sábado, 29 de março de 2014

Políticos não defendiam democracia antes do golpe, dizem historiadores

Comportamento ajuda a explicar o golpe, na opinião do historiador Boris Fausto e do cientista político Bolivar Lamounier

Tiago Dantas - O Globo

SÃO PAULO - Grupos políticos de direita e de esquerda não faziam uma defesa forte da democracia no Brasil nos anos que antecederam o golpe militar de 1964. Somado à ocorrência da Guerra Fria e aos reflexos da Revolução Cubana, o comportamento ajuda a explicar o golpe, na opinião do historiador Boris Fausto e do cientista político Bolivar Lamounier, que participaram de debate sobre o assunto no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, nesta sexta-feira.

- Antes do golpe, nos anos 1950, a política no Brasil era dominada por dois grupos totalmente opostos e que não conversavam entre si. De um lado, você tinha o antigetulismo, que iria terminar na UDN, e de outro os pró-traballhistas, que evoluíram para o social-desenvolvimentismo - afirmou Lamounier.

Segundo ele, após o plebiscito de 1963, "não houve vontade de preservar o ambiente democrático no país".

- É importante lembrar que forças à direita e à esquerda tinham a democracia como um valor instrumental para seus projetos - disse Fausto, que dá aulas de História na Universidade de São Paulo (USP).

- A esquerda defendia reformas sociais, como a agrária. E se não desse para fazer dentro da lei, podia fazer na marra, o que não é democrático. A direita queria barrar o comunismo. Do jeito que fosse preciso.

Durante o debate, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) lembrou que, nos dias que antecederam o golpe militar, os intelectuais já suspeitavam que algo aconteceria, embora não fizessem ideia de onde viria o ataque. Ele também lembra que o Exército participava ativamente das discussões políticas no Brasil:

- Era um momento em que o Exército participava da política. E sabia-se que vinha alguma coisa, mas não sabíamos de onde vinha o golpe. Na noite do golpe, teve gente que achou que era coisa de militares ligados ao Jango.

O cenário internacional também não deve ser deixado de lado, segundo o professor Fausto, que citou o apoio do governo dos Estados Unidos aos militares brasileiros.

- Recentemente vi uma declaração do (John) Kennedy (presidente norte-americano) dizendo que o Brasil socialista seria mais prejudicial à América Latina do que a China socialista seria à Ásia. Isso ajuda a ter uma dimensão do momento. Havia uma disputa por cada pedaço de terra durante a Guerra Fria - afirmou o ex-governador José Serra, que era líder do movimento estudantil na década de 1960.

Um último ingrediente que contribuiu para o início da ditadura, segundo Lamounier, foi a falta de lideranças políticas competentes para lidar.

- O elenco estava muito abaixo do script. Na minha avaliação, Jango era omisso, fraco e altamente influenciável. Não liderou o país, não soube lidar com as distâncias entre os pensamentos políticos divergentes e a distância entre as elites do país.

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