terça-feira, 3 de junho de 2014

Raymundo Costa: Futebol campeão foi política do Estado

• Após derrota de 50, oposição explorou corrupção nas obras

- Valor Econômico

Lula demonstra inconformismo com a perda de apoio popular à realização da Copa do Mundo no Brasil. Acha que o governo perdeu a batalha da comunicação. Não era bem isso o que o ex-presidente imaginava há oito anos, ainda no exercício do primeiro mandato, quando liderou a bem sucedida articulação que levaria o país a ser escolhido para sediar a competição.

No horizonte de Lula estavam a reeleição em 2006, a eleição de um sucessor ou o terceiro mandato em 2010 e a consagração dos governos do PT agora, em 2014, após 12 anos de poder e a caminho dos 20 declarados projeto do partido. O "feito" de Lula foi cantado em prosa e verso pelos candidatos do PT, nas eleições de 2010.

A Fifa se contentava com oito cidades para sediar os jogos. Lula quis as 12. Hoje a Copa mais ameaça que autoriza os sonhos de hegemonia petista.

Lula não foi o primeiro e certamente não será o último governante brasileiro a tentar se valer do futebol com fins políticos e de promoção pessoal. Nas livrarias, há uma boa variedade de obras sobre a volta da Copa do Mundo ao Brasil, após 64 anos. Uma boa parte fala do trauma que foi a derrota da seleção nacional para o Uruguai, o outro finalista de 1950, quando a conquista do título parecia mera formalidade. Uma delas, no entanto, vai além e se ocupa dessa relação em geral negligenciada pelos autores.

"Maracanazo - A história secreta. Da euforia ao silêncio de uma Nação", do jornalista uruguaio Atílio Garrido, fala dos antecedentes do que aconteceu naquela tarde de 16 de julho de 1950. Garrido captura, no tempo, o momento em que futebol e política se transformam num projeto político de Estado: 1934, após a Copa da Itália, quando Getúlio Vargas consolidava a revolução de 30, no Brasil, e o nazi-fascismo e a grande guerra espreitavam a Europa.

Até então "o Brasil não era a potência quase invencível de hoje no futebol", conta Garrido. "Era apenas a terceira força", atrás de Uruguai e Argentina. O Uruguai não foi campeão por acaso. Chefiando a delegação brasileira à Itália seguiu Lourival Fontes, um dos homens-fortes do governo Getúlio, jornalista, integralista e o marqueteiro do Estado Novo.

"Toda a Itália viu-se tomada por um fervor esportivo. Os esforços publicitários não foram poupados. O governo adotou medidas de caráter econômico, como por exemplo um desconto de 50% para as viagens de trem e uma considerável redução nas tarifas dos hotéis e outros alojamentos", conta Garrido. "Mussolini sabia que essa Copa significava, na verdade, o seu melhor investimento político".

Campeões do mundo, os jogadores foram promovidos ao cargo militar de comendadores, "sendo fotografados com o uniforme do exército de Mussolini". Eram novidades que poderiam ser postas em prática no Brasil para promover o governo de Getúlio, cujas simpatias pelos regimes italiano e alemão eram conhecidas.

Garrido pesquisou por mais de 15 anos os eventos de 50, que causaram impactos tanto deste como do lado uruguaio da fronteira. Na mente de Lourival Fontes - conta o uruguaio - nasceu esse desafio constituído de dois objetivos: o primeiro, esportivo, era ganhar a Copa do Mundo de 1938; o segundo, político, organizar a competição em 1942.

Ao voltar da Itália, Fontes expôs suas ideias ao governo. "Getúlio Vargas e os militares que o rodeavam compreenderam que o plano que estava sendo exposto complementava a estratégia delineada, baseada no culto da própria personalidade do homem forte que estava à frente do governo. As ideias de Fontes somaram-se perfeitamente à estratégia de fabricação dessa imagem".

Tomada a decisão, o futebol se transformou numa política de Estado. Homens da confiança de Getúlio foram designados para postos-chaves do esporte. A Confederação Brasileira de Desportos foi assumida por Luiz Aranha, irmão de Graça Aranha, ideólogo e instigador do golpe de 30 contra Júlio Prestes, "o poder que estava por trás do poder", na descrição de Garrido.

Coube a Aranha, o Luiz, pacificar o futebol e acabar com os enfrentamentos políticos entre paulistas e cariocas, também agravados pela revolução de 30. Começa o projeto para fazer um time campeão em 1938, na França, como afirmação do Estado Novo, o que esteve próximo de acontecer, e o Brasil país-sede da Copa do Mundo de 1942. A Itália foi novamente campeã, e os alemães se colocaram como candidatos a país-sede em 42. "Depois do que os Jogos Olímpicos de 1936 tinham significado para Adolf Hitler, ele quis imitar Mussolini e também consagrar a supremacia da raça ariana nos campos futebolísticos".

Em setembro de 1939 a Alemanha invade a Polônia, o plano de ser campeão da Copa do Mundo foi suspenso, mas continuou a atividade voltada para esse fim. O Brasil do Estado Novo era candidato a sediar a primeira Copa do pós-guerra. "Criando um novo feito que afirmasse esse desejo e que, por sua vez, formasse parte da intensa campanha promocional realizada para associar o brilho futebolístico da década com a ideologia autoritária e nacionalista" de Getúlio nasceu a ideia de construir um grande estádio para a copa"

Os ventos democráticos que sopraram do pós-guerra tiraram Getúlio Vargas do poder, mas o general Eurico Gaspar Dutra manteve a máquina político-administrativa do Estado Novo e o projeto de construção do Maracanã. "A obra converteu-se num comitê político do PSD", que não conseguiria, em outubro, eleger seu candidato a presidente, Cristiano Machado. Garrido supõe que, se Dutra tinha alguma condição de eleger Machado, em 1950, isso foi descartado no gol de Ghiggia.

"Com a derrota do Brasil, a oposição, que havia se contido em respeito ao resultado dos jogos, iniciou seus ataques, sem dó nem piedade, durante os 79 dias que restavam para as eleições", escreve Garrido. "O centro de todas as críticas não foi o aspecto esportivo, mas, sim, a corrupção envolvendo a construção do Maracanã". O Congresso fez uma devassa nas contas. Deu em nada, mas algumas carreiras políticas estavam sepultadas. E Getúlio ganhou as eleições de 1950.

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