domingo, 9 de março de 2014

Elio Gaspari: ‘Sorriso’ mostrou a Paes a alma do Rio

As cidades têm alma, e o prefeito Eduardo Paes parece não entender a da sua

As cidades têm alma, e o prefeito Eduardo Paes parece não entender a da sua. O Rio tem a capacidade de se encantar com personagens do andar de baixo. No Império havia um filho de escravos, veterano da Guerra do Paraguai, que se intitulava D. Obá II d'África. D. Pedro II obsequiava-o nas audiências públicas. Houve Madame Satã, um marginal gentil, brigão, homossexual, que passou boa parte da vida preso e é um patrono da velha Lapa. E também o Profeta Gentileza, que pregava pelas ruas e deixava murais nos viadutos da Avenida Brasil. O último desses adoráveis personagens é o gari Renato “Sorriso", aquele que varria a passarela do samba dançando e alegrou o mundo no encerramento das Olimpíadas de Londres.

"Sorriso" aderiu à greve dos garis do Rio. Na outra ponta, o prefeito Eduardo Paes teve seu momento Ronald Reagan. Diante da greve, demitiu 300. Quando a cidade ficou parecida com Nápoles durante sua terrível paralisação de 2011, aceitou readmiti-los, pagando os dias parados. O presidente Reagan havia sido ator, mas não fazia teatro, demitiu 11 mil controladores de voo, quebrou a greve, e nenhum deles retornou ao emprego. Depois do recuo, Paes chamou grevistas de “delinquentes”. Nisso, a cidade continuava imunda, pois, ao contrário de Reagan, que armou um plano B, a prefeitura entrou só com a agressividade do gogó. Disse que a greve era coisa de 300 garis. Tudo bem. Se fosse assim, cada um deles deveria ganhar R$ 100 mil por mês, pois, quando pararam, a cidade virou um lixo. Desfeita a patranha, reconheceu-se que o movimento envolveu pelo menos 30% dos quatro mil servidores. Em vez de tentar um caminho que o levou ao fracasso, poderia ter acompanhado a alma do Rio, evitando a linha do posso-logo-faço. Filmado arremessando pedaços de fruta na rua, explicou que os jogou na direção de uma lixeira longínqua “ou para que um de seus assessores fizesse o descarte em local adequado". Fica criada assim a categoria de assessor de descarte ou gari de prefeito. Seria mais fácil cantar: "Viver é arte. Errar faz parte".

Brigar com gari pode não ser uma boa ideia, mas, quando um prefeito está de um lado, e um sujeito como "Sorriso" está do outro, ele deve pensar duas vezes.

Elio Gaspari é jornalista

Fonte: O Globo

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