segunda-feira, 14 de julho de 2014

"No Brasil não há terceira via em eleição presidencial"

Entrevista
Cesar Romero Jacob. Cientista político da PUC-Rio

"Nas eleições presidenciais, não existe a terceira via. O que existe é o terceiro colocado", sentencia o cientista político da PUC-Rio Cesar Romero Jacob, para explicar o motivo de PT e PSDB terem protagonizado a disputa eleitoral nas últimas eleições. Um dos motivos da polarização deve-se ao fato de os dois partidos estarem fortemente enraizados em São Paulo, maior colégio eleitoral do país. "Quem não tem base eleitoral em São Paulo, tem muita dificuldade de compensar fora do Estado", argumenta Jacob, que pesquisa a geografia do voto nas últimas eleições. Apesar da força tucana, o cientista político adverte que Aécio Neves só conseguirá chegar ao segundo turno se o ex-presidente Fernando Henrique conseguir aparar as arestas entre o senador mineiro, Geraldo Alckmin e José Serra, retomando a política do café com leite. Sobre a Copa do Mundo, Jacob diz que ela não influenciará as eleições, já que não houve grandes problemas no evento. "A Copa deu certo, não houve problema em aeroportos e estádios. O desastre veio de dentro do campo", analisa.

Eduardo Miranda – Brasil Econômico

O sr. acha que pode haver uso eleitoral e algum benefício nas urnas em função dos resultados da Copa do Mundo?

Todo mundo tentou usar a Copa nos últimos meses, inclusive a oposição. Aécio Neves disse, há alguns dias, que o governo tentou usar o Mundial, mas ele também fez isso. A crítica que vimos era em relação ao gerenciamento e à administração diante das pressões da Fifa. Mas a Copa deu certo, não houve problema nos estádios nem nos aeroportos. O desastre veio de dentro do campo. Havia uma descrença em relação à seleção, mas uma derrota como a sofrida para a Alemanha não era esperada.

O atual cenário aponta, mais uma vez, para a polarização entre PT e PSDB nas eleições presidenciais. Por que isso acontece?

São Paulo tem um terço do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e um quarto do eleitorado. Quem não tem base eleitoral em São Paulo, tem muita dificuldade de se compensar fora do estado. PT e PSDB têm bases fortes ali, por isso polarizam. Numa eleição, não se pode ter votos só em São Paulo, mas não se pode ter votos apenas fora do estado. Maluf só tinha votos em São Paulo, Brizola não tinha votos em São Paulo, mas tinha fora.

São exemplos de dois casos que não foram adiante, não venceram eleições presidenciais. São fortes as chances de segundo turno?

Depende do sucesso de Fernando Henrique, padrinho político de Aécio Neves em São Paulo, em conseguir fazer com que José Serra e Geraldo Alckmin virem a página do ressentimento e entrem na campanha presidencial. Se isso acontecer, a vida da Dilma ficará muito difícil. Os tucanos mineiros estão dizendo aos paulistas que essa é a vez de Minas Gerais assumir o poder, depois de o PSDB ter perdido a eleição presidencial com candidatos paulistas nas três últimas eleições (Serra em 2002; Alckmin em 2006; e, novamente, Serra, em 2010).

Aécio já tem um candidato a vice paulista, o senador Aloysio Nunes...

Mas a história nos mostra que duas vezes o pacto das elites políticas do país, a chamada política do café com leite, entre Minas e São Paulo, foi rompido pelos paulistas. Em 1929, quando esperávamos, pela lógica da alternância no poder, que os mineiros comandassem o país, Washington Luís rompeu esse acordo e lançou o paulista Júlio Prestes. Getúlio Vargas se aproveitou dessa briga, associou-se aos mineiros e o resultado foi a Revolução de 30. Daí até 1945, o governo de Vargas foi um condomínio entre mineiros e gaúchos. Os paulistas só voltaram ao poder em 1994, com Fernando Henrique, justamente pelas mãos de Itamar Franco, um mineiro. No meio do caminho, quando Itamar esperava pela sua indicação, retomando a política do café com leite, Fernando Henrique surge com a emenda da reeleição. Depois de 1929, essa é a segunda rasteira na elite política mineira.

Diante da situação de polarização, como o PT entra nessa história?

