terça-feira, 29 de abril de 2014

Disputa ferrenha por mercado de US$ 8 bi

Fiscalização precária, irregularidades trabalhistas e firmas aventureiras marcam a terceirização de serviços no governo federal

Guilherme Araújo, Simone Kafruni – Correio Braziliense

A terceirização de mão de obra para o governo federal se tornou um negócio e tanto. Pelo menos R$ 8 bilhões são despejados todos os anos por meio de contratos fechados por ministérios, secretarias e agências reguladoras, sendo que parte desse dinheiro escorre pelo ralo por falta de regras rígidas e de fiscalização. Essa montanha de recursos é, no entanto, a parte visível dos negócios, pois vários órgãos se recusam a dar transparência às informações. Não à toa, o setor se tornou um chamariz para firmas aventureiras, que promovem a concorrência desleal, ao oferecerem preços baixos para vencer as disputas. Sem estrutura, quebram poucos meses depois e somem com os recursos de milhares trabalhadores. Tudo facilitado por falhas nos métodos para a escolha das vencedoras das licitações.

"É visível que há muita coisa errada, mas ninguém faz nada", diz um funcionário do Ministério da Fazenda. "Pode prestar atenção: são recorrentes os casos de empresas que recebem do governo, dão calote em funcionários, têm os contratos cancelados, mas, logo depois, voltam a atuar na Esplanada dos Ministérios", frisa. (Veja as empresas na página ao lado)

Pior: não se abre nenhuma investigação para os golpes. E o governo paga duas vezes. Primeiro, para a empresa que sumiu. Depois, para os funcionários que ficaram sem salário e sem os direitos trabalhistas. "Tornou-se rotina ver empregados de empresas terceirizadas dizendo que não tiveram o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) depositado nem as contribuições à Previdência Social efetivadas. Para evitar isso, bastaria que os responsáveis pela gestão dos contratos exigissem, mensalmente, os comprovantes dos depósitos no FGTS e de contribuições à Previdência. Essa rotina livraria muita gente de cair nas garras de empresas golpistas", afirma o servidor da Fazenda.

Descaso
Ele sabe do que fala. No ano passado, a Adminas Administração e Terceirização de Mão de Obra, com sede em Belo Horizonte, e a Delta Locação de Serviços e Empreendimentos, de Lauro de Freitas (BA), receberam do Ministério da Fazenda, mas não pagaram os trabalhadores. As empresas, que sumiram do mapa, também deixaram um rastro de prejuízos nos ministérios da Integração Nacional e da Justiça e no Banco do Brasil. A Delta, por sinal, havia sucedido a Visual Locação e Serviços como prestadora de serviços à Fazenda. A empresa teve seu contrato rescindido exatamente pelo mesmo motivo, ou seja, não pagou os trabalhadores da pasta e desapareceu com o dinheiro. Nenhuma das três firmas foi encontrada pelo Correio para se manifestar. A Fazenda não comentou sobre esses casos.

A PH Serviços é a campeã de contratos de terceirização com o governo federal. Apenas no ano passado, foi agraciada com R$ 254 milhões ao oferecer copeiras, recepcionistas e telefonistas para a Esplanada. Apesar desse alto valor, são recorrentes as reclamações de funcionários por atrasos no pagamento de salários. Duas trabalhadoras, que preferiram não se identificar, por medo de retaliação, alegam ter recebido o último contracheque e o vale-transporte 20 dias depois da data prevista em lei. "Tenho três filhos para cuidar, e a empresa não paga em dia. No mês passado, sobrevivi graças a doações de minhas amigas", diz uma delas, que trabalha no Ministério da Saúde. "Preferimos não reclamar porque os supervisores ameaçam nos demitir", observa outra empregada.

Em nota, o presidente da empresa, Hélio Chaves Júnior, afirma que a PH "nunca foi indiciada por qualquer órgão de controle por fraude em licitação pública". Ele ressalta que não há registro de atraso nos salários. "Nunca fomos condenados por qualquer conduta contrária à legislação trabalhista." Os empregados da GVP Serviços, que está entre as 10 maiores prestadoras de serviços ao governo federal, também reclamam dos salários atrasados. Procurada, a empresa não respondeu ao Correio até o fechamento da edição.

Outra terceirizada com presença marcante na Esplanada é a Confederal, que presta serviços de segurança para vários órgãos. Em 2013, embolsou R$ 44,9 milhões com os contratos. O diretor da empresa, Ricardo Augusto, afirma que o valor é pequeno para executar o trabalho com qualidade. "Se for dividir por 12 meses, não é nada", alegou. Ele garante que, diante da concorrência maior, está perdendo espaço. "Os nossos números estão caindo", assinala.

Com contratos de R$ 23,5 milhões no ano passado, a Interativa também lamenta que não tenha conseguido vencer mais licitações. "No governo federal, tem muita empresa que entra, ganha o pregão e quebra. Os meus contratos são de pequeno valor. Representam apenas R$ 2 milhões por mês, e são todos antigos. Neste ano, só venci um, de R$ 40 mil por mês. Empresas da Bahia e de Belo Horizonte, sem nenhuma estrutura em Brasília, estão ganhando tudo. Por isso, estou procurando trabalhar em outros estados", reclama o dono da terceirizada, Izaías Junio Vieira.

A proprietária da Planalto, Rita de Cássia de Souza, também se diz desestimulada a continuar operando com o governo. "Está cada vez mais difícil concorrer." José Gomes, diretor da Real JG, antes chamada de Real DP, vai além. "A concorrência nesse mercado está prostituída. Empresas participam dos pregões sem ter infraestrutura e know-how adequados. As companhias sérias e os órgãos contratantes são prejudicados. Além disso, os funcionários das aventureiras que quebram perdem os dias trabalhados", diz. Para ele, seria melhor se as firmas tivessem, antecipadamente, que provar habilitação técnica, financeira e jurídica.

Sem informação
O Banco do Brasil não informou quais as empresas terceirizadas que prestam serviços à instituição, limitando-se a observar, em nota, que o gasto anual é de R$ 7,3 milhões. A Caixa não respondeu a nenhuma das perguntas encaminhadas pelo Correio. Os ministérios da Saúde e do Desenvolvimento também não deram retorno até a conclusão da reportagem. Casa Civil, Secretaria de Comunicação Social, Secretaria de Relações Institucionais e Gabinete de Segurança Institucional não têm contratos dessa natureza.

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