quinta-feira, 24 de abril de 2014

Merval Pereira: Feitiço contra o feiticeiro

- O Globo

Graças a um erro estratégico da presidente Dilma, o governismo, de maneira geral, abrangendo mesmo aqueles que não gostariam de ter que apoiar a reeleição da presidente, está tendo dificuldades para enfrentar os problemas políticos decorrentes do “mau negócio” que a Petrobras realizou comprando a refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.

Digo erro estratégico porque até pouco tempo atrás todos os envolvidos na transação, inclusive a própria presidente, tinham a mesma versão de que a compra fora um bom negócio, justificável pelo plano estratégico da empresa.

Mesmo que hoje se saiba que essa explicação não corresponde à verdade, foi graças à irritabilidade da presidente Dilma que ficamos sabendo disso, e com detalhes como as cláusulas omitidas no resumo técnico levado ao Conselho da Petrobras.

Muitos se espantaram com minhas críticas ao “sincericídio” de Dilma, como se estivesse criticando-a por ter falado a verdade. Minha crítica é mais extensa: acho que a presidente Dilma não tem condições políticas para esclarecer o caso, e tentou, com sua nota oficial de próprio punho, livrar sua responsabilidade no caso, como acentuou o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli.

Tanto é verdade que ainda presidente do Conselho, mas já sabendo que as negociações para a compra de Pasadena haviam sido omitidas, aceitou que o diretor responsável pelo relatório “falho técnica e juridicamente” fosse transferido para outra diretoria da Petrobras Distribuidora, com elogios formais do Conselho por sua atuação. E em nenhum momento fez críticas à atuação da diretoria da Petrobras.

A ministra-chefe da Casa Civil toda-poderosa conviveu com a diretoria da Petrobras, da qual discordava, sem criar marolas políticas, pois já estava trabalhando para ser a candidata oficial à sucessão de Lula em 2010.

Portanto, o seu “sincericídio”, em vez de significar uma reação a uma maneira de fazer política empresarial da qual discorda, é muito mais um ato voluntarioso de uma pessoa que não está acostumada a ser contrariada, não tem maiores consequências na mudança de rumos da gestão da Petrobras.

Mas, voltando às dificuldades que o PT está tendo para justificar sua posição na crise da Petrobras, é bom lembrar que logo depois da eleição de 2006, em entrevista a Fernando Rodrigues, da “Folha”, o marqueteiro João Santana revelou que o debate sobre as privatizações fora utilizado como maneira de reavivar “emoções políticas” no imaginário do brasileiro comum.

Santana admitiu na entrevista que a impressão de que “algo obscuro” acontecera nas privatizações deveu-se a um “erro de comunicação do governo FH, que poderia ter vendido o benefício das privatizações de maneira mais clara”.

O erro do PSDB fora, segundo ele, “não ter defendido as privatizações como maneira de alcançar o desenvolvimento”. No caso da telefonia, “teve um sucesso fabuloso” que não foi capitalizado pela oposição, dizia ele.

João Santana foi claro quando respondeu se não seria desonesto explorar sentimentos que ele sabia não exprimirem a verdade: “Trabalho com o imaginário da população. Numa campanha, trabalhamos com produções simbólicas”.

Pois hoje a exploração das produções simbólicas no imaginário da população está causando graves problemas para o governismo, acusado pela oposição de ter “privatizado” a Petrobras para um grupo político.

O governo ainda tenta sair das cordas acusando a oposição de estar fazendo uma campanha “contra a Petrobras”, mas a falta de sentido dessa acusação não encontra eco no cidadão comum, que está vendo a crise na Petrobras como uma grave falha do governo.

Aliás, o PT no poder tem como hábito assumir o papel do Estado brasileiro, e, quando sua atuação é criticada, seus líderes atribuem as críticas a uma campanha “contra o país”.
O ex-presidente Lula já se cansou de acusar o ex-presidente Fernando Henrique de “falar mal” do país em suas conferência internacionais. A presidente Dilma Rousseff volta e meia diz que “tem gente torcendo para o país dar errado”.

Na verdade, tanto Lula quanto Dilma se referem a oposicionistas que criticam a atuação do governo, e não o país. Um governo representa o país, é fato, mas pode representar mal e merecer críticas. Assim como críticas à gestão de uma empresa não representam campanha contra ela.

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