sábado, 12 de julho de 2014

Cláudio Couto: Metáfora do País?

- O Estado de S. Paulo

Mal terminava o massacre alemão sobre a seleção brasileira, principiavam os comentários de que as causas da derrota futebolística eram uma metáfora das razões gerais de nosso atraso: improviso, malandragem, falta de trabalho etc. Decerto o futebol não está imune às condições gerais da sociedade em que está imerso e, por décadas, romanticamente se enalteceram como distintivos de nosso futebol traços de outras dimensões da cultura nacional: a ginga, a descontração, o improviso, a malandragem...

Entretanto, ao se estabelecer tal relação de forma direta descartam-se mediações sem as quais se cai em enganosos reducionismos, tal qual a de atribuir tudo o que deu errado numa circunstância específica a mazelas estruturais. Assim, se o time perde de forma vexatória, deve-se buscar as causas disso na má formação das categorias de base, na corrupção da CBF e na lassidão da cultura nacional.

Como se não houvesse decisões tomadas circunstancialmente, por sujeitos específicos, que explicam melhor o desastre. Ou será que decorre da malandragem do brasileiro e da corrupção dos cartolas a decisão de Scolari de não reforçar o meio de campo e insistir com Fred?

Isso não significa que, em última instância (e, sempre, em última instância), não se possa identificar em certos procedimentos costumeiros as causas primevas de problemas circunstanciais. Fôssemos nós, brasileiros, mais afeitos à busca de resultados no longo prazo e resistíssemos à insatisfação gerada pelos percalços do imediato, teríamos insistido com Mano Menezes e, assim, a teimosia de Scolari talvez (apenas talvez) não nos teria levado à hecatombe do Mineirão. Coloco a frase na primeira pessoa do plural porque não apenas a CBF substituiu o treinador, mas a opinião pública (notadamente, o grosso da crônica esportiva) clamava por isto. Como já ocorrera no Corinthians, após a eliminação pelo Tolima na Libertadores, Andrés Sanchez era uma rara voz dissonante - só que, quando da mudança na seleção, já sem poder decisório. Terá o tempo, nos dois casos, provado que tinha razão?

Distinguir o circunstancial do estrutural não significa desconhecer que problemas de fundo existam - no futebol e fora dele. Para além de condições que a própria dinâmica do jogo enseja, desastres circunstanciais talvez apenas sejam possíveis porque, de fato, faltam certas garantias estruturais. Isto vale para o futebol e para o País. Porém, cada circunstância abriga possibilidades imprevisíveis, principalmente porque as reações humanas são repletas de incerteza, já que as emoções não são exatas e erros são cometidos. Isso permite grandes surpresas no futebol e na política - em especial nas eleições. Um passo em falso, uma frase mal posta e se põe tudo a perder, deflagrando dinâmicas não apenas fora de controle, mas que atordoam, levando por isso mesmo a novos erros, que atordoam ainda mais - sobretudo quando o tempo é curto e não possibilita recuperações.

Grandes desastres estimulam correções de rumo e reformas. Contudo, o nexo reverso entre o circunstancial e o estrutural pode caminhar por vias oblíquas. Embora tornada lugar comum, a noção do ideograma chinês, de que crise é a conjunção de perigo e oportunidade, nem por isto deixa de ser verdadeira. Assim, a derrota humilhante cria a oportunidade para reformas profundas no futebol nacional, mas gera o perigo de decisões atabalhoadas ou demagógicas, tomadas no calor das emoções.

Em suma, a transposição da metáfora à realidade política e social é capciosa. Estaria o Brasil fora dos campos comparativamente melhor em 1958, 1962, 1970, 1994 ou 2002 do que está hoje? Para qualquer indicador que tomemos, constataremos exatamente o oposto. Portanto, a politização dos resultados esportivos é traiçoeira em seus dois sentidos - dos campos para a sociedade, e vice-versa.

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