domingo, 13 de abril de 2014

Merval Pereira: A seleção dos melhores

- O Globo

Até que ponto a escolha dos melhores de uma sociedade pode ser feita sem que se utilize o voto popular direto?

O Congresso de um país representa a média de seus cidadãos ou a escolha é afetada pelo dinheiro das campanhas políticas, cada vez mais caras, e pela influência de grupos de pressão, que podem representar corporações e até mesmo interesses ilegais organizados?

Qual é a melhor maneira de fazer com que a meritocracia prevaleça na escolha dos representantes do povo?

O cientista político Eric X. Li fez uma apresentação no ano passado no TED que se tornou viral. TED é uma fundação privada sem fins lucrativos dos Estados Unidos conhecida por conferências para a disseminação de ideias pela internet.

Segundo Eric Li, a seleção dos dirigentes na China, embora feita por um partido único, o Partido Comunista, é marcada por um sistema que leva dirigentes de pequenos municípios a galgarem degraus na hierarquia única e exclusivamente pela eficiência de suas ações. Diz ele que o período de 20 a 30 anos é consumido para que a seleção afunile até a chegada dos líderes no Comitê Central, formado na sua maioria por elementos vindos das camadas inferiores da sociedade.

Ele compara este tempo de seleção, em cada etapa do processo, com um MBA das melhores universidades americanas, e diz que o voto popular não faz falta na meritocracia que a China está organizando.

A isenção política das escolhas é, no entanto, improvável para os críticos do sistema, que veem o aparelhamento do Estado pelo Partido Comunista como o real objetivo da seleção.

Já Jorge Maranhão, o publicitário que dirige “A Voz do Cidadão” em busca do que chama de “cidadania de terceiro nível”, está reunindo líderes da sociedade para que se comprometam com valores que possam fazer a sociedade progredir.

São 20 temas, que representam os 20 componentes do que deveria ser o Ministério ideal, correspondente à formação histórica dos ministérios brasileiros. “Quando chegar a 500, terei um Congresso de Cidadãos que não têm interesse em mandatos, todas as pessoas assinam um termo de compromisso de que não concorrerão a postos eletivos”.

Maranhão vibra com a chance de ter “virtualmente uma amostra significativa, em 20 das principais áreas de políticas públicas, de propostas desinteressadas de aperfeiçoamento”. Sua ideia é “calar a crítica da aristocracia no mau sentido; o Brasil precisa que seus melhores se dediquem à questão pública, e não essa onda que os políticos criaram de que quem está na política tem de sujar a mão”.

Ele está convencido de que há uma massa crítica de cidadãos dispostos a sair de uma cidadania de primeiro grau, que se define pela solidariedade, ou da legalidade, como a preocupação com o meio ambiente, o espaço público e os equipamentos urbanos, para uma “cidadania atuante”, que é o uso de instituições de controle do Estado, independentemente de partidos.

“A verdadeira cidadania é a de controle social, que é uma dificuldade de colocar em pé. A cidadania de moralidade pública, no sentido amplo do termo. Onde você vai adequar os seus valores pessoais à sua conduta”.

A cidadania de terceiro grau é a mais evoluída, pois busca a coerência entre a consciência e a conduta social, mostra ao outro os limites de seus direitos. “Cidadãos que não aceitam mais o Estado ser aparelhado por conveniências políticas”, define.

Carlos Fernando Galvão, doutor em Ciências Sociais pela Uerj, lançou o Movimento Rio Cidadão, do qual emergiu a ONG Cidade Viva, ambos parados por falta de recursos. Publicou em 2010, pela Editora Claridade, o livro “Democracia — Do conceito à prática, da representação à participação”, com prefácio de Clóvis Rossi. Para ele, o sistema representativo dialoga com setores organizados, e para que alguém participe, tem de estar num movimento ou instituição.

“Contudo, é difícil você ver o sistema aberto a uma participação mais informal para o cidadão. Junto com a elite política e econômica, construímos o que chamo de uma elite do terceiro setor ou dos organizados. Mas a maioria das pessoas não é representada, de modo contínuo e satisfatório, por essas elites. A participação em comitês desde a base municipal, num sistema semelhante ao chinês, pode ‘descristalizar’ a representação e mobilizar, na prática e efetivamente, a base”, diz Galvão. “Temos que construir uma agenda cidadã, vinda da base, onde a participação, em complemento, mas para muito além da representação (não a excluo, de maneira alguma), discuta o que queremos e proponha projetos”.

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