quinta-feira, 8 de maio de 2014

Dora Kramer: Dilmês' castiço

- O Estado de S. Paulo

Bom sinal que a presidente Dilma Rousseff tenha resolvido dedicar parte de seu tempo a conversar com a imprensa. Já fez dois encontros "temáticos" (com jornalistas da área de esportes e com profissionais mulheres), consta que pretenda fazer outros no esforço de estabelecer uma convivência mais civilizada em terreno tratado, quando interessa, como inimigo.

Muito melhor o diálogo do qual se beneficiam todos, governantes e governados. No caso da presidente, o convívio com réplicas e tréplicas - não sendo só uma fase decorrente da necessidade de angariar simpatia devido ao momento um tanto desfavorável - sem a barreira da subordinação pode ajudá-la a exercitar o uso do idioma, combinando sentidos e significados.

Nos pronunciamentos, principalmente nos improvisados, não raro a desconexão entre o pensamento e a linguagem desfavorece a compreensão do que de fato quis dizer a presidente. O jantar que reuniu um grupo de jornalistas na noite de terça-feira foi um exemplo de como a chefe da Nação ora pronuncia palavras que significam o oposto de suas ações, ora diz coisas que se contradizem e não formam um sentido lógico.

Ao defender sua política econômica, considerou "ridículas" as análises que apontam cenário de crise para 2015, ano em que, segundo ela, o "Brasil vai bombar". O que seria isso? Crescer espetacularmente? Atrair investimentos? Avançar na infraestrutura? Melhorar de maneira significativa a eficácia dos serviços públicos? Ou vão estourar bombas (no sentido figurado) de todos os lados? Não se sabe, porque a presidente não explica.

Reconhece, no entanto, o óbvio, que "não está tudo bem" com os preços. Não precisava dizer. Todo mundo vê. O que não se percebe com a mesma facilidade é como se combina essa situação adversa em relação aos preços com a assertiva da presidente sobre o absoluto controle sobre a inflação. Depende do que ela considera controle e se o fato de a inflação se instalar no teto da meta e o governo dizer que anda tudo bem pode transmitir segurança a alguém.

Dilma Rousseff tampouco atribui o mau humor que toma conta do ambiente ao aumento dos preços. Monta sua própria equação: para ela, a insatisfação decorre da "comparação entre a taxa de crescimento de bens e a taxa de crescimento de serviços".

Vamos tentar traduzir. As pessoas se afligem quando se dão conta de que compraram geladeira, carro, televisão, móveis novos, mas não conseguem ter segurança, saúde e educação públicas em grau minimamente decentes, é isso? Parece que sim e aí a presidente tira o corpo fora. "Os serviços dependem de investimentos que não foram feitos no passado."

Qual passado, se o partido de Dilma Rousseff está no poder há 12 anos incentivando o consumo e inerte quanto a mudanças estruturais?

A presidente da República assegurou que não haverá aumento de impostos. É de se perguntar, então, de onde o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tirou a afirmação feita nesta semana de que o governo pode elevar tributos sobre bens de consumo para compensar o aumento de despesas e ajudar no cumprimento da meta fiscal.

Nesse passeio pela versão presidencial dos fatos, chegamos à CPI da Petrobrás. Muito convicta, Dilma garantiu que não tem "temor algum" da comissão de inquérito. Pelo seguinte motivo: "Não devo nada e o governo é de absoluta transparência".

Duas inverdades. A presidente ainda deve explicações sobre a aprovação da compra da refinaria de Pasadena com base em relatório parcial, sem a requisição da documentação completa e o governo não é transparente quando no oficial diz que não teme e no paralelo faz manobras para postergar a investigação.

Nesse particular, atendendo ao apelo "ir para cima" contra a CPI, feito pelo ex-presidente Lula, a quem Dilma tem reiteradamente renovado votos de lealdade.

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