quinta-feira, 17 de abril de 2014

Merval Pereira Versões contraditórias

- O Globo
O governo petista não tem sido feliz nas duas frentes em que luta para se livrar de crises políticas à beira da eleição presidencial. O ainda deputado federal André Vargas, ex-diretor de Comunicação do PT, desistiu de renunciar, mas continua sob pressão partidária para fazê-lo. É provável que acabe capitulando.

E, cada vez que uma nova versão sobre a compra pela Petrobras da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, vem a público, fica mais claro que é preciso investigá-la em profundidade.

Ontem, foi o momento do ex-diretor da área internacional da empresa Nestor Cerveró, acusado tanto pela presidente Dilma quanto pela presidente da Petrobras de ser o grande culpado por induzir a erro o conselho da Petrobras.

Para começo de conversa, o fato de ter omitido no resumo técnico a cláusula de saída, que obrigava uma das partes a comprar a outra em caso de litígio, e a Marlim, que garantia um rendimento básico de 6,9% à belga Astra Oil, parece a Dilma, a Graça Foster e aos empresários Jorge Gerdau e Fabio Barbosa, que também faziam parte do conselho, um pecado capital.

Já Cerveró ironizou sutilmente essa preocupação, dizendo que simplesmente não colocou as cláusulas no resumo porque elas são corriqueiras no mundo dos negócios.

Ou ele é um mentiroso que teve objetivo escuso ao omitir as cláusulas, ou todos os demais não entendem nada de negócios e estão utilizando essa desculpa esfarrapada para se livrarem da responsabilidade de terem autorizado um “mau negócio”. Não há alternativa, e somente uma investigação independente do Congresso pode definir as responsabilidades de cada um.

Um comentário lateral de Nestor Cerveró mostra bem o surrealismo da situação. Vários deputados tentaram incentivá-lo a falar o que sabe, alegando que fora traído por seus superiores ao ser demitido recentemente da diretoria financeira da BR Distribuidora — cargo a que fora rebaixado, segundo Graça Foster, devido ao episódio da compra de Pasadena.

Cerveró, muito sério, alegou que a saída do cargo agora não pode ser atribuída à compra da refinaria nos Estados Unidos, mas a uma simples questão administrativa, porque ela acontecera há 8 anos, “e eu não fui demitido na ocasião”.

Raciocínio perfeito, que poderia ser complementado com a informação de que, ao ser transferido da Petrobras para a BR Distribuidora, Nestor Cerveró foi elogiado por escrito por esse mesmo conselho da Petrobras, que não registrou oficialmente a transferência como uma punição ao servidor.

As evidências de que a compra da refinaria de Pasadena foi no mínimo estranha são muitas, a começar pela troca de e-mails entre diretores da companhia Astra Oil mostrando que eles consideravam improvável que a Petrobras oferecesse preço tão alto quanto ofereceu para a compra dos outros 50% da refinaria.

Sobre esses e-mails, que revelam os bastidores da negociação, ninguém consegue explicar nada, e somente uma CPI terá condições de investigar a fundo a motivação da compra, até agora camuflada por comentários técnicos que são opostos, Graça Foster admitindo que foi um mau negócio que parecia bom, e Nestor Cerveró afirmando que foi um bom negócio de qualquer maneira, mesmo a Petrobras tendo admitido já uma perda de US$ 530 milhões.

O “sincericídio” da presidente Dilma, admitindo que não autorizaria a compra se tivesse os dados completos, deu início a essa crise, pois até aquele momento a versão oficial da Petrobras era a de que tinha sido um negócio perfeitamente normal. Hoje, a atual diretoria joga para sua antecessora a culpa, e a presidente da República atual transfere para seu antecessor e mentor a responsabilidade por um “mau negócio” na estatal símbolo do país.

O país precisa saber quem está com a razão.

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