sexta-feira, 16 de maio de 2014

Campos: "Dilma caiu na armadilha da polarização"

• "Quem nega as conquistas dos governos do PT é Aécio, eu não nego; o que estou dizendo é que tem uma pauta nova"

• "Nunca tive ilusão de que seria o candidato do empresariado brasileiro, a base social de nossa candidatura é outra"

• "Ninguém nega a competência do Armínio. Mas é uma pessoa sem a legitimação do voto"

• "Nos protestos Dilma perdeu a oportunidade de virar uma grande liderança e se consagrar mais do que nas eleições"

Cristian Klein, Denise Arakaki e Maria Cristina Fernandes – Valor Econômico

SÃO PAULO - Longe de assustar, a estratégia do medo utilizada pelo PT - em inserções que começaram a ser exibidas nesta semana no rádio e TV - já representaria o erro das previsões do marqueteiro João Santana, guru da pré-campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff, e pode significar a oportunidade para furar a lógica polarizada da eleição presidencial. É assim que os pré-candidatos a presidente e vice-presidente do PSB, Eduardo Campos e Marina Silva, avaliaram, em visita ao Valor, a forte cartada lançada pelo PT, em propaganda que mostra brasileiros temendo a volta ao passado ao olharem para eles mesmos em piores condições de vida. Para Campos, a estratégia de marketing do PT sinaliza desespero e demonstra que o partido recorre ao "último bastião" de seus eleitores - um núcleo duro formado por beneficiados por programas federais como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, Prouni e Fies.

"Não somos os anões de que falava o João Santana", afirmou Campos, ao se referir à entrevista em que o publicitário do Planalto exalou otimismo. Em outubro do ano passado, Santana afirmou que Dilma será reeleita no primeiro turno em decorrência do que chamou de "antropofagia de anões" a abater seus principais adversários - além de Campos, o senador Aécio Neves (PSDB-MG). "Eles vão se comer, lá embaixo, e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo", disse à época.

O ex-governador de Pernambuco afirma que a previsão simplesmente não se confirmou. As intenções de voto de Dilma têm caído nas últimas pesquisas eleitorais e já indicam a possibilidade de haver um segundo turno. E o efeito foi justamente o contrário ao previsto pelo marqueteiro presidencial. "Você vê numa campanha de reeleição que, pela primeira vez, uma candidata que está na frente sai batendo no outro. Quem está na frente não bate no outro. Ignora", diz.

O outro, no caso, é o PSDB. Ao falar sobre o passado, a propaganda do PT chamou para o ringue seu adversário predileto e tenta repetir o duelo que venceu nas últimas três eleições (2002, 2006 e 2010) contra os tucanos. Para Campos, será a oportunidade para furar o bloqueio da polarização. "À medida que Dilma começa a falar em medo, ela arma a cena para a gente entrar. À medida que, para segurar seu núcleo duro, começar a falar para trás, ela arma a cena da polarização [de troca de acusações entre PT e PSDB]. Aí, entramos dizendo que os dois têm razão e você [eleitor] tem razão também maior - que é mudar isso aí. Do ponto de vista estratégico, ela está no pior dos tons. Se ela estivesse falando para o futuro... Mas não está", disse Campos, para quem Dilma já teria caído mais, para 27%, de acordo com pesquisa da qual, no entanto, não revelou o instituto e diz ter "ouvido falar".

Por outro lado, Eduardo Campos acena para onde e como poderia ser sua reação à estratégia petista. "Tem uma certa arrogância naquilo de dizer: você está aí porque eu lhe dei tudo. Meio que desconsidera o esforço individual de cada um, a luta, a conquista, a batalha. Esse negócio pode dar muito errado, se acertarmos em tirar esse medo", afirma, para em seguida acrescentar: "Não restou um argumento que não seja o medo. Se você já começa por aí, é porque já derrotou todos os outros argumentos. É um discurso que já é uma confissão da incapacidade de fazer. 'Não mude não, porque senão vai piorar'", diz.

Numa subida de tom contra Aécio - a quem vem criticando desde que o Datafolha apontou o crescimento do senador tucano - Eduardo Campos disse que não nega o legado e as conquistas sociais dos governos do PT, desde o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Quem nega isso é Aécio. Eu não nego isso, não. Aécio e o PSDB é que fazem o discurso negando. O que estou dizendo é que tem uma pauta nova", pontuou.

