sexta-feira, 28 de março de 2014

Maria Cristina Fernandes: A nota da campanha

Na manhã de terça-feira, um dia depois do rebaixamento da dívida brasileira, o diretor de rating soberano da Standard &Poor's, Sebastian Briozzo, era um dos mais aguardados palestrantes de um evento em São Paulo que também tinha entre suas atrações o governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Ao responder à mediadora sobre o impacto da sucessão nos prognósticos fiscais do país, disse: "Faz tempo que não só no Brasil como no resto da America Latina a cor da bandeira deixou de fazer a diferença. Governos de direita e de esquerda fazem políticas pragmáticas e prudentes. O importante é a agenda e a equipe que vai trabalhar com as agendas".

Uma tradução possível do bom português do diretor argentino da S&P é que a política no Brasil e na América Latina não preocupa a agência. Quem faz a política, na verdade, são as equipes econômicas e suas agendas. O rebaixamento de BBB para BBB-, portanto, seria um aviso para a atual presidente não se desgarrar do caminho do meio, onde inexistem bandeiras.

Três anos atrás, ao baixar a nota da dívida americana, a S&P pode ter sido acusada de tudo pelo governo Obama, menos de ter ignorado as bandeiras da política local. O país vivia o impasse entre democratas e republicanos em torno do teto da dívida pública que travou os gastos do governo.

A S&;P justificou o rebaixamento de AAA para AAA-: "A política temerária dos últimos meses evidencia que a governança e a administração pública nos EUA estão se tornando cada vez mais instáveis, menos efetivas e menos previsíveis. (...) As diferenças entre os partidos políticos provaram-se extraordinariamente difíceis de ser estreitadas".

Como se trata de um país que imprime a moeda mundial, restou à S&;P invadir a política para explicitar suas dúvidas sobre a capacidade de o governo americano pagar sua dívida.

A nacionalidade americana da empresa talvez explique a falta de cerimônia com que a agência adentrou terreno minado. As reações foram muito mais enervadas do que aquelas que se observam por aqui, mas a maior delas veio dois anos depois num prato frio. O Departamento de Justiça levou à frente uma ação de US$ 5 bilhões contra a S&P pelas barbeiragens de seus ratings na crise de 2008. A agência queixou-se de retaliação.

Na queda de braço entre a S&P e o governo americano ficou explícita a inconformidade da agência com um modelo político em que Congresso e partidos têm peso na definição dos rumos do país.

No Brasil, o dirigente da agência até chegou a reconhecer os limites do mercado - "O Brasil tem uma democracia consolidada, pluralista e mais avançada que a de outros emergentes e, por isso, é mais difícil construir consensos".

Onde Briozzo se traiu, e seu domínio do português não autoriza um lapso idiomático, foi na constatação de que as equipes econômicas valem mais que as bandeiras políticas.

O maior responsável pela convicção da S&P de que a esquerda no Brasil pode ser pragmática - ou seja, fazer o que a agência acha que precisa ser feito - foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seis anos atrás, Lula comemorou o grau de investimento a que chegou o Brasil sob seu governo.

A mesma agência que no passado serviu para o PT se exibir como o partido capaz de acender vela para deus e o diabo sem descuidar das criancinhas, agora é contestada como "inconsistente" e "contraditória" pelo governo do mesmo partido.

O rebaixamento chega num momento em que os candidatos - a governista e os de oposição - fogem despudoramente do debate que já precifica todo o mercado: quanto, como e onde vai se dar o corte de gastos.

Cinquenta anos atrás o país iniciava sua mais longa ditadura destruindo a chance de enfrentar a ordem financeira mundial que se modelou a partir da Guerra Fria com uma democracia mais pluralista e avançada do que hoje avalia Briozzo. Foi o pacto social da Constituinte de 1988 que pôs fim à ditadura. E é precisamente esse pacto, e os gastos nele envolvidos, que a sucessão, mais do que a S&P, põe em jogo.

Desaprovação
Intenção de voto vale pouco a esta altura do campeonato. Importa mais a popularidade de governo. Daí que os números do CNI/Ibope como aumento na reprovação à presidente acendam a luz amarela para Dilma.

A reeleição é recente para gerar um histórico confiável, mas tanto FH quanto Lula chegaram às urnas de sua reeleição com aprovação mais próxima a 60%, ainda que, em março tivessem índices parecidos com os de Dilma hoje (ver gráfico).

Para quem gosta de olhar a política brasileira com a bússola voltada para o Norte, os EUA têm 12 presidentes candidatos à reeleição e há quem ache a amostra pequena para que se tire conclusões. Lá aprovação de 60% é probabilidade de 90% de reeleição. Quando a aprovação cai para 40% também despenca para esse patamar a probabilidade de reeleição.

O cientista político Alberto Almeida, do instituto Análise, tabulou um outro dado, a soma de ótimo e bom de 47 governadores candidatos à reeleição desde 1998. Aqueles que tinham a soma superior a 60% foram todos reeleitos. A totalidade dos que tinham a mesma soma inferior a 34% foi derrotada. Dilma hoje tem 36%.

Dos quatro itens mais desaprovados pela população, três estão na linha de tiro do rebaixamento: juros, inflação e impostos. Se mexer para agradar o mercado, pode azedar o eleitor. Faltam Copa, horário eleitoral e seis meses para a eleição, mas vai ser difícil para Dilma escapar dessa calibragem.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política

Fonte: Valor Ecomômico

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