quinta-feira, 13 de março de 2014

Luiz Carlos Azedo: Onde está a grande política?

Caso o PMDB resolva mesmo obrigar o governo a prestar contas e explicar suas ações, o que emergirá do debate é a grande política, que envolve temas como política externa, investimentos e políticas públicas

Uma das causas do enfraquecimento do Congresso na sua relação com o Executivo decorre do fato de que tanto a Câmara quanto o Senado foram excluídos da chamada grande política pelo Palácio do Planalto, restando a senadores e deputados tratar da pequena política, como é o caso da liberação das emendas parlamentares. Esse modus operandis ganhou muita força no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, ainda por cima, levou para seu gabinete a negociação com o mundo dos negócios e os movimentos sociais. Esse processo contribuiu para enfraquecer os partidos e desgastar o Congresso, que deixou de ser o protagonista das grandes decisões nacionais para se tornar uma usina de pequenos escândalos. Os grandes, diga-se de passagem, ocorreram na esfera do Executivo.

Não deixa de ser notável, portanto, o fenômeno precipitado pelo desentendimento entre a presidente, Dilma Rousseff, e o PMDB em relação à reforma ministerial. A crise abre caminho para que a grande política volte a ser debatida no Congresso, a partir do momento em que a bancada do PMDB e o bloco que formou com outros partidos da base resolvem se rebelar e declarar independência na Câmara. A crise entre os aliados coincide também com a falta de interlocução da presidente Dilma com o mundo dos negócios e com os movimentos sociais, que buscam no parlamento espaços de representação e negociação. Sendo assim, o que aparece como chantagem e fisiologismo na retórica do Palácio do Planalto, no processo político e na luta parlamentar, pode ser tornar outra coisa.

A pauta que incomoda o Palácio do Planalto não é fisiológica, ainda que a motivação do PMDB para discuti-la possa vir a ser. São propostas da oposição sobre temas que estavam interditados pelo Palácio do Planalto. É o caso da convocação dos ministros Manoel Dias (Trabalho), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Jorge Hage (CGU) para prestarem esclarecimentos sobre desvios de verbas públicas em convênios firmados pelo Ministério do Trabalho; e do ministro Arthur Chioro (Saúde) para responder a indagações sobre a sub-remuneração dos profissionais importados de Cuba para trabalhar no Programa Mais Médicos, e o plano de carreira do Ministério da Saúde.

Também há propostas de convocação dos presidentes da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda, e do BNDES, Luciano Coutinho, para explicar financiamentos heterodoxos; e da presidente da Petrobras, Graça Foster, para falar sobre o caso da suspeita de pagamento de propina pela holandesa SBM Offshore a funcionários da estatal. Os ministros Miriam Belchior (Planejamento), Aguinaldo Ribeiro (Cidades) e Aldo Rebelo (Esporte) também estão na berlinda.

Aposta de risco
Ainda que motivado pela pequena política, caso o PMDB resolva mesmo obrigar o governo a prestar contas e explicar suas ações, o que emergirá do debate é a grande política, que envolve temas como a política externa, a política de investimentos, as políticas públicas e a atuação de bancos e empresas estatais. Temas estratégicos, como o Marco Civil da Internet, o novo Código de Mineração e a política energética já estão na ordem do dia. Ou seja, a presidente Dilma Rousseff, ao esticar a corda com os líderes do PMDB — principalmente com o líder da bancada na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ) —, deflagrou um processo sobre o qual perdeu o controle. Saiu da zona de conforto em que estava ao blindar sua gestão com uma maioria parlamentar que funcionava como rolo compressor. Agora, terá que debater as questões para construir maiorias.

A forma como Dilma Rousseff endureceu o jogo com o PMDB, porém, não deve ser encarada como ingenuidade, mas cálculo eleitoral. Seu objetivo é ampliar a bancada do PT de 87 para 100 deputados, e reduzir a do PMDB de 75 para 50 deputados, além de eleger a maior bancada do Senado, onde hoje o PMDB tem 18 senadores, e o PT, 13. Com isso, supõe seu estado-maior, poderia avançar na reforma política e consolidar a hegemonia do PT e seu longo ciclo de poder. Pode estar sendo tão voluntarista quanto foi na economia, ao forçar a redução dos juros e deixar de joelhos o sistema financeiro, sem que as premissas fiscais para isso estivessem consolidadas. Os juros devem voltar ao patamar de 11% ao ano. O problema é que o PMDB, que Dilma tenta enfraquecer no atual confronto, também sabe jogar para a arquibancada e pode aprovar um “pacote de bondades” no Congresso, que a presidente da República terá o ônus de vetar às vésperas da eleição.

Fonte: Correio Braziliense, 12/03/2014

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