A declaração é mais um reflexo da inflexão de Campos à esquerda, numa tentativa de impingir ao senador mineiro a pecha de candidato que representa segmentos mais à direita da sociedade. Questionado sobre o esvaziamento de sua candidatura entre o empresariado, desde que anunciou a aliança com a ex-senadora e ambientalista Marina Silva, o ex-governador enfatizou que sua pretensão nunca foi a de ser representante do setor produtivo. "Nunca tive ilusão de que seria o candidato do empresariado brasileiro. Claro que tem muito empresário apoiando nossa candidatura, mas a essência da base social da nossa candidatura é outra", afirmou.

Campos insinuou ainda que o candidato do PSDB dá poder excessivo ao economista Armínio Fraga na determinação de suas diretrizes. "Ninguém nega a competência do Armínio. Reconhecida dentro e fora do país. Mas é uma pessoa sem legitimação do voto. Não se arruma essa economia só com o tripé macroeconômico. Precisa de um projeto para o país. Passa por educação, inovação, infraestrutura, capacidade de dialogar com setores que estão lutando por direitos. Tem uma agenda microeconômica que o Armínio não fez no governo FHC. A sociedade brasileira é mais complexa do que a nomeação de um chefe de equipe econômica que vai botar o Brasil nos trilhos", disse.

Indagado sobre que medidas tomaria nos cem primeiros dias de seu governo, Campos tergiversou: "Precisa marcar na chegada a capacidade de dialogar com a sociedade; há um enorme desejo da sociedade de contribuir encontro em torno de novos valores. Mais que um projeto, é a atitude do novo governo e essa fica clara na chegada, na formação da equipe, na articulação com o Congresso, que não é um problema, o Congresso vai querer ajudar".

Campos deixou claro o desagrado causado pela declaração de Aécio de que ele e Marina estariam em seu governo em 2015. "Não posso dizer que Dilma vai trabalhar no nosso governo ou que Aécio vai trabalhar no nosso governo. É desrespeitoso com o concorrente. Somos forças com posições comuns, e temos um bocado de coisa diferentes da nossa própria caminhada. A nossa sempre foi muito mais próxima das lutas sociais, da luta por terra, liberdade, que a luta do PSDB".

Campos enumerou mais diferenças com o PSDB: "No dia 1º de maio o Aécio falou em flexibilizar as leis trabalhistas e eu disse que não se tira direito de trabalhador. Também não dá pra falar em redução de idade penal. É ignorância jurídica. O Supremo já disse que precisa mudar Constituição. Tem coisas concretas que mostram as diferenças".

Em sua opinião, o crescimento de Aécio deve-se a atuação do senador no Congresso em defesa da CPI da Petrobras e à maior exposição do tucano no Sudeste, onde o PSDB é forte, e região, ao mesmo tempo, onde Dilma caiu mais. O pessebista confia que seu crescimento nas pesquisas virá do eleitorado que compõe a taxa anormal dos entrevistados que dizem que votarão em branco ou nulo, a maior desde 1989. "Quando a gente pega quem nos conhece [a ele e a Marina], a gente já pontua próximo do que Marina teve no dia da eleição [de 2010, quase 20%]. Quando coloca ela na chapa e comunica assim, a gente vai para o primeiro lugar em São Paulo, Rio, Brasília e Paraná", diz.

A associação com Marina Silva é a aposta para a subida. "Isso vai ficar evidenciado lá para agosto. Com TV, internet, cobertura diária. A partir daí, na primeira quinzena de setembro, você vai ver a confusão", empolga-se.

O entusiasmo, porém, dá lugar ao choque de realidade quando Campos é indagado se concorda com Aécio sobre a necessidade de se tomarem medidas impopulares, seja qual for o vencedor de outubro. Nisso os dois estão de acordo, embora o pessebista prefira dar tons mais amenos aos ajustes na economia.

O pré-candidato do PSB reconheceu que o presidente da República eleito terá que adotar um conjunto de medidas para "restabelecer o equilíbrio macroeconômico" a partir de 2015.

