quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O impacto da morte de cinegrafista nos protestos

O ataque com rojão responsável por matar o cinegrafista Santiago Andrade desencadeou reações em série e tem potencial para alterar o rumo dos protestos que ganharam as ruas em junho passado. O impacto não se resumiu à comoção popular. Pôde ser sentido até no Congresso Nacional, onde dois projetos de lei devem ser votados em breve: um tipifica o crime de terrorismo para enquadrar black blocs, outro prevê punição à prática de desordem e proíbe máscaras em manifestações. José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, propôs uma "política de Estado de proteção ao jornalista".

Andrade captava imagens em um protesto contra o aumento da tarifa de ônibus no Rio, na quinta-feira, quando foi atingido pelo artefato, que teria sido acionado pelo foragido Caio Silva de Souza. O velório de Andrade será realizado amanhã, entre 7h e 11h. Ao meio-dia ocorre a cremação.

O episódio repercutiu no Exterior. A Associação Mundial de Jornais (WAN-IFRA), que representa 18 mil publicações, 15 mil sites e mais de 3 mil empresas, e o Fórum Mundial de Editores enviaram carta à presidente Dilma Rousseff manifestando indignação. Na correspondência, as duas entidades lamentam a morte do cinegrafista, manifestam a expectativa de que os responsáveis sejam levados à Justiça e requisitam que o trabalho dos jornalistas seja exercido com segurança no Brasil.

O que pode acontecer

Ação policial
O governo federal promete interferir mais efetivamente no combate à violência durante protestos. Depois de a presidente Dilma Rousseff determinar que a Polícia Federal apoie as investigações sobre a morte do cinegrafista, outras medidas devem ser tomadas nos próximos dias. Ontem, em um encontro de representantes das empresas de comunicação, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou para amanhã uma reunião sobre propostas de reação. Uma delas pode ser impedir o anonimato dos manifestantes.

O governo federal já vinha estudando maneiras de enfrentar a violência nos protestos, alarmado com a perspectiva de que eles se intensifiquem com a aproximação da Copa do Mundo. Em breve, a Força Nacional de Segurança Pública, formada por policiais militares e civis voluntários, terá 10 mil homens à disposição para intervir caso as polícias locais precisem de apoio. As Forças Armadas também ficarão de prontidão, para agir em caso de solicitação direta da Presidência ou dos governadores. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) manterá centros nos locais dos jogos.

Como não há forma de evitar manifestações, a estratégica das polícias será a de esgotar a negociação e intervir somente se houver vandalismo ou crime. Para essa eventualidade, o Ministério da Justiça já investiu R$ 40 milhões em armas de baixa letalidade, como bombas de gás lacrimogêneo.

No Estado, o secretário da Segurança Pública, Airton Michels, diz que a Brigada Militar (BM) age de forma adequada nos protestos. Ele diz que não haverá mudança de estratégia, mas contingentes podem vir do Interior para aumentar o policiamento durante atos na Capital. O Estado está preparado para trazer 2 mil homens com rapidez.

– Achamos que o procedimento da BM é absolutamente correto. Tem sido modelo para o país, até agora não tivemos a integridade das pessoas ferida e nem mortes – defende.

Legislação
Em meio a manifestações de repúdio e de cobranças por punições exemplares, o presidente do Senado, Renan Calheiros, decidiu colocar em votação em plenário, em duas semanas, o projeto de lei que define o crime de terrorismo para enquadrar black blocs. Senadores chegaram a defender que se use a norma para enquadrar ações de vandalismo e depredação cometidas nas manifestações de rua, mas abrandaram o discurso diante da preocupação do governo em passar uma imagem de insegurança no ano da Copa. Atualmente, não há legislação específica para o crime de terrorismo. Sem uma lei, crimes têm sido submetidos à Lei de Segurança Nacional, da época da ditadura militar.

Pela proposta que deve ir a votação, o crime de terrorismo será punido com 15 a 30 anos de prisão em regime fechado. As penas poderão ser elevadas se houver morte ou uso de artefato explosivo, como no caso de Santiago Andrade. Se aprovado pelo Senado, o texto terá de passar pela Câmara.