Em 2002, Lula repete Getúlio, buscando aliança com os mineiros, tendo José Alencar, seu vice, de Minas Gerais. É o operário e o empresário, o dono da força paulista e o mineiro. Lula faz a política do café com leite. O PSDB está fazendo agora, e com atraso, o que Lula fez com Dilma, a mineira radicada no Sul e que teve um paulista como vice. Ele estava mandando um recado às elites dos respectivos estados. Aécio está fazendo o mesmo. Ele repete a estratégia do Lula de 2010.

Ter um vice paulista significa que Aécio está deixando o Nordeste para Dilma?

Para ele, o fundamental é ganhar em Minas e São Paulo. Se ele ganhar bem nesses lugares, o grau de energia necessária nas outras regiões será menor.

E como fica a situação de Eduardo Campos nesse cenário?

Costumo dizer que no Brasil não existe a terceira via, o que existe é terceiro colocado das eleições presidenciais. E não há nada em comum entre os terceiros lugares nas últimas seis eleições. Tivemos Leonel Brizola (PDT) em 1989; Enéas Carneiro (Prona) em 1994; Ciro Gomes (então no PPS) em 1998; Anthony Garotinho (então no PSB) em 2002; Heloísa Helena (PSol) em 2006; e Marina Silva (PV) em 2010. Não são iguais, não há nada em comum entre eles — nem partidariamente, nem no ponto de vista político, nem nas bases territoriais. Não é como a extrema-direita francesa, em que Marine Le Pen tem votos em determinada região do país, ou como os verdes na Alemanha. Não é assim que funciona aqui. Por outro lado, em vez de alavancar, Marina está atrapalhando Eduardo Campos. Tudo o que ele quer fazer, ela quer o contrário. Além disso, há uma disputa entre as três principais elites nordestinas: a baiana, a pernambucana e a cearense. O que significa que Campos pode não ter boa votação na Bahia e no Ceará.

Marina, então, não agrega?

Os votos de Marina em 2010 não eram de Marina. Aliás, cada terceiro colocado tem uma conjuntura diferente. No caso de Marina, ela reuniu os insatisfeitos com José Serra, que escondeu Fernando Henrique de sua campanha (agora temos Aécio exaltando os 20 anos do Plano Real); os insatisfeitos com o governo do PT, que não foi suficientemente radical; os verdes, que tinham Marina como candidata; e os evangélicos, para quem ela não fez campanha voltada para eles, mas que votaram na ambientalista. Marina é a vice que nenhum presidente quer ter. É diferente de Marco Maciel com Fernando Henrique; de José Alencar, que criticava os juros altos para os empresários, mas certamente combinado com Lula; de Michel Temer, que é um bombeiro e ajuda a apagar os problemas do PMDB para se manter na base aliada do governo. Se Campos vai negociar com o agronegócio, ela diz que com o agronegócio não pode.

Eduardo Campos tem em seu programa de governo a proposta de candidaturas avulsas.

Num cenário em que temos mais de 30 partidos, uma proposta como essa só faz fragmentar ainda mais. A história mostra que isso não deu certo. Candidatura avulsa foi a de Fernando Collor, em 1989, tendo o PRN como partido de aluguel. A candidatura do Collor foi uma aventura. Essa medida do Campos pode ser uma tentativa de deixar Marina contente, até para uma eventual candidatura dela, que ainda não tem partido legalizado. Mas ela vai se eleger e montar seu partido depois?

O Pastor Everaldo (PSC), em algumas pesquisas de intenção de voto, tem se aproximado de Eduardo Campos. Ele pode forçar o segundo turno?

Ele pode conseguir atrair um bom número de evangélicos, já que é o único candidato religioso à Presidência da República. Mas evangélicos candidatos a cargos majoritários tem piso alto e teto baixo, ou seja, uma rejeição muito grande do eleitorado não-evangélico. Se ele fizesse a política pelo partido, e não pelas igrejas, não significa que não teria o apoio delas. Quando a questão da religião é de foro íntimo, não há problema. Fernando Henrique Cardoso é agnóstico, mas não fez proselitismo do ateísmo em sua campanha. O problema é quando isso se mistura com a máquina das igrejas.

Em que medida o Pastor Everaldo pode ser uma alternativa a Dilma, Aécio e Campos?