O ex-governador afirmou que as medidas vão tirar o Brasil da "recuperação". "O pessoal só não vai ser reprovado porque nós vamos vencer as eleições", acrescentou Campos, que desviou-se do adjetivo "impopular". "Todas as medidas que venham a restabelecer o equilíbrio macroeconômico e puderem fazer o país crescer não são impopulares. São em busca da popularidade, em busca da compreensão da população de que são necessárias. Temos que falar a verdade para a população", disse. Sua pré-candidata a vice, completou: "Se as pessoas querem mágica, um salvador da pátria, não somos nós, temos agenda".

Sobre o papel dos bancos públicos, o ex-governador de Pernambuco disse que estes têm que voltar "ao seu leito natural". "Vai ter um processo de desmame do tesouro nacional, de animar o mercado de capital, passar segurança para os bancos privados poderem exercitar o crédito de longo prazo. É um processo, não um decreto. Hoje tem uma exposição importante desses bancos no crédito. Tem muito título do Tesouro lastreando essas operações, que estão impactando o orçamento fiscal".

Para Marina, as mudanças já poderiam ter sido feitas, desde que as ruas se encheram de manifestantes, em junho do ano passado. A ex-senadora afirma que Dilma Rousseff teria perdido uma oportunidade histórica de se livrar da "velha política" e respondeu às demandas de um modo tradicional, como se fosse uma pauta de reivindicações de um movimento sindical.

"Se a presidente Dilma tivesse, naquele momento, ligado para algumas pessoas que mesmo sendo de posição diferente e poderiam contribuir... Se perguntasse a mim, eu diria: entre para a história em quatro anos. Chame as pessoas, chame todas as lideranças independentes dos partidos e monte uma agenda para o país. E dê um xeque-mate. Chame para montar uma agenda para o Brasil", disse.

Campos argumenta que, com isso, Dilma, eleita com o apoio de Lula, teria se legitimado ali, pela iniciativa coerente com sua própria trajetória, de alguém que não galgou carreira pelos degraus da política profissional.

Marina concordou: "Essa não é uma pauta de reivindicação em moldes sindicais. Isso é uma energia para mudar a nação. Aposentemos a Velha República. Você tem uma bala de prata que é o Lula. E você entra para a história pilotando essa agenda", disse.

Citando "um amigo" da área da Sociologia, Marina disse que se faz uma análise de que, quando foi feita a escolha por Dilma, Lula não queria um sucessor, queria "um intervalo". "Se fosse Tarso [Genro, governador do Rio Grande do Sul] ou Patrus Ananias [candidato derrotado ao governo de Minas Gerais] seria um sucessor, da genealogia histórica do PT. Dilma seria um intervalo. Se ele tivesse trabalhado com a ideia de intervalo, provavelmente não seria tão traumático", disse.

Questionada se isso não seria impossível, pela tendência dos governantes de se encantarem pelo poder, a ex-senadora ponderou. Lembrou o caso do ex-governador de seu Estado, o Acre, o petista Binho Marques, quando Marina ainda era filiada ao PT. "Isso ocorreu no governo do PT do Acre quando preferi ficar no ministério [do Meio Ambiente] e não saí [candidata] para o governo. Binho, um educador, foi [candidato] com muita resistência, e foi dizendo que não queria voltar novamente e iria cumprir uma tarefa", disse Marina.

Para Eduardo Campos, Lula é uma carta fora do baralho e não se deve perder muito tempo perguntando sobre a possibilidade de sua volta. "Ele pode ter todos os defeitos do mundo, mas não é burro. Sabe ler as cartas. É intuitivo e tem a percepção das circunstâncias do que está vivendo. Vai colocar em questão três coisas que está vivendo? A história, o poder e a perspectiva de poder? Se Dilma vai [à reeleição], só está colocando uma coisa em disputa: o poder. Ele tem as três", diz.

Em tom irônico, o ex-governador de Pernambuco afirma que Dilma terá que encarar o desafio de qualquer maneira. "Dilma vai ter que lamber essa barrinha de sal. E achando doce", diz, aos risos.