Na reunião de ontem com representantes de empresas de comunicação, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu a elaboração de uma "política de estado de proteção ao jornalista" por um grupo de trabalho, formado por profissionais da imprensa, advogados e especialistas em segurança pública, que deve se reunir já na terça-feira. O objetivo do ministro é chegar a um consenso sobre medidas que possam estar valendo até a Copa.

Na próxima quinta-feira, em Aracaju (SE), Cardozo participará de uma reunião com secretários de Segurança dos Estados para discutir medidas a serem tomadas para coibir a violência nos protestos. Titular da pasta no Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame elaborou, com juristas, um projeto de lei para punir a incitação ou prática de desordem em local público e a proibição do uso de máscaras em manifestações. A proposta deve ser votada pelo Congresso.

Opinião pública
Especialistas atribuem o esvaziamento dos protestos iniciados em junho à intensificação da violência. A morte do cinegrafista Santiago Andrade tende a aumentar o receio daqueles que já estavam distanciados das ruas devido às estratégias agressivas dos black blocs e ao enfrentamento com a polícia.

– Vai haver, sim, um aumento do temor entre aqueles que saíam para protestar. Foi um ataque covarde. O cidadão que ia protestar com os filhos na cacunda, levando o chimarrão, não vai mais – comenta José Luiz Bica de Melo, professor de Sociologia e Teorias Políticas da Unisinos.

Rodrigo Stumpf González, professor do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acredita que a ampla repercussão do caso envolvendo o profissional da Bandeirantes também vai contribuir para afastar as pessoas que não são ligadas a movimentos sociais.

– A vítima foi um jornalista, mas poderia ter sido qualquer um. Isso deve desmobilizar parte da população, e os grupos mais violentos vão acabar ficando mais visados, mais isolados, perdendo o apoio de quem via a violência como saída – afirma.

González também crê que a comoção resulte no arrefecimento dos ânimos diante de fatores com potencial, como no ano passado, para reunir multidões – a inauguração de obras para a Copa do Mundo e o reajuste das tarifas do transporte público, por exemplo.

– Se não tivesse acontecido esse episódio, teríamos, a partir de agora, um retomar daquelas manifestações. Em Porto Alegre, vamos ter um grande descontentamento se o fim da greve significar aumento das passagens. Seria natural ocorrerem mobilizações. Com a tragédia, essas mobilizações passarão a ser limitadas a grupos mais organizados – prevê o docente da UFRGS.

Manifestantes
Grupos organizados que estão à frente dos protestos de rua afirmam que a morte de Santiago Andrade não vai interferir nas mobilizações. Eles lamentam o ocorrido, mas atribuem a violência praticada por manifestantes à necessidade de reagir à repressão policial. Em Porto Alegre, integrantes do Bloco de Luta pelo Transporte Público, que tem realizado atos frequentes, garantem que os protestos não devem diminuir ou mudar por causa do cinegrafista.

– Enquanto não forem resolvidos os problemas, não vamos sair das ruas. Pode ser que os ânimos se acirrem – diz Lucas Fogaça, do Bloco de Luta e militante do PSTU.

O uso de rojões, comum em protestos na capital gaúcha, é algo que, diz Fogaça, não pode ser impedido.

– Nunca orientamos a jogar rojões. Muitas vezes é um estímulo da própria pessoa e, por isso, não vamos sugerir que deixem de levar – explica Fogaça.

A postura de grupos como os Black Blocs tem sido colocar o caso de Andrade como um episódio isolado de violência praticada por manifestantes, em meio a inúmeros casos de agressões policiais menos badalados. Citam exemplos como o do jovem que morreu após cair de um viaduto, durante ato em Belo Horizonte, e do homem baleado pela polícia em uma abordagem após um ato contra a Copa, no Rio.

Apesar de os grupos afirmarem que nada muda com o caso do cinegrafista, a professora visitante do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Alba Zaluar, acredita que adeptos da tática black bloc devem, naturalmente, recuar. Em manifestação na segunda-feira, no Rio, a socióloga identificou mudanças na postura dos participantes mais violentos.

– Eles já não se comportaram daquela forma excessiva, quebrando tudo. Nossa batalha agora é essa: convencê-los de que isso não está levando a lugar nenhum. É um transtorno muito grande para a cidade – comenta Alba.

Fonte: Zero Hora (RS)

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