Dilma, Aécio e Campos são muito próximos. Os três têm compromissos com as agendas dos últimos 30 anos. Na ordem cronológica, a saber: a proposta da democracia durante a ditadura; a estabilização da economia na década de 90 — os três candidatos são formados em economia e defendem meta de inflação, taxa de câmbio flutuante e superávit primário — e, por fim, a redução da miséria, que aconteceu mais agudamente nesses últimos 12 anos. Eles podem fazer isso de forma diferente, mas têm o mesmo compromisso. Dilma foi presa política, Aécio e Campos são de famílias cujos avôs lutaram contra a ditadura. Isso acaba abrindo espaços e agendas à esquerda e à direita. Na direita, temos o Pastor Everaldo. Mas ele está a serviço de quem? É claro que ele está a serviço da construção de seu partido. Mas pode estar, também, a serviço de Dilma ou Aécio, para enfraquecer Marina. Há espaço para uma campanha de perfil conservador. Ele tentará demarcar essa posição.

No Rio de Janeiro, é possível que o governador Pezão abra espaço para o pastor em seu palanque. Ele se beneficia disso?

Sim, porque ele provoca uma fragmentação dos evangélicos no Estado, que tem mais dois candidatos evangélicos ao governo do Rio. Everaldo é da Assembleia de Deus, o deputado federal Anthony Garotinho (PR) é presbiteriano e o senador Marcelo Crivella (PRB) é da Igreja Universal do Reino de Deus. Presbiterianos tendem a não fazer esse vínculo da religião com a política, o famoso "irmão vota em irmão". No caso do Garotinho, como político, ele sempre transitou no mundo evangélico pentecostal, e estes estão na teologia da austeridade, que é também típica da Assembleia de Deus, onde está Everaldo. Já na Igreja Universal, do Crivella, é o contrário, é a teologia da prosperidade. A Assembleia está presente na área mais pobre da região metropolitana do Rio. Ali, é mais difícil, inclusive para o candidato, defender a teologia da prosperidade. A teologia da prosperidade significaria uma certa visão de consumo que a Igreja Universal não condena.

Há uma possibilidade de junção dessas vertentes evangélicas em segundo turno, tanto no Rio quanto no cenário nacional?

Sempre. É novamente a ideia de que "irmão vota no irmão" e não na política, se é que ainda é possível falar de programas partidários, diante da chamada "bacanal eleitoral" que estamos vivendo no Estado. Quando não há o "irmão", os evangélicos se dividem entre os diversos candidatos. Pelo menos a partir da eleição do Lula, em 2002, foi assim. Eles foram para o colo de Fernando Henrique, porque achavam que o PT era o partido da Igreja Católica, já que havia integrantes da legenda com origem na Teologia da Libertação.

Há uma relação do discurso petista de ascensão da classe média coma teologia da prosperidade da Igreja Universal?

Não existe esse vínculo. O Brasil transitou nos últimos 30 anos com agendas não da política, mas da sociedade. A transição da ditadura para a democracia não era uma agenda política, mas social, que foi aproveitada por Tancredo Neves. Mas não há também democracia consolidada com inflação alta, agenda que pertenceu aos anos 90, porque, numa economia muito desorganizada, é difícil não ter tentações revolucionárias ou golpistas, pelo grau de desespero das pessoas — essa foi a agenda de Itamar e Fernando Henrique. Em seguida, pelos anseios sociais, veio a constatação de que de nada adiantaria democracia e economia estável num país desigual, e aí temos os programas de Lula e Dilma, no sentido de reduzir a desigualdade acentuada. São três etapas, quase em processo, das exigências da sociedade. A redução da miséria e o aumento real do salário mínimo, agendas do PT, permitem que a classe C vá ao shopping. É aí que a Igreja Universal está focada.

Candidatos evangélicos, em geral, têm rejeição entre os eleitores que não são religiosos?

Não necessariamente. Marina Silva e a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) conseguem fazer uma campanha mais ampla, mesmo sendo evangélicas, porque não fazem política com esse viés. Elas podem não ter feito campanha voltada apenas para o segmento, mas não significa que o segmento não fez campanha para elas. Importante ressaltar que estamos falando de evangélicos pentecostais, porque os evangélicos históricos pensam na mesma linha da Igreja Católica, que tanto pode ser tucana, petista ou socialista, e que acha que é melhor não levar para a igreja uma divisão que está fora dela.

A Igreja Católica não orienta o eleitor religioso, então?

Na eleição, o que a Igreja Católica faz é defender princípios. Pontualmente, ela pode se colocar contra algo. E, ainda assim, há diferenças entre a igreja de João Paulo II e Bento 16, papas conservadores, e a igreja do Papa Francisco, que é mais progressista.

Há chances de temas como aborto e casamento gay entrarem no debate presidencial, como aconteceu em 2010?