Para completar a blague, Campos desenha o cenário que ocorreria entre a presidente da República e seus apoiadores da coalizão governista. "Aquela base dela, quando vir a água entrando dois dedos no porão, não fica um para segurar a mão dela para descer as escadas", diz.

Para o pessebista um dos problemas do governo Dilma foi o voluntarismo da presidente, que teria tomado as rédeas da política econômica por conta própria, centralizando decisões que seriam mais afeitas ao ministro da Fazenda. "Ela não queria a permanência do Guido [Mantega, ministro da Fazenda] e resolveu assumir o ministério. E ela mesma foi conduzindo isso, com uma pauta, achando que ia animar o investimento, estudando a regulação dos setores, ela mesma estudando. E deu no que deu", disse Campos.

Segundo o ex-governador, Dilma "começou a fazer um negócio paradoxal". "É o desenvolvimentismo que gera o mais baixo crescimento da República. Quem ia peitar a banca e baixar os juros, no ato de vontade, está legando os juros num patamar mais alto. [Dilma] é intervencionista e estatizante para alguns e está quebrando as estatais brasileiras", criticou.

O pré-candidato do PSB afirmou que o partido enxerga na estratégia de lançar candidaturas próprias no Sudeste uma forma de penetrar em Estados como São Paulo e Minas Gerais. O presidenciável negou ainda que haja divergências com o Rede Sustentabilidade na formação dos palanques.
"Nossa posição é a busca da candidatura própria. Agora, temos um partido consolidado aqui em São Paulo que tem diretório permanente, com prefeitos e deputados que passaram por alianças na eleição passada com [o governador Geraldo] Alckmin", ressaltou Campos, acrescentando que PPS e PV também estão divididos sobre o quadro eleitoral no Estado. Uma ala do PSB paulista defende a reeleição do tucano, enquanto os aliados preferem um nome próprio. "Nesses 40 dias temos que encontrar um caminho para todo mundo, mas se não der para todo mundo, que seja para uma parte", disse, sinalizando o abandono do projeto inicial de se coligar com o PSDB.

Sobre Minas, Campos lembrou que a relação entre PSDB e PSB vem desde os tempos em que os dois partidos se uniram ao PT para apoiar a eleição de Marcio Lacerda (PSB) à Prefeitura de Belo Horizonte, em 2008. O presidenciável, no entanto, afirmou que os tucanos não levaram em conta a possibilidade de Lacerda concorrer ao governo mineiro em outubro e isso despertou em setores do partido o interesse em lançar um nome próprio.

"Esse movimento que manteve o Marcio Lacerda na prefeitura quando ele desejava sair frustrou um time que começou a ficar animado por um ambiente que está gerado em Minas, de uma eleição que não é exatamente do jeito que se imaginava, polarizada desde agora [entre PT e PSDB]", afirmou.

"Fiz uma reunião com o Rede para ver os caminhos. E o pessoal lá disse que vai colocar a candidatura do Apolo [Heringer] nos órgãos partidários. Não podemos impedir isso". Além disso, argumentou Campos, o fato de Marina ter tido um bom desempenho no Estado na eleição presidencial de 2010, também animou o grupo que defende a candidatura própria. Com isso, o PSDB já avisou que deve reagir e lançar um candidato a governador em Pernambuco, Estado de Eduardo Campos.

O ex-governador reconheceu as dificuldades que enfrentarão com o tempo mais reduzido na propaganda eleitoral, mas espera que a cobertura jornalística equitativa das TVs equilibre o quadro. Deixou claro que ainda aposta em fratura na coalizão governista. "Acho que as mídias sociais vão ter uma importância grande. A gente pode chegar perto dos três minutos, o ideal seria ter quatro minutos. Pode ser que a gente ganhe isso sem que a gente faça grande esforço. Imagine um PMDB não dando os votos [na convenção] porque Rio de Janeiro brigou com Dilma, Ceará também. Junta os delegados do PMDB autêntico, o [senador Ricardo] Ferraço do Espírito Santo, essa turma se junta com os rebelados. E que o PMDB fique neutro nacionalmente. Aí esse tempo vai ser distribuído [entre todos]. Admita-se que isso também aconteça no PP, no PR. A confusão no meio deles pode nos beneficiar".

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