sexta-feira, 28 de março de 2014

Claudia Safatle: 2015, o ano que já começou

Dilma não esperava o rebaixamento do "rating" do Brasil

A queda de 7 pontos percentuais nos índices de aprovação da presidente Dilma Rousseff em relação a novembro, segundo pesquisa divulgada ontem, e a consequente euforia nos mercados de juros, câmbio e ações são evidências de que os olhos dos agentes econômicos já estão em 2015.

Em qualquer conversa com analistas e economistas do setor privado, seja da área financeira ou do setor produtivo, duas perguntas são recorrentes: Qual será a equipe econômica do eventual segundo mandato de Dilma? Se, por ventura, o ex-presidente Lula quiser se candidatar, ela estaria disposta a abrir mão de da reeleição?

O ano de 2014 está no limbo. Decisões importantes estão suspensas e avolumam-se problemas. A inflação está alta, o crescimento baixo e há enorme dificuldade de se fazer a transição do consumo para o investimento como motor da expansão da atividade.

Há quem veja semelhança relativa entre 2015 e 2003, o primeiro ano do governo Lula. Lá, a inflação chegou a 17% em fevereiro e caiu para 9% em dezembro. Desta vez a inflação pode ir a 7% ou um pouco mais com a correção de preços represados, caindo para 5% no fim do próximo ano.

Libertar os preços de energia e combustíveis teria efeito equivalente a um aumento dos impostos. Seria, portanto, uma das primeiras providências para dar partida à reestruturação da política fiscal, apesar de ser uma medida inflacionária.

Será difícil qualquer conserto das contas públicas sem cortar investimentos, avaliam os especialistas. Assim foi feito em 2003, quando o governo cortou investimentos, retomando-os em 2004.

O rearranjo fiscal não será trivial. Deverá ter uma visão de mais longo prazo e exigirá do próximo governo mudanças na previdência. Dilma Rousseff já comentou com pelo menos um de seus ministros que o país não escapa de uma reforma na seguridade social.

Propostas estão prontas para estabelecer idade mínima para a aposentadoria, restringir o alcance das pensões por morte e tornar mais contidas as regras de concessão do seguro-desemprego e do abono salarial. Só falta colocá-las em forma de lei e encaminhá-las para o Congresso. Ninguém fará isso agora, só em 2015.

O reajuste do salário mínimo com base na inflação mais o Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos atrás vence no ano que vem e é outro fator a ser discutido em 2015. A política pode ser prorrogada ou mudada para um regime de correção pelo PIB per capita ou, ainda, pelo salário médio.

Autonomia do Banco Central é outro tema que vai e volta. Mesmo assessores do PT, hoje, admitem que é importante enfrentar o assunto e mandar uma proposta para o Congresso ou colocá-la em consulta pública.

O fato é que fica cada dia mais nítido, mesmo para quem não gosta da premissa da autonomia, que cabe ao BC controlar a inflação e, para isso, a instituição precisa de graus de liberdade operacional para atuar e evitar que as demandas da área política dos governos se acomodem às custas do aumento da inflação.

Demorou para a presidente Dilma admitir que a meta de inflação no Brasil é de 4,5% e não de 6%. Também foi um processo custoso para a política monetária e para o país a percepção, certa ou não, de que além de condescendente com a inflação ela é quem decidia sobre taxa de juros. No início, é fato, confundiu-se o instrumento com o objetivo, ao ter como meta juros reais de 2% ao ano.

O desejo de escolher os "campeões nacionais" do meio empresarial e de dar impulso ao crescimento econômico levou o BNDES a ter uma dívida de cerca de R$ 400 bilhões com o Tesouro Nacional. O Brasil voltou a conviver com uma multiplicidade orçamentária - de gastos fiscais, parafiscais e financeiros - comprometendo a transparência e ferindo de morte a credibilidade das contas públicas e do governo.

O BNDES, de um mega banco de desenvolvimento, transformou-se em um apêndice do Tesouro Nacional. E o Tesouro Nacional passou a ser visto com grande desconfiança.

Assessores qualificados da presidente argumentam que tudo isso foi percebido e, no segundo semestre do ano passado, houve uma importante inflexão na economia - com o abandono da nova matriz econômica -, mas mantendo a mesma equipe.

Ali começou a se convergir para uma meta fiscal mais dura este ano, mesmo sendo de eleições presidenciais, e para moderação no crédito dos bancos públicos. Os juros continuaram subindo, numa demonstração de que a prioridade é para o controle da inflação.

Se o governo passou a professar crença no sistema de preços para juros e câmbio, não fez o mesmo nos insumos como combustíveis e energia, colocando o país na estranha situação de incentivar o consumo de energia em um período de imensa escassez de água.

Diante daquela inflexão e do compromisso com a meta de superávit primário de 1,9% do PIB para este ano, foi uma inesperada notícia para a presidente o rebaixamento do grau de investimento do Brasil pela agência de rating Standard & Poor's. O governo esperava que a S&P aguardasse pelo menos até maio ou junho para atestar o curso do cumprimento da meta fiscal.

Os investimentos em infraestrutura, que pouca diferença farão na atividade econômica deste ano, devem ser um atenuante para 2015. Neste momento estão em fase de conclusão os contratos das concessões feitas no ano passado e, a partir de maio, devem começar as negociações dos empréstimos-ponte para iniciar os projetos. Espera-se, assim, que em 2015 as obras estejam a pleno vapor com investimentos estimados em R$ 20 bilhões ao ano nos próximos anos.

O governo de Dilma não é bem avaliado pelo setor privado nos três anos de mandato. Este ano está voltado para as eleições e é chegada a hora de falar sobre o futuro. O passado é conhecido e o presente é resultado dos erros e acertos cometidos. Quanto ao futuro, ele carece de indicações sobre as bases de um programa e os rumos de um governo que a presidente pretende gerir em um eventual segundo mandato.

Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação, Valor Econômico

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