Aborto, sim. Casamento gay, acredito que não, na medida em que o Papa Francisco defende mais tolerância com os gays e, consequentemente, não haveria respaldo do Vaticano para uma demonização do tema. Quanto ao aborto, ele atinge setores da Igreja Católica, mas nenhum dos três candidatos (Dilma, Aécio e Campos) são a favor do aborto, quando a discussão não é relacionada à saúde pública. Aborto pode aparecer de forma mais polêmica na campanha do Pastor Everaldo.

Há outros temas polêmicos na esfera moral e religiosa que podem aparecer?

Acredito que não. Eutanásia, células-tronco e pena de morte não estão na pauta da campanha eleitoral no Brasil.

Mas a religião entra em pauta no caso de uma disputa mais acirrada de segundo turno entre Dilma e Aécio?

Isso é difícil de prever, porque pode ser provocado por terceiros. Em 2010, o assunto foi provocado pelo processo eleitoral, por manifestações do bispo de Guarulhos. Com exceção de uma resposta mal dada num debate, acredito que a religião pode aparecer mais em decorrência do apoio que os candidatos podem vir a ter de tal ou qual igreja. Em princípio, os candidatos não abordarão temas polêmicos. Percalços de campanha sempre podem existir, claro. E essas polêmicas podem vir mais das redes sociais, com temas constrangedores para todos os candidatos.

Voltando à Copa, a oposição e a população podem querer responsabilizar o governo pela derrota da seleção brasileira?

Ainda não está claro que interpretação irá prevalecer por parte da população em relação a essa derrota. No momento, ela está tentando entender o que aconteceu. Depois, ela vai querer respostas e soluções. A crítica à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e ao futebol brasileiro vem bem antes desse resultado e é suprapartidária. O que pode acontecer — e isso vai além do pleito de outubro, já que a Alemanha levou 10 anos para reformular seu futebol — é o governo ser capaz de dar início à reformulação do futebol brasileiro. Isso, sim, pode ter algum tipo de influência na eleição.

O governo pode exercer alguma influência nas mudanças da CBF?

O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, está tendo o cuidado de que essa questão não seja apenas do governo e está tornando esse debate suprapartidário. A Dilma não tem relações com o Marin (José Maria Marin, presidente da CBF) e não há como colocar a responsabilidade da CBF no colo dela. As forças, tanto no governo quanto no Congresso, tendem a empurrar o problema para a CBF, sobretudo diante do fato de que o Felipão (Luiz Felipe Scolari, técnico da seleção) não assumiu o erro e credita tudo à "pane dos seis minutos", coloca a culpa nos jogadores e se exime do problema.

A falada CPI da Copa na oposição perde a força diante do bom resultado fora de campo e do mau resultado da seleção?

A CPI da Copa, assim como a CPI da Petrobras, não passa de um factóide. Os parlamentares irão para as campanhas, haverá um esvaziamento do Congresso nos próximos meses. Além disso, muitos dos estádios estão em estados governados pelo PSDB. CPI demanda tempo, e os deputados e senadores estão, neste momento, preocupados em salvar a própria pele e se eleger em outubro.

Diante do resultado da seleção, o slogan Copa das Copas ainda faz sentido?

A Copa das Copas faria sentido caso a seleção tivesse conquistado o hexacampeonato. Mas Felipão e a CBF não fizeram o dever de casa. Não foi por outro motivo que Dilma tirou de circulação esse slogan. Do ponto de vista do futebol, a Copa das Copas virou o "Desastre dos Desastres". Apesar de a história recente do país mostrar que não existe relação entre o desempenho da seleção no Mundial e o resultado da eleição, o que acontece agora é que tivemos uma Copa em casa. E a Dilma teria se beneficiado, sim, de um resultado positivo no futebol.

O governo se beneficia como fato de a Fifa ter sido exposta a partir do desvendamento da máfia da Match, responsável pela venda de ingressos dos jogos?

Isso não vira voto. O grande legado poderá ser a reformulação do futebol brasileiro. Se o legado for a reformulação do que é criticado há muito tempo, isso pode se tornar benefício. Por outro lado, tem gente dizendo que um dos legados terá sido desmascarar a Fifa. Mas isso foi a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Esse conluio entre dirigentes da Fifa e a empresa associada desmonta a arrogância do "Padrão Fifa". É o padrão "Pifa". Problema com a venda de ingressos, agora explicado, problemas com a comida nos estádios... a Fifa sai arranhada. Mas Dilma não tem como faturar em cima disso.

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