52 dias em 2014. A partir de junho, com as convenções dos partidos e com a Copa do Mundo, esqueça. Aí é que deputados e senadores não vão fazer nada mesmo por você. Mas, antes de continuar com o velho e bom rosário de reclamações contra os nossos nobres políticos, é preciso pontuar algo positivo para amenizar a imagem tão desgastada. Ao rejeitar a proposta de reduzir a maioridade penal, na tarde da última quarta-feira, o parlamento fez um favor ao país. Explico.

Tal projeto precisa ser discutido. Todo debate é necessário, até o mais indesejado. O problema é que somos um país movido por temas trágicos e emotivos, andamos como que por impulsos. No Congresso, tal característica mistura-se ao oportunismo político. Em ano eleitoral, tudo vira campanha. É o caso, por exemplo, do texto para conter os black blocs que, no Senado, passou a ser tratado em regime de urgência com a morte do cinegrafista Santiago Andrade. Segundo especialistas, se o projeto virasse lei, qualquer participante de uma manifestação poderia ser condenado a 30 anos de prisão. O teor da proposta é tão amplo e vago que passou a ser comparado ao AI-5.

A pressa é inimiga da perfeição e, no caso da lei contra terrorismo, estaríamos diante de um monstro jurídico capaz de levar o país ao obscurantismo legal. Assim, na última quarta-feira, os senadores marcaram um gol ao jogar para escanteio o projeto de redução da maioridade penal na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). O texto determinava maior punição a maiores de 16 que cometessem crimes hediondos, estabelecendo que os atuais menores poderiam cumprir penas equivalentes a de adultos em atos de tortura, terrorismo e tráfico. Para isso, entretanto, seria preciso um parecer do promotor da infância e autorização da Justiça. O texto foi derrotado por 11 votos a 8.

A proposta de reduzir a maioridade penal — que sempre fez parte do discurso de políticos conservadores e populistas — voltou a ganhar força com a morte de Victor Hugo Deppman, assassinado na portaria do prédio onde vivia na capital paulista, em abril do ano passado. As imagens da covardia são revoltantes. O tiro foi disparado por um infrator de 17 anos, prestes a completar 18. Em casos absurdos como esse, a medida imediata dos políticos reféns do crime é sugerir a redução da maioridade. Foi o que fez o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que viajou a Brasília para apresentar um projeto que, se não diminuía a maioridade, aumentava o rigor na punição de menores.

Vale lembrar: no início de 2002, Alckmin apresentou ao governo federal um pacote para conter a violência em São Paulo. Entre as medidas, ele propôs o fim da comercialização dos telefones celulares pré-pagos. Na justificativa, disse que o aparelho era largamente usado por bandidos para se comunicar com integrantes de organizações criminosas na cadeia. A piada acabou animando um humorista, que chegou a sugerir a Alckmin acabar com o porta-malas dos carros de passeio para, assim, coibir sequestros. Tal imagem, por mais esdrúxula, pode voltar a ser usada com a redução da maioridade penal. Punir menores de 18 anos vai acabar com assassinatos covardes cometidos na frente de prédios?

Quadrilhas
Se a ideia é embarcar em outra lei, antes é preciso saber como funciona o Estatuto da Criança e do Adolescente. Adolescentes já são responsabilizados a partir dos 12 anos, mas unidades de internação se aproximam das prisões de adultos. Acreditar que reduzir a maioridade penal pode afastar adolescentes do crime é esquecer a possibilidade de eles serem recrutados pelas quadrilhas cada vez mais novos. Enfrentar o problema da segurança pública é algo complicado, não é coisa para governos populistas, sem grandes esforços intelectuais ou ações efetivas de combate à criminalidade, que devem ser combinadas com medidas sociais. Apresentar um projeto e criar leis são as partes mais fáceis disso tudo. É a preguiça do poder, o jogo fácil para uma plateia ávida por justiçamentos e prisões lotadas.

No fim da sessão de quarta-feira, depois da rejeição do texto, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) — o autor da proposta — prometeu recolher assinaturas dos colegas para levar o projeto derrotado na CCJ para o plenário, mesmo com o parecer em contrário da comissão. Assim, caberá novamente ao Congresso mostrar que, em alguns momentos, consegue fazer a coisa certa. E rejeitar a proposta em ano eleitoral. Ainda estamos um tanto longe das trevas, não é mesmo?

Fonte: Correio Braziliense

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