terça-feira, 6 de maio de 2014

A segunda unção de Dilma: O Estado de S. Paulo - Editorial

O primeiro-companheiro Luiz Inácio Lula da Silva e a cúpula do PT cumpriram à risca no último fim de semana a inadiável tarefa de relançar a candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição. Inadiável porque, desde fevereiro de 2013, quando o seu padrinho achou necessário antecipar em mais de um ano a sagração da pré-candidata, precisamente para extinguir os focos de "Volta, Lula" que já crepitavam dentro e fora do partido, a tendência a recusar uma segunda chance à titular do Planalto só se encorpou.

Para resumir o efeito acumulado do desgaste do seu patrimônio eleitoral e a progressiva perda de confiança na sua capacidade de cumprir um segundo mandato com menos teimosia, incompetência, ideias fora do lugar e desdém pela opinião alheia, basta dizer que Dilma jamais conseguiu se recuperar politicamente do baque nas pesquisas de avaliação do seu governo à época das manifestações de junho passado. Os protestos puseram em evidência o padrão inaceitável dos serviços públicos a que precisa recorrer a grande maioria da população, toda ela, aliás, altamente taxada.

Ainda que o Executivo federal não tenha o monopólio da culpa pelas agruras dos brasileiros - cuja qualidade de vida, já se disse, só melhorou da porta de casa para dentro -, é natural que a mais alta autoridade do País seja cobrada também pela parte que não lhe toca diretamente no descalabro. Além disso, até as malpassadas respostas de Dilma às demandas da rua - incluindo a jogada populista de fazer a reforma política por plebiscito - foram ofuscadas pela reaparição do inimigo número um do povo: a alta dos preços. O novo surto inflacionário é a mais importante causa singular da erosão do favoritismo de Dilma nas sondagens.

Nesse quadro, como no proverbial círculo vicioso, o "Volta, Lula" com força renovada debilitou ainda mais a já combalida liderança de Dilma, a ponto de um político do PR governista se fazer fotografar pendurando o retrato do ex-presidente no seu gabinete. (Os deputados da legenda se queixam de não terem visto ainda este ano a cor do dinheiro para as emendas parlamentares de que dependem para se reeleger.) Dilma, fiel ao seu costume de atirar primeiro, mesmo que no próprio pé, e pensar depois, respondeu que "vai tocar em frente", com ou sem a base aliada. A essa altura, de todo modo, a operação corta-fogo já tinha sido acertada a quatro mãos com Lula.

Dilma fez a sua parte na véspera do Dia do Trabalho com um pronunciamento de palanque. Em 12 minutos na rede nacional, anunciou bondades, atacou a oposição e deixou claro até para um recém-chegado de Marte que não arredaria pé da candidatura.

Dois dias depois, foi Lula quem tomou posição sob os holofotes. Para a elite partidária presente ao 14.º Encontro Nacional do PT, instada já na abertura do show a dar o sinal vermelho - no sentido petista - à recandidatura Dilma, "a lenda", como ela chamou o seu mentor, cobrou da afilhada outras sortidas de borduna em punho, exortou-a a divulgar melhor as suas presumíveis realizações, desancou a imprensa e disse as palavras que, por dever de ofício, ela destacaria no dia seguinte.

"É preciso parar de imaginar que existe outro candidato (em lugar de Dilma)", como se ele mesmo não tivesse imaginado essa possibilidade quando o governo deu os primeiros sinais de fazer água. "Quando a gente brinca com isso, os adversários aproveitam." Ele sabe muito bem que gente saudosa do seu companheirismo no poder e da naturalidade com que beneficiava quem lhe conviesse só fala daquilo a sério. Mesmo em setores do eleitorado de Aécio Neves e de Eduardo Campos não haverão de ser irrisórios os nostálgicos da era Lula. Terminada a festa petista no Anhembi, em São Paulo, Lula deixou - inadvertidamente ou não - uma sombra no ambiente.

"Se algum dia eu tiver que ser candidato a alguma coisa", avisou assim que ungiu a sua candidatura, "a primeira pessoa a saber será a companheira Dilma." Segundo uma leitura desprevenida, a frase, indicando um futuro distante, seria apenas uma demonstração de lealdade. Mas haverá quem ache aí a esperança de que o futuro venha ainda este ano.

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