quinta-feira, 15 de maio de 2014

‘Democracia autoritária’ ameaça América Latina, dizem ex-líderes

• Para Sanguinetti, ex-presidente do Uruguai, silêncio da América do Sul sobre a Venezuela é ‘hipocrisia’. Fernando Henrique afirma que Brasil se encolheu na política externa e na economia

Tatiana Farah – O Globo

SÃO PAULO- “Em nossa região, temos um fenômeno novo, as democracias autoritárias, que se baseiam no voto e só. A votação enorme parece que dá alvará para que o poderoso vire um pequeno tirano.” Voltada principalmente para a Venezuela, a afirmação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nesta terça-feira em um seminário em São Paulo, ganhou o apoio dos ex-presidentes Ricardo Lagos, do Chile, Felipe González, da Espanha, e Julio Maria Sanguinetti, do Uruguai, além do ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda.

Reunidos para discutir os problemas e alternativas para a América Latina, os ex-líderes criticaram o silêncio dos países da região sobre o que consideraram um avanço autoritário, notadamente na Venezuela, e defenderam ainda uma concertação entre os países do continente para além da divisão entre Pacífico e Atlântico.

Muito crítico ao governo brasileiro, o ex-presidente Fernando Henrique afirmou que o silêncio em relação às violações aos direitos humanos na Venezuela chega a ser “escandaloso”. Para ele, o Brasil tem se encolhido não só no enfrentamento dessas questões como na busca de uma liderança regional e de um protagonismo econômico. Na opinião de Fernando Henrique, “o Brasil volta ao esplêndido isolamento”.

_ É escandaloso que não haja uma reação ao que tem acontecido na Venezuela. Não só do Brasil e dos governos, mas também de nossa parte_ disse Fernando Henrique.

Para o uruguaio Julio Maria Sanguinetti, a tendência ao autoritarismo não se resume a países de esquerda, como a Venezuela, mas atinge toda a América Latina, onde candidatos do governo têm ganhado as eleições com forte uso da máquina e uma pesada campanha financeira sobre os opositores para depois exercer forte pressão sobre as instituições.

- O mais importante é defender a liberdade de imprensa. O que se passa na Venezuela é tremendo. E todos seguimos tolerando e tolerando. A não- intervenção é um princípio sagrado, mas que acaba virando um escudo para amparar violações como essas_ disse Sanguinetti, que, em entrevista complementou: _ Existe uma grande hipocrisia em toda essa situação. É impossível que o Mercosul, sem falar em outras organizações, não tenha nada a dizer.

Jorge Castañeda, ex-chanceler do México, defendeu a importância de mecanismos legais internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, para fortalecer a democracia. Para ele, há muito tempo não se viam tão graves violações aos direitos na América Latina:

_ É um problema as chamadas democracias autoritárias, em que há o desaparecimento da divisão do poder, o cerceamento dos meios de imprensa e a criminalização dos opositores.

Do ponto de vista econômico, Castañeda destacou que a diferença entre México, Caribe e América Central em relação ao Sul é que esses países são exportadores de bens manufaturados enquanto os demais exportam commodities.

_ Essa divisão de Norte e Sul está gerando tensões muito fortes que, às vezes, se refletem na Aliança do Pacífico. Está assim e cada vez mais se vai acentuar, então, como encontrar essa voz em comum? O melhor antídoto é participar de um sistema jurídico internacional que nos protege de nossos próprios demônios_ disse o mexicano.

Para Ricardo Lagos, é um grande erro os países se fixarem nessa divisão entre Norte e Sul e não buscar um enclave que represente a região. Ele também afirmou que o continente vê a criação de governos autoritários que, num cenário de dez anos atrás, não existia.

- O drama é que nós não tivemos êxito em criar nosso próprio enclave. É um gravíssimo erro aceitarmos a divisão de Atlântico e Pacífico. Primeiro porque, no mundo global, a geografia deixou de ser importante - disse Lagos.
O espanhol González salientou que não só na América Latina existe uma crise de governança.

- Estamos vivendo uma crise de governança da democracia representativa. Como vamos sair disso? Não sabemos. O âmbito de realização da democracia que conhecemos é o do Estado Nação, mas os problemas são globais_ disse González.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso falou ainda sobre o desempenho econômico do Brasil e de sua política externa:

- Depois da crise de 2008, todos caímos na real. A ideia de que o Brasil ia ser uma potência industrial se esvaneceu.

Temos aqui problemas sérios. A exportação caiu e, em um mercado interno enorme, sofremos a competição dos produtos importados. Fizemos a escolha equivocada, pela retração. Houve uma tendência de minimizar o valor das leis, dos direitos humanos e das regras. “Liberdade vem depois”. E nós encolhemos.

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