quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Merval Pereira: Terrorismo em debate

O Brasil corre o risco de realizar uma Copa do Mundo de futebol, dentro de cerca de quatro meses, sem ter uma legislação que tipifique o crime de terrorismo, embora nossa Constituição se refira a esse crime em várias situações e diversos tratados internacionais obriguem o país a se posicionar sobre o tema. Mas, como vários assuntos, este também não foi regulamentado, e, portanto, não existe lei para combatê-lo, a não ser a Lei de Segurança Nacional do tempo da ditadura, que não se quer utilizar em tempos de democracia.

A questão chegou ontem ao plenário do Senado, oriunda justamente de um grupo de trabalho para tratar de assuntos que, embora incluídos na Constituição de 1988, ainda não saíram do papel por falta de regulamentação.

A primeira coisa que se tentou fazer foi dissociar a discussão do combate ao terrorismo do trágico assassinato do cinegrafista da TV Bandeirantes no Rio, embora o texto original tenha sido impulsionado pelos acontecimentos de junho do ano passado.

Mas o que emperrou mesmo a discussão foi a preocupação do Palácio do Planalto em não criminalizar as ações dos chamados “movimentos sociais”. O projeto de lei em discussão, cujo relator foi o senador Romero Jucá, define terrorismo da seguinte maneira: “Provocar ou difundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa”.

O projeto inclui previsão de pena maior quando há emprego de “explosivo, fogo, arma química, biológica ou radioativa, ou outro meio capaz de causar danos ou promover destruição em massa”. Esse texto enquadra perfeitamente a ação de vandalismo de black blocs nas manifestações de protesto desde junho, e em especial o assassinato do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade.

Mas surgiu um movimento, insuflado pelo gabinete do ministro Gilberto Carvalho e liderado pelo PT, para incluir no texto da lei uma ressalva que já existe no projeto do novo Código Penal, que está sendo debatido há um ano, mas que não entrará em vigor tão cedo.

O relator da comissão especial do Código Penal foi o senador Pedro Taques (PDT-MT), que inseriu em seu texto final um capítulo que trata dos “crimes contra a paz pública” e estabelece penas que podem chegar a 20 anos para os casos mais graves de terrorismo. No projeto relatado por Jucá, as penas são mais pesadas, variam de 15 a 30 anos de reclusão.

Mas o projeto do Código Penal tem um item denominado “Exclusão de crime”, assim redigido: “(...) Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade”.

Alega o senador Pedro Taques que atos como o que matou o cinegrafista no Rio de Janeiro não são o objetivo da manifestação, e que quem desvirtuou seu sentido deve ser enquadrado no Código Penal de acordo com as circunstâncias de cada caso.

O senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, mesmo que concorde que no caso do cinegrafista da Bandeirantes não foi caracterizada uma ação terrorista, mas um homicídio, rejeita a ressalva do novo Código Penal, dizendo que não existe “terrorismo do bem”.

Há, no entanto, um temor dos políticos num ano eleitoral de serem acusados pelos “movimentos sociais” de perseguição política. Até mesmo o senador Renan Calheiros, que nas manifestações de junho levou adiante a discussão sobre o projeto de lei sobre o terrorismo, ontem fazia questão de separar os dois temas.

Já o petista Jorge Viana considerava que a lei antiterrorismo seria um “sinal concreto” à sociedade de que crimes como o que resultou na morte de Santiago Andrade vão ser punidos “com mais de 30 anos de cadeia”. Ele estava trabalhando para compatibilizar os dois textos, a fim de que o consenso no Senado permita a aprovação do projeto.

No entanto, é quase impossível que se chegue a um acordo que inclua a blindagem dos chamados “movimentos sociais”. O governo terá que mobilizar sua base para aprovar a legislação a seu modo se quiser ter uma lei antiterrorismo antes da Copa do Mundo. Mas de que servirá essa lei se os black blocs e que tais estiverem protegidos?

Fonte: O Globo

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