domingo, 6 de abril de 2014

José Wilker: saudades

Recife - Wilker, de chapéu, junto com o elenco da peça A volta do camaleão Alface (1962)

José Wilker e a Esso

O querido José Wilker, que outro dia participou de debate na Casa do Saber O GLOBO sobre a ditadura, começou sua carreira de ator em Recife nos anos 60, no Movimento Popular de Cultura do Partido Comunista.

Aliás, quando ele encontrava algum parceiro da época, curtia cantarolar a versão de protesto, feita então, para a canção “Se essa rua fosse minha”.

Um trechinho...

“Nessa rua, nessa rua tem um posto/ Que se chama, que se chama Posto Esso/Dentro dele, dentro dele mora um gringo/ Da Aliança, da Aliança pro Progresso”. Saudades.

Deu na coluna do Ancelmo Goes

Início de José Wilker no Recife foi fundamental

Ator foi um dos membros do Movimento de Cultura Popular e viveu seus primeiros personagens nos palcos locais

Jornal do Commercio (PE)

O Brasil acordou chocado no sábado (5/4). Na manhã, José Wilker sequer abriu os olhos. Estava morto, ao lado da namorada, Claudia Montenegro. Morreu dormindo, de infarto fulminante. Aos 66 anos, o ator, diretor e crítico de cinema se encontrava em plena atividade; ninguém jamais imaginaria um adeus tão repentino. Zé Wilker foi não só um rosto e tanto de grandes personagens da TV brasileira, mas uma voz inconfundível e marcante – em cena ou nos bastidores. O que pouca gente sabe não podemos esquecer: ele começou a carreira no Recife, ainda adolescente, como ator de teatro. Daí, partiu para nunca mais sumir. Como disse, ontem, o ator Antônio Calloni: “José Wilker é um ganho eterno, ele nunca vai ser uma perda”.

José Wilker era só um adolescente que andava por Santo Amaro quando ouviu o chamado para a profissão de ator. Mas não foi nenhum voz divina ou uma epifania: o jovem cearense foi subitamente convidado, por acaso, pelos integrantes do Teatro de Cultura Popular (TCP) – braço de dramaturgia do Movimento de Cultura Popular (MCP) – para fazer parte do grupo que se formava, no início dos anos 1960. Ele nunca havia se apresentado em um palco, mas aceitou o desafio na hora.

Foi no Recife que a carreira de um dos grandes nomes dos palcos e telas brasileiras deu seus primeiros passos. A vinculação entre política, educação e arte prevista pelo MCP foi parte da sua formação no teatro, ao lado de nomes como Luiz Mendonça, Ilva Niño, Terezinha Calazans, Moema Cavalcanti, Marcus Siqueira, Joacir Castro e Leandro Filho. “A primeira encenação dele foi com o MCP, no teatro ao ar livre que construímos no Sítio da Trindade”, conta um dos fundadores do movimento, o educador Germano Coelho. “Nós dávamos ao teatro um valor imenso, víamos como um meio contato com a população”.

Encenou três espetáculos no Recife, ainda adolescente: Julgamento em novo sol (1962), um dos maiores sucessos do MCP, que tematizava a reforma agrária; A volta do camaleão Alface (1962), texto infantil; e Estórias do mato: A afilhada de Nossa Senhora da Conceição (1963). “Ainda jovem, ele era considerado um dos destaques do MCP”, revela o ator e pesquisador Leidson Ferraz, que comanda o Projeto Memórias da Cena Pernambucana. “Ele era essencialmente de teatro, mas completíssimo em todas as áreas”. O período por aqui foi breve, mas rendeu a sua primeira premiação: foi eleito ator revelação da cena teatral pernambucana em 1964 – ano em que deixaria o Recife, depois do fechamento do MCP.

A colega de cena de Wilker na época, a designer Moema Cavalcanti, recorda que ele era uma figura divertida e culta. Uma das cenas que a marcou foi o dia da morte de Marilyn Monroe, em agosto de 1962, quando o cearense, com 16 anos, chegou chorando ao Teatro de Santa Isabel, local dos ensaios do grupo. Inconsolável, foi ele quem deu a notícia para os colegas. “Ele chorava, dizia que ia morrer, que não tinha mais razão de viver”, conta Moema.

A então atriz lembra que Wilker era desde cedo um apaixonado por cinema: ao receber o salário mínimo que ganhava no MCP, gastava tudo em lanches e sessões de cinema. “Ele era ‘solto’, passava o resto do mês almoçando na casa dos amigos. Quando foi para o Rio, em 1964, chegou a dormir em praças enquanto se estabelecia”, revela Moema.

“Por ser o mais novo, ele era o queridinho do TCP. Mesmo jovem, já tinha esse talento, foi logo escalado para papéis principais. Já escrevia e começava a se arriscar na direção: era uma precoce, um cara inteligentíssimo”, comenta Moema, cinco anos mais velha que Wilker. Seu último encontro com o ator foi há dez anos.

Leda Alves, atriz e atual secretária municipal de Cultura, conviveu pouco com Wilker no período em que ele morava no Recife – ela fazia parte do Teatro Popular Nacional (TPN), criado por seu marido Hermilo Borba Filho depois de sair do MCP. “Estávamos naquela época na mesma luta. Sempre acompanhei a carreira dele, gostava até dos seus personagens mais caricatos – ele fazia bem o conquistador”, analisa.

Em um depoimento a Otávio Luiz Machado, em 2008, Wilker contou que a experiência no movimento foi importante para sua carreira. “A gente fez um teatro mais voltado para as questões imediatas e mais preocupado em apresentar para as pessoas problemas de sua realidade. A gente chegou ao ponto de compreender que era preciso falar ao coração. O MCP proporcionou para nós a oportunidade de ir aos extremos. E finalmente fazer teatro de verdade”, afirmou, na ocasião.

Recife
Wilker partiu para o Rio logo após o golpe militar, buscando se estabelecer como ator. Boa parte da sua família ainda mora em Pernambuco, incluindo as suas três irmãs, Nalizaly, Maria Auxiliadora e Maria Willany. Nenhuma das três quis falar sobre a convivência com o irmão. “Ele sempre vinha nos visitar, tínhamos uma convivência familiar comum”, relata a sobrinha de Wilker, Eliana Almeida Queiroz